Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, novembro 02, 2006

Alice no país dos maravilhados


Os portugueses estão acostumados a receber ordens. Sejam espirituais – quando a realidade se mostra dura e crua, o corrupio para a batina dos padres não pára e a marcha dos andores enchem em sofridos ladairos as ruas de cidades e vilórias. (A noção de que a natureza pode ser dominada por gestos rituais constitui o ponto mais elevado do pensamento científico português). Sejam físicas – a produtividade baixa não é um problema de formação dos trabalhadores ou incompetência dos empresários e gestores, mas a falta de chicote nuns e noutros.

A experiência da emigração deveria servir para tirar as devidas lições. Os portugueses a trabalhar em Portugal são uns calaceiros, uns chico-espertos sempre na esperança de enganar o próximo e embornalar mais uns trocos. Mas chegam à Suiça para labutar num café, transmutam-se em exímios empregados, correm que até gastam os sapatos. A diferença está no supervisor, que faz parte das casas suíças, que não lhes dá tréguas para mandriar. Os empresários portugueses nunca perderam a mentalidade de pucareiros e só sabem produzir a partir de salários baixos e almadraques do Governo. Quando a mão-de-obra sobe, ou o Governo retira o tapete, lá vão eles à procura de um proletariado que se contente com menos, e um Estado magnânimo nos subsídios. Os nossos gestores, que trabalham no estrangeiro, regressam de férias à amada Pátria, envoltos em espampanante frufrulhar de rendas e prestígio, desdobram-se em entrevistas aos Meios de Comunicação Social e cerimónias de elogios, enquanto que nas empresas onde trabalham não passam de meros funcionários, que nem pela rapariga das fotocópias são desejados.

Uma nação valente de empreiteiros que retalham o país com alcatrão e o enchem de cimento e betão, sem pensar o futuro dos transportes nem as regras a que obedecem as deslocações das pessoas, sem pensar nas alterações que isso trará para o clima, que primeiro pinta os traços nas estradas e depois coloca o alcatrão. Que é incapaz de planeamento e organização, tem o seu futuro traçado. O povo viverá agarrado à crendice no bom estilo da falecida intrujona de Fátima (e santa por certo), em que a fé dará a bonomia e paz de espírito necessários até chegar a hora da morte. Ao Estado caberá o papel de preboste, buraco hiante, sedento de dinheiro que nunca será suficiente, carregando nos impostos e combate à evasão fiscal, angariando fundos sem saber a sua finalidade. (A única finalidade no horizonte é o esbanjar puro e simples como tem sido feito até hoje. Só que agora os portugueses querem grandes obras. Já não lhes chega o fontanário e a casa do povo. Exigem pontes e centros culturais. Ficaram mais caros a quem paga impostos).

A única luz ao fundo do túnel como sempre vem da estação pública de televisão ao programar para as noites de Domingo o Gato Fedorento antecedido pelas jermiadas do vidente de Celorico de Basto. Quem foi educado visualmente no cinema dos falsos raccords de Jean-Luc Godard, não encontrará nenhum salto de imagem, na passagem do programa do professor universitário, para o dos espirituosos pais do “cunami”, ambos são engraçados, ambos divertem. Talvez o professor provoque mais risota, a sua facúndia invejável, aquele ar de eterno catecúmeno a abanicar os corredores do poder, que ele bem desejaria de gatinhar, mas que tem de se contentar em soprar com o vento da garganta, faz rir, lá isso faz rir. Pelo menos antes de Boliqueime ter chegado a Lisboa.

A não ser que este pernóstico Governo que vem resolver os problemas do país, logo de chofre, na tomada de posse, com a proposta da venda de aspirinas (ou de RU 486) nas mercearias do Sr. Belmiro, nos cure a dentalgia de oitocentos anos com carradas de piadas do mesmo calibre. Os prenúncios são bons. Aumentos, sob pretextos de maravilhar, para arrecadar mais carcanhol – como ordena o FMI e sua velha tia provinciana, a Comissão Europeia. Os vaticínios dos profissionais e comentadores da política são ainda melhores. Ecce Homo disse Pilatos ao apresentar o Cristo flagelado e nós poderemos dizer perante empíreo futuro: “eis o peixe, freguesa!”. Há sempre vantagens em viver num país sem espelho, as Alices não se perdem no seu caminho, e os coelhos vão para a panela. E quão glorioso é este futuro à porta da toca.

2 Comments:

  • At 7:21 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    só hoje descobri este blogue....
    brilhante!
    já tens um link.....

     
  • At 4:32 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Francamente, nem sei o que significa link.
    Ainda estou na última grande invenção da humanidade - a esferográfica bic.

     

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