Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, outubro 21, 2006

O rei vai nu

A conhecida história infantil sobre a confecção das faustosas roupas do rei aplica-se como uma luva ao Portugal actual, com a única diferença que não aparece, no final, a inocente criança a exclamar o evidente. Que o rei vai nu.

A curiosa forma de governar o país todos embrutece, que a evidência torna-se, agora, motivo de debate ideológico entre os que “sim” e os que “não”. Os políticos lusos aprenderam a governar na era dos mass media instantâneos. É preciso empolar e tratar com linguagem dita científica todos os assuntos. Finalmente, reconheceram a importância das técnicas de Relações Públicas (essa feliz Ciência criada por Walter Lippmann e Edward Bernays, responsáveis pela máquina de propaganda do Presidente EUA Woodrow Wilson, que perceberam a essência da Democracia: um grupo esclarecido governa o rebanho, daí a inevitabilidade de criar sistemas de controlo do resto da população).

Para atoucinhar o povinho com rica polifagia de matéria orgânica para ocupar a cabecinha, primeiro espalha-se a ideia que determinado facto, situação ou acontecimento é gigantesco e de execução quase impossível, como se de um trabalho de Hércules se tratasse. Depois, mete-se as mãos na massa e as coisas saem a contento. (Este expediente funcionou às mil maravilhas com o Euro2004, apresentando-se a organização de uns jogos de futebol como uma tarefa medonha, carecida de gentes hiper-inteligentes, perladas de cursos universitários, para a sua concretização). O evento decorre normalmente, no fim lança-se foguetório, banda filarmónica, felicitações, abraços, comendas, medalhas. Que bons que somos! O termómetro do orgulho nacional sobe para valores nunca vistos deste o tempo do Ultimato Inglês, em que o patriotismo deu direito a simbólica canção, que hoje cantamos em todos os locais onde a verde rubra patriotice possa ser drapejada. O mesmo esquema está a ser aplicado ao aumento do preço da electricidade. Atira-se para a ágora 16%. Incrédulo, o cliente é informado que a culpa não é do macaco, mas de passados consumidores que pagaram pouco. Alastra a boataria. Mas afinal não foi o dinheiro do cliente, como contribuinte, que erigiu e manteve a empresa, quando um gestor mais estroina passou pelo cargo e deixou as contas escanzeladas? O dinheiro dos impostos não conta? Depois de entrar o cofre das Finanças esqueceu o antigo dono como se uma chapinhada no Letes desse? Há falta de fósforo na memória dos estadistas? Mas eis que graças ao esforço legislativo do Governo o aumento será “só” de 8%. Mais foguetório e felicidade estampada nos rostos. Escapamos de boa! E já ninguém acha um roubo da parte de uma empresa com lucros astronómicos. E, muito menos, sonha o que aí vem com a dita liberalização do mercado.

País sem crescimento económico, onde não se pode falar de empresários capazes de criar riqueza social, (a não ser que se considere, num esforço de arrevesada semântica, Alfredo da Silva um empresário. Dos actuais nem vale a pena falar, tanto riso provocam que não permitem uma análise séria. Temos de esperar que morram para estudar tão alucinante vida produtiva). Onde os patrões são uma chalaça que montam fábricas e abrem falência meses (ou anos) depois de beneficiarem do trabalho de borla dos empregados. País governado por políticos que, de quatro em quatro anos, saem do banho das urnas purificados da responsabilidade do passado, as burrices esquecidas, inocentes como crianças, para começar da estaca zero. País cuja História é um fadário de trapalhadas epopeizadas por razões psicológicas e ideológicas – para dar ao povo um ecrã inscrito de heróis onde alimentar a vaidade de ser o que não se é. Um país destes tem que ser gerido com vitórias morais ou desaparecer.

