Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, março 29, 2007

Party para sempre

Dias de glória, com futuros tão brilhantes como as pedras de pirite, como as penas dos corvos, como os anéis dos chulos, como as esmolas dos bispos, como os contos de H. P. Lovecraft aguardam Portugal. Mesmo que o futuro se escaqueire em milhentas realidades paralelas todas serão boas. Desta vez não falhamos. Acertamos no bull’s eye. Talvez por sermos um país de originais toiradas, com forcados a puxar o rabo do toiro, resolvemos olhar em frente. Para o que interessa. Para o redondo, sem arrestas, perfeito do ponto de vista filosófico, Progresso, produto da heraclitiana luta dos contrários, que faz o mundo pular e avançar, como uma bola de Berlim com creme entre as mãos de uns politicões, à cata de um Tratado Constitucional (o santo Graal da União Europeia). Descobrimos a pedra filosofal da harmonia e da conciliação. Depois de umas boas cornadas vem a bonança (chamada “síntese” por Hegel e “Memorial Arrangements” pelos Malevolent Creation). A paz no Oeste, após a passagem do Lucky Luke, e os irmãos Dalton na cadeia, depende de nós, caso consigamos vender o franchising como bem fizemos com a “organização de Euros” (os torneios europeus de futebol com essa designação e não a circulação de moeda).

(Com a força diplomática na guelra que temos vamos resolver o problema da entrada da Turquia na EU. É simples. Basta ouvir o Santo Padre. Bento XVI está farto de chiar contra os políticos europeus que se “esqueceram” de incluir as “raízes cristãs” da Europa na introdução da vindoura Constituição. Faz-se a vontade ao Papa e, para não destoar, obriga-se a conversão do Turco ao Cristianismo. Quando o mameluco beijar as sandálias de Pedro abrimos-lhe hospitaleiramente os braços. Se não… que fique na Ásia).

Doutos lentes esgadanhando-se pela reitoria, mobilada pela IKEA (não mogno trabalhado, ou cerejeira, como no tempo do Salazar, que lhe daria mais prestígio) da Universidade Independente é, em qualquer parte do mundo, uma cena profética. Duas tribos em confronto ao som dos Frankie Goes to Hollywood, não vão para Hollywood, mas para a “Viriatolândia”, lugar mítico onde proto-lusos viviam minding their own business, antes de serem incomodados pelo Império Romano. O ensino ficará deveras superior quando a poeira assentar. Daquela luta entre contrários choverá “especialistas”, “peritos” e “cientistas” que pavimentarão os novos montes Hermínios de algodão doce e carrinhos de choque numa feira perfeita. Virá o tempo retratado no anúncio televisivo do ministério das Finanças, em que um tipo passeia na rua e, sem saber ler nem escrever, todos lhe acenam e agradecem. Tal como o chinesinho Limpopó do Badaró o ministro “expilica”. Portugal inteiro agradece porque você pediu a factura depois do bitoque ou da pizza al prosciutto cotto. Peça a factura se faz favor. Facturar faz o país avançar. E se todos pagarem eu pago menos. (Não sejamos pessimistas pensando que mais maçaroca nos cofres do Estado significa mais gasto nas ditas obras megalómanas. Parece dor de corno da baixa oposição dizer que a Ota ficaria completa com um acento agudo no “a” e “rio” no fim. Se Portugal construiu dez estádios não há nenhuma razão plausível para não construir dez aeroportos).

Encontramos ao pontapé pequenos rascunhos deste renascido país. Prenúncio do que será o ofuscante futuro. Nas belas notícias de meia hora, com directos e jornalistas fritando veludínea prosa para as câmaras, ou nos quadradinhos de fim de página dos jornais estão exemplos de que não somos lanterna vermelha de coisa alguma. Dentro do primeiro grupo, em Cernadelo, na Lousada, pudemos assistir ao regresso da pequena Andreia raptada há cerca de um ano do hospital de Penafiel. A mãe, instruída pelos sábios psicólogos da Comissão de Protecção de Menores, fez uma entrada pela porta grande, como fazem as vedetas Michael Jackson, Madonna ou Angelina Jolie. Cobriu a criança com um casaco para preservar direito de imagem e privacidade. (Escusado será dizer que a idiossincrasia nacional será respeitada com uma peregrinação a Fátima organizada por uma diligente vizinha para agradecer a graça). No segundo grupo, lemos que a PT com 867 milhões de euros corta descontos aos reformados. Calma, não há razão para vilipendiar a empresa com citações de Kelly Osbourne. Continuamos dentro da generosidade cristã. Ensina o catecismo que devemos desejar para os outros aquilo que desejamos para nós. E é isso que os gestores da PT fazem. Se eles são ricos, os outros também são, logo não há motivo para borlas.

Algo se passou no universo para merecermos o dia 28 de Março. As estrelas alinharam-se para nos beneficiar. Ontem comemoraram-se os 100 anos da irmã Lúcia, os 25 do G.O.E. e os 31 do Corpo de Intervenção da PSP. Santos e polícias. A espinha dorsal da nação. Muita sorte tivemos nós em a Lúcia ser uma mentirosa, intrujona chamava-lhe o pai, e não uma multiorgástica como Santa Teresa D’Ávila. Pois hoje teríamos poesia sobre as setas atiradas por Cristo contra as carnes estremecentes de prazer em vez de um hígido santuário para rezar. Os guerreiros morais do Grupo de Operações Especiais são homens que trocaram os lençóis Teletubies pela bandeira nacional. Heróis que esborracham contra o chão os nossos mais feros inimigos (ou os deixam todos tremeliques com aquelas pistolas de descargas eléctricas). Quando há 31 anos trocaram o nome da polícia fascista os homens de pouca fé duvidaram. Hoje em vez da Polícia de Choque (brrrr! o nome até arrepia) temos o Corpo de Intervenção (que faz lembrar Nietzsche ou então Bataille). E o bater é diferente. Bate leve levemente que quase não se sente.

Mas o que nos fará cantar com o grupo hip-hop de Leça da Palmeira, Mundo Secreto, “ei! nós chegamos à party tá na hora de pôr as pedras de gelo no Baccardi”, é o facto dos portugueses perceberam quem é o rei. Quem é o maior. Quem rules the neighbourhood. E votaram no Salazar como maior português de sempre. É verdade que ele considerava a televisão um divertimento para a sala dos ricos e foi Marcello Caetano, que depois de uma visita a França regressou entusiasmado, e persuadiu o velho das polainas de que ali havia algo. Sem a autorização de Salazar não teríamos telenovelas, perdão ficção nacional, nem concursos, nem filmes americanos dentro de casa. Ele também não gostava de futebol mas deixou-se convencer na construção do Estádio Nacional. Hoje as mulheres, mas sobretudo os homens, podem sonhar com as pernas do Cristianão Ronaldão ou do Ricardão Quaresmão. Não é fácil aparecer outro Salazar. Não é como encontrar um trevo na tromba de um elefante. Cavaco, poupadinho como o beirão de Santa Comba Dão, não passa por uma luz acesa sem a apagar, tanto em casa, na travessa do Possolo, como no palácio de Belém, gostaria de ser um ditador (o Corpo de Intervenção deu as suas melhores cargas de porrada quando ele foi primeiro-ministro). Mas com aquela vozinha mais parece o Vasco Granja a apresentar desenhos animados dos países da Cortina de Ferro e só se assemelha ao Salazar quando pronuncia os advérbios de modo. No entanto, deixa obra feita. Elvira Gaspar, 74 anos, vive num 4º de andar de um prédio velho de Lisboa sem elevador. Vai para 3 anos que não sai de casa pelo seu próprio pé. Há 6 meses foi escolhida como exemplo dos Roteiros Contra a Exclusão. Iria ser visitada por Cavaco Silva. Que honra! Espana os móveis. Veste a roupinha domingueira e recebe aquela comitiva toda. Muito calor humano (ou seriam os focos das televisões?). Conversa quanto baste. Adeus e muitas felicidades. Carmona Rodrigues ao lado direito de Cavaco ouve os desejos da velhota. Queria uma casa sem escadas para poder ir à rua. Ele responde: “tá bem, depois arranjo uma casa térrea”. Era preciso despachar, o Sr. Presidente tinha mais alguém para incluir. Actualmente Elvira continua na mesma.

terça-feira, março 20, 2007

Os espirituosos das leis

A privatização do Estado foi a melhor ideia que surgiu nos últimos tempos. (Bem… se calhar rivaliza com outras igualmente boas como entregar pizzas ao domicílio, o preservativo com sabor a morango, as faixas bónus nos discos, os júris dos concursos da TV ou as calças de cintura rebaixada). Na Rússia, vender bens públicos ao desbarato, após a queda do regime comunista, durante o “vodkiano” consulado de Yeltsyn, fez milionários podres de rublos para gáudio dos incondicionais da iniciativa privada. Na verdade, o acelerado crescimento demográfico pôs pressão sobre a Economia, e sobre os seus corvos políticos, para criar ocupações para estas alminhas todas que engrossam as estatísticas do povoamento mundial. Quando os “meios escassos” para a persecução dos “objectivos múltiplos” dos seres humanos são cada vez mais escassos obriga a puxar pela imaginação. Lá isso obriga. (Segundo L. Robbins, Economia, seria a Ciência que “investiga o comportamento humano como fruto de uma relação entre objectivos múltiplos e meios escassos, os quais têm diferentes possibilidades de aplicação”). Quando os recursos não chegam para todos, o melhor é beneficiar os mais aptos (os amigos) e rezar para que eles distribuam a riqueza de forma razoável pelos desafortunados (os outros) – como pretendia David Ricardo que o liberalismo económico funcionasse. Pelo que podemos ver, de uma maneira ou de outra, o carcanhol tem circulado para os bolsos dos degraus inferiores da subideira social suavizando o darwinismo social. Eis duas formas: Bill Gates farta-se de dar benemeritamente guita para curar doenças nos subdesenvolvidos, e “alguém” (o contrário de “ninguém” do garrettiano “Frei Luís de Sousa”) pagou 10 mil euros pela encomenda de uma sova ao presidente da Concelhia do Partido Socialista de Gondomar, Ricardo Bexiga.

Não espanta que o Estado, nesta dieta de emagrecimento, produza ideias, decisões, avulsa legislação, que noutras situações deixaria as pessoas com a pulga atrás da orelha. Determinadas propostas são tão peregrinas que provocariam incontroláveis ataques de riso. Esta de “acabar” com o pagamento dos contadores é muito boa. Tão boa como a vozinha do guarda-redes do Sporting ou os anúncios Super Bock sem álcool com o Bruno Nogueira. As pessoas vacinadas pela experiência conhecem uma verdade indesmentível: os impostos nunca terminam apenas mudam de nome. (A taxa do contador não sendo tecnicamente um “imposto” funciona como tal. É um rendimento fixo para quem de direito). Se esta proposta ganhar pernas para andar, em vez de “contadores” chamar-lhe-ão “leitores” para rimar, ou nem sequer isso como fez a muito à frente EDP. Esta empresa do nosso orgulho pátrio não lhe chama “contador”, que sugere um malfeito mamarracho introduzido em período de estética fascista na casa das pessoas, mas “potência contratada”, que, como é bom de ver, cheira a Baía dos Porcos, cheira a liberdade, cheira a livre escolha, cheira a modelos despidas por Yves Saint-Laurent, cheira a tudo menos a Lisboa, cheira a avançada Ciência Económica anglo-americana. Talvez estes “objectos inteligentes identificados” surjam para fazer esputar os jornalistas que se atiram a eles como os fãs do Emanuel às raparigas. No futuro, a sabedoria popular interiorizará esta movimentação na alta gestão empresarial no seguinte adágio: “fecha-se uma torneira, abre-se um poço”. Porque, de uma coisa podemos ter a certeza, a solução encontrada para resolver o problema da quebra de receitas será mais cara que a pretérita taxa do contador.

Viver num capitalismo saudável é a nossa grande vantagem sobre os tenebrosos tempos das histórias de Charles Dickens ou John Steinbeck. Um bom termómetro para medir o grau de saúde capitalista é o número desempregados. Quanto mais tipos florejarem na praça da jorna para serem contratados pelos empreendedores, (mão-de-obra escrava para acelerar a economia espanhola também conta como aprimorada iniciativa privada), mais perto estamos da casa de açúcar de Hans e Gretel. Desemprego? Que terrível drama social, dirão lacrimejando “crocodilamente”, os bons corações da direita à esquerda. Mas a vida real é outra. Aqui vai um exemplo. A cadeia de modernaços trapinhos Zara ameaça despedir dez mil empregados, lê-se pela manhã nos pasquins diários. No dia anterior, a Forbes, a folha de couve americana que dá a conhecer ao mundo o ranking dos ricalhaços, complementa e justifica esta boa nova com outra melhor. Amancio Ortega, precisamente o patrão da Zara, subiu para o número oito na lista, com uma fortuna avaliada em 24 biliões de dólares. Por isso, devemos acarinhar o fecho das urgências que levará a iniciativa privada para o interior do país parindo (no sentido poético. Sem dor) muitos milionários. Este cenário é sustentável porque a maioria da população está velhota, logo abarrotada de achaques, cliente ideal para os cuidados médicos. E, como estão reformados, e enricados com o Complemento Solidário para Idosos, não lhes falta dinheiro para pagar a conta.

Finalmente um concurso televisivo para todos. “A Bela e o Mestre” permite a participação de 100% da população portuguesa. Homens bonitos e inteligentes e mulheres inteligentes e bonitas. Sejamos realistas para isso existe a reality TV. Para nos mostrar a vida como ela é. Depois de vermos no ecrã não há forma de negá-lo. Somos um país de belas e mestres. Quem nos tomava por pançudos em camisola interior de alças, ou quartudas superlativas na pilosidade, pode engolir em seco. Agora uma Sara Aleixo não fica nada a dever à beleza de Lady Pousse Pousse (dançarina do Crazy Horse). E a inteligência do caçador Miguel Sousa Tavares equipara-se à de Bernard-Henri Lévy (dançarino de frufrus). Não só a nossa aparência e cachimónia se aproximaram da Europa, também nas importantes questões de cidadania avançamos com um singelo concurso de TV. O país que deu mundos ao Mundo, (e o Cristianão Ronaldão ao Manchester), atingiu o ponto de rebuçado na igualdade de oportunidades para todos. Qualquer moçoilo ou moçoila do país superficial (antes dito profundo) não precisa das medidas certas ou dos looks perfeitos para vencer na vida. É caso para dizer que esta realidade cantada por Bob Dylan pertence ao passado:
“Mama is in the factory
She ain’t got no shoes
Daddy is in the alley
He is looking for food
I’m in the kitchen
With the tombstone blues”
(Numa tradução adaptada à nossa realidade socio-económica: “a velhota está no bulimento/ela não tem calcantes/o velhote está no beco/ele procura morfes/eu estou na cozinha/com a maleita do barracal”). Eu sei que citar Bob Dylan vai contra a nossa religiosidade. Bento XVI no seu último livreco, “John Paul II: my beloved predecessor”, afirma que foi contra a participação do baladeiro americano num concerto para a juventude realizado em Bolonha, em 1997, e organizado sob os auspícios de João Paulo II. O então cardeal Joseph Ratzinger acusava Dylan de ser um profeta errado. Uma má influência para a juventude. Um profeta sem o pedigree de João, filho de Zacarias, chamado Baptista. Assim, porque devemos beber as palavras do Papa, e para não perseguirmos carros como os Snow Patrol ou o Pluto neste novo tempo de abundância, o melhor é dançar kuduro com os Buraka Som Sistema.

quarta-feira, março 07, 2007

E fez-se fumeiro

Portugal ficou tão interessante como o Iraque. Se na terra do Rafidain, explodem bombas pintalgando o quotidiano de um estonteante salpicado Jackson Pollock (em matizes de vermelho, principalmente), nesta, consagrada ao verde tinto, rebentam patacoadas embelezando o canteiro nacional da frescura micogénica do lar doce lar da família Addams. Aquela dança museológica, em Santa Comba Dão, entre dois ranchos folclóricos rivais, num gritante despique sobre o santanário cadáver de Salazar, não revela atraso civilizacional, como foi sugerido pelo grupo contra museu, porque o país não trilha esses paços, mas mostra a importância do homem providencial na vivência lusa. Sarandalhas esperava o povo sempre que mudava o rabo no trono, (para dias depois amaldiçoar a sorte macaca); de Sidónio Pais que imaculado partiu da estação do Rossio sem fazer estragos no Governo; de Salazar que foi um pai para os filhos, (os bons recompensados com pirolitos e os traquinas castigados com puxões de orelhas); de Ramalho Eanes que personalizou a Democracia exaurindo-lhe o indesejável anonimato. (Para quem lamenta a distância entre votantes e votados. Conta-se que um dia uma velhota se achegou de Ramalho e disse-lhe: “eu votei em si”. Ao que o Presidente dos óculos escuros inspirador dos melhores murais do MRPP respondeu: “a sua cara não me é estranha”).

Descido do céu no seu alazão branco como S. Tiago, parido entre palhas num presépio como Cristo, surgido da manhã submersa na névoa como D. Sebastião ou simples acaso da roleta genética como Paulo Portas, precisamos do “Homem Certo” como de megapixels na Olympus. Claro que homem é uma forma de falar. Pode muito bem ser uma mulher. Quando Fátima Felgueiras regressa das terras de Vera Cruz, para onde se escapulira para evitar a degradante prisão preventiva, o povo beijava-lhe as milagrosas mãos que, neste truque de ausência calculada do país, escaparam à esfregona de faxina numa ala da prisão de Tires ou na de Custódias. Aquelas imagens da mulher providencial que retorna ao seio dos munícipes-adoradores, mantendo incólume o penteado, ficarão na História autárquica e do misticismo religioso em Portugal. Por cá temos tanta fruta providencial que até exportamos – Carmo, uma das irmãs de Cinha Jardim, enviou o paladino da liberdade, Luís Delgado, para o mato de Moçambique para ensinar o uso, na perspectiva democrática, do garfo e faca ao líder (então rebelde) da RENAMO, Afonso Dhlakama.

Nestes dias recentes assistimos a outro exemplo deste visceral impulso do follow the (esclarecido) leader. No mesmo dia em que 120 mil almas trabalhadoras barafustavam nas ruas contra os estragos provocados pelas medidas do Governo nas malas, carteiras e bolsos, os três canais de televisão generalista abrem os respectivos telejornais com Henrique Granadeiro. O presidente da PT ia falar. Desde os tempos da Santa da Ladeira que as palavras não pesavam tanto no imaginário popular (jornalístico). Preparam-se os ouvidos para beberem as melíferas sentenças deste Spartacus que ousou vencer Crasso. Faz-se um compasso de espera enquanto ele ajeita os papéis e laracha bem disposto com Zeinal Bava sentado à sua direita. Os ansiosos jornalistas aproveitam para resumir a saga da OPA até a Assembleia-geral de accionistas que a matou. Que aquilo lhes deu pão para a boca durante um ano. Pelo desequilíbrio que produziria nas forças do mundo assemelhava-se à luta pelo “my precious” entre Frodo Baggins e Sauron. Foi uma épica lide pelo controlo da galinha dos ovos de ouro cravejados de diamantes. Entretanto, passava as imagens da entrada destes novos lutadores de SmackDown ou Raw. E vemos uma coisa deveras curiosa. Dirigentes sindicais, juntamente com trabalhadores da empresa, embandeirados e ensaiados para apoiar a administração da PT. Administradores, e accionistas associados, são recebidos pelos sindicalistas como o Undertaker, o Rey Misterio ou o Boogy Man, subindo para o ringue da fama. A facção contrária é apupada. Joe Berardo até aperta mãos como se fosse um dos putos dos D’ZRT ou dos 4 Taste. As gargantas gritam vivas e palavras de ordem: “a Sonae não passa”. Neste belo quadro (impressionista, porque impressiona) a luta de classes é substituída pela amizade de classe. Esqueceram-se todos que também gritaram “a reacção não passará”, ela passou e neste caso, os trabalhadores, com Belmiro ou Granadeiro, estão lixados. São úteis enquanto rendem depois… é flexisegurança, ou seja, agarrem-se onde puderem.

Na lista dos homens imprescindíveis tem destaque Paulo Macedo. Manuela Ferreira Leite acertou em cheio ao abrir os cordões do erário público para contratar esta oitava maravilha de Portugal. O Director-Geral dos Impostos tem sido louvado como o príncipe perfeito para o cargo. No território nacional e comunidades imigrantes não se encontra um gémeo. Mesmo que tivesse as diferenças entre Arnold Schewarzenegger e Danny DeVito que felizes seríamos pelo achamento de mais um espécimen! Mas não há outro igual. A oposição pede ao Governo que faça uma excepção na lei para manter o Einstein da boa-cobrança. Afinal, limitar os ordenados dos administradores públicos ao valor que ganha o primeiro-ministro é castrante da qualidade dos serviços prestados. Está provado que nesta alta esfera laboral um f**dido e mal-pago perde o interesse na competitividade e quem se trama é o patrão que não vê lucros. Se fosse um varredor teria de dar o litro alegre e contente por receber algo no fim do mês. A ideia de um gestor a ganhar pouco é tão estapafúrdia como Fidel Castro retroceder na idade. Mas existe outra razão para introduzir uma excepção na lei. Quando esta malta se encontra para uma boys night out, um gestor público com 5000 euros mensais sentir-se-ia melindrado entre os colegas, contando os trocos, retraindo-se na gorjeta e indo para casa de táxi, enquanto os outros bazofiam o cartão dourado e partem nos Mercedes e Audis. Ninguém pensou que se dá o caso caricato de um gestor privado rir-se do que ganha Sócrates. Isso gasta ele em fruta e chocolate (sic, na outra esbanja muito mais).

No concurso “Grandes Portugueses”, da RTP, Salazar deveria ser o justo vencedor. Foi ele o homem providencial que arrumou as finanças do Estado em 1928. Depois de nomeado chefe do Governo em 1932 e nos 48 anos seguintes moldou a alma lusa. Devemos-lhe a espinha dorsal da portugalidade. Os famosos três efes, Futebol, Fátima e Fado, sem os quais seríamos espanhóis, franceses ou pior, ingleses. Passados trinta anos de democracia afinal só conseguimos acrescentar mais um efe nesta fórmula – o de Fumeiro. O país prepara-se para viver do Turismo e rebusca receitas nos conventos e baús das bisavós para apresentar uma culinária que faça os estrangeiros chuparem os dedos. Não há terriola que não tenha a sua Feira do Fumeiro para mostrar gastronomia original e saborosa e refocilar o luso espírito na arte de bem servir. Os turistas nacionais estão rendidos. Cirandam de vila em vila e, nalguns casos, quando o álcool tolda a visão e a vontade de chegar aperta, espatifam-se nas auto-estradas. Na atracção de “camones” ainda não existem resultados, mas como se sabe a pele trigueira fica bem na roupa branca de empregado de mesa, pode ser que eles gostem. Em todo o caso há sempre um McDonald’s de recurso à culinária nacional.

quinta-feira, março 01, 2007

Foliões e outros gozões

O país pode estar a encolher geograficamente – com o mar a reclamar pedaços que não fizeram parte dos planos de conquista de D. Afonso Henriques, e lhe tinham sido roubados, muito depois do tempo dos afonsinos, para agricultura de subsistência e vivenda de praia – mas cresce intelectualmente no disparate e cretinice. Nas terras do funcho, onde as flores servem para fazer álcool, e as obras públicas são papo-seco para a classe trabalhadora e marisco para a empreendedora, desenrodilha-se mais um gracioso episódio da novela do Portugal democrático.

O vice-rei da Madeira, depois do Sr. Silva ter promulgado a Lei das Finanças Regionais, acordou um soalheiro dia sem dobrões de ouro no cofre para sustentar a sua paixão por charutos e estradas. Olhou pela janela do palácio, para o galeão fundeado na enseada, e pensou juntar-se ao corsário Jack Sparrow das fitas americanas numas viagenzitas de rapinagem pelas movimentadas águas asiáticas. Se, como narra Jorge Luis Borges na “História universal da infâmia”, a viúva Tching dominou desde o mar Amarelo aos rios da fronteira do Aname, ele, que tinha testículos, subjugaria os mares da Suiça e os lagos de Arrakis (ou Dune – no livro de Frank Herbert ou filme de David Lynch). Mas os Comandos Unificados Norte-Americanos, instalados nos cinco continentes para defender os fracos e oprimidos e destetados da Democracia, dissuadem os piratas não autorizados de abordar as naus transportadoras dos tesoiros que, pela alta carga fiscal, valem a pena roubar – electrónica e tabaco. Por outro lado, os piratas da perna de pau e olho de vidro receiam ser confundidos com cruéis terroristas, pois nesse caso serão abatidos como cães e lançarão o opróbrio no nome da família até ao dia do juízo final. Um futuro mais triste que Herman Melville ao publicar o seu “Moby Dick”, do qual apenas vendeu sete exemplares e lhe garantiu lugar entre os escritores pobres e esquecidos. Na altura da sua morte até o “The New York Times” lhe trocava Herman por Henry. (Nos dias do Império Coca-Cola nem aparecendo um descendente como o frequentador de hotéis Moby, com reconhecido sucesso no hit parade, reabilitará os nomes bin Laden, al-Zawahiri, al-Zarqawi ou John Kerry).

Outra ideia lhe perpassou pela tola. Porque não empenhar algo pessoal? Quando o caminho marítimo para a Índia transportava especiarias para melhorar o sabor da vianda nas cortes europeias o estratagema tinha funcionado. Em 1546, D. João de Castro, aflito para restaurar a fortaleza de Diu, que escaqueirara durante a conquista, revirava céu e terra na eterna procura daquilo com que se compra melões e paga pedreiros. Governador sem recursos transferidos de Lisboa ou saco azul lembrou-se de desenterrar os ossos de seu filho Fernando no intuito de usá-los como garantia num empréstimo. Mas aquelas cálidas terras humedecidas pelas monções estragaram-lhe os planos. O esqueleto estava em tão mau estado que não conseguiria um rei furado por ele. Sem fortuna familiar, só possuía de seu, o corpo e os baratos trapinhos que o envolviam, não tinha outra hipótese. Tinha que empenhar o corpinho. De preferência uma parte destacável. E empenhou as barbas à Câmara de Goa, que espantada pela originalidade, lhe desenrascou os 20 000 pardaus necessários para a empreitada. Infelizmente nos dias de hoje os pêlos, se não for o cabelo de Britney Spears, não têm valor comercial. Os bancos dirigidos por gestores pataqueiros ultrapassaram a fase do cabelo e vão directos ao coro. E além disso ele era desbarbado. Como azemeleiro de um povo com os olhos postos em frente rapava os queixos todas as matinas para moda e estética. Portanto, não havia nada para empenhar a um marajá da Banca.

Podia apertar o cinto. Governar esbanjando menos. Mas uma besta política (no sentido aristotélico) não anda às arrecuas. Não subtrai, adiciona. Mais gastos. Mais impostos. Mais desenvolvimento. Mais progresso. Mais caras felizes. Então, o Alberto João Jardim chofreiro falou mais alto. Deu-lhe um repente e esbodegou o Governo Regional. Com isto espera chatear os badolas de Lisboa. Não me dão dinheiro provoco uma crise. (Embora o cidadão normal não veja onde está a crise. Não haver Governo na Madeira pode interferir com os finais das vindouras telenovelas e outra ficção nacional em geral, dificultando o trabalho dos Manuel Aroucas ou Moita Flores do futuro). Entalo o Governo socialista. Estrago-lhe a imagem seráfica do país. Deita Sócrates os bofes pela boca para abiombar o atraso da pátria com um discurso para Bruxelas ver. São sucessos atrás de sucessos. Este governo tem o toque de Midas. Tudo onde toca medra. As empresas na hora saem melhor que pastel de nata em dia de jogo para a Taça no Restelo. O monstro da Justiça foi trespassado com a espada de S. Jorge da estatística. Peritos e cientistas produzem relatórios mais maravilhosos e correctos que a Bíblia para um evangélico. Um simples homem bem remunerado faz milagres na Direcção-Geral dos Impostos. A burocracia é ferida de morte com o Simplex. A investigação científica vai de vento em popa, ou melhor, pelo seu cariz ultra-avançado, de motor fora de borda em popa…. E agora aparece um responsável autarca com um comportamento de criança mimada para trazer de volta ao mundo a ideia do portuga choramingas. (Quem o esqueceu? Pelos corredores da Europa a pedinchar subsídios).

Em Portugal, com o número crescente de foliões na política, o Carnaval é quando um homem quiser. Que haja eleições todos os dias até nem é mau. Assim com assim saem mais baratas que organizar um corso e dá circo ao povo, e Alberto João sabe como animar um salão (uma rua, um bairro, uma cidade, um país…). O presidente do seu partido, apesar de ser mais chato que o Music For Airports, do minimal repetitivo, Brian Eno, também é maluquinho por uma festarola. No barulho da música foge-lhe o pezinho para a dança. Não há melhor que a festa do voto para clarificar pontos de vista e revigorar políticos. Todos eles sabem que cada acto eleitoral é uma oportunidade perdida para esladroar a árvore da política nacional dos ramos perniciosos e que ganham sempre os mesmos. E a pretensão de marcar a data para 13 de Maio dará o toque providencial que todos os portugueses amam na sua elite.

Por sorte o voto secreto mantém o suspense. Ninguém sabe quem vencerá na Madeira. Faz lembrar aquelas eleições na Câmara de Lisboa para o tacho principal na Sociedade de Reabilitação Urbana da baixa pombalina. Após as últimas eleições autárquicas, apaniguados do presidente e oposição estavam empatados na contagem de votos. Para ter maioria governável, Carmona Rodrigues fez uma coligação com o único CDS no quórum – Maria José Nogueira