Criam-se fantasias de feira para entreter o pagode. Como o crime de tráfico de influências. Este é um acto ilícito para políticos e poderosos, impossível de definir, de provar e de condenar, no entanto, mobilizam-se agentes, juízes, procuradores, uma tropa ociosa para passear e perder tempo em rusgas, carregamento de computadores e sacos de papelada, numa encenação teatral da extravagante ideia de que a Lei é igual para todos. Ou como a nova banha da cobra chamada Europa e o seu corolário a Constituição de Giscard. Apresentada como a mezinha para todos os problemas. Quando os franceses disseram “não”, os políticos duvidaram da sua própria democraticidade e muitos pensaram abraçar o demónio da ditadura. (Provando que democracia só existe quando os resultados são a contento de quem manda. Quando não são, dá-se a volta ao prego, espera-se que Chirac saia do poleiro e volta-se a fazer o mesmo referendo). Mas os portugueses, que votam “sim” a tudo por causa dos subsídios, deveriam saber que as instituições europeias são o lugar onde o político, truão e lambaz no seu país, arranja um emprego de chuchar o dedo, como aquelas duas cerejas no bolo europeu – Durão Barroso ou Romano Prodi, para só referir as duas últimas. Ou, então, a mais recente prosápia da segurança nas estradas agora em voga. Ninguém reparou que os carros são um objecto de consumo que por razões económicas têm um custo de produção limitado para poderem ser vendidos a preços acessíveis e isso afecta a sua segurança. E potencia mais consumo criando outros negócios paralelos como coletes reflectores, cadeirinhas para bebés, cintos de segurança, ABS, etc. etc. Em vez de se atacar o problema de frente, (proibindo os carros utilitários e circunscrevendo as vendas da poderosa indústria automóvel aos carros topo de gama), endurece-se o Código, lamenta-se os mortos e aproveita-se para arrecadar mais algum com pedagógicas multas. (No entanto, a actividade humana que mais estropiados e mortes provoca é o Trabalho. Nunca se ouviu uma voz a reclamar a sua extinção, penas exemplares, castigos cruciantes ou dizer que se trava uma “guerra civil” no estaleiro).

Nem tudo são desgraças. Os portugueses têm um papel muito importante na cena internacional no enriquecimento do repertório universal de anedotas. No conturbado início do século XX a lusa instabilidade política deu azo a uma laracha contada nos salões europeus. Quando se ouvia algum barulho, (a queda de um copo, ou de um livro, ou uma culapada de uma dama da corte), dizia-se, desencadeando uma risota geral, que caiu o Governo em Portugal. No bem-aventurado início do século XXI nos restaurantes de fast food conta-se outra requintada anedota. Pergunta-se com ar sério: “para que serve um português na Fórmula 1?” E responde-se: “porque é necessário alguém para chegar em último lugar”, fazendo espalhar as batatas fritas salpicadas de ketchup num ataque incontrolável de riso.

Também não estamos muito mal no departamento do conhecimento grosso modo. Somos o único país do mundo que sabe na ponta da língua quem foi o vice-campeão europeu de futebol em 2004. E, somos um povo sortudo, pois podemos migrar para junto da fronteira de Espanha aproveitando os preços mais baixos praticados no país vizinho. Como dizia um lépido parlapatão do reino dos tolos: “habituem-se”. A procissão ainda vai no adro. Os acontecimentos extraordinários seguem dentro de momentos.

3 Comments:

  • At 8:33 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Devo esclarecer que o Letes era um dos rios do Inferno, cujas águas prococavam esquecimento nos mortos.

     
  • At 11:27 da tarde, Blogger Klatuu o embuçado said…

    Nos vivos, amigo, nos vivos que se atreviam a passar esse rio...
    Quando as legiões romanas entraram na Finisterra... recusaram-se a atravessar o Letes (nome que deram ao rio Lima, ou Limaia)... por esse motivo.

    P. S. Não é o Rei que vai nú... são os Presidentes-corta-fitas... como aquele que temos por cá.

     
  • At 2:26 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    desconhecia a origem do nome Lima...

     

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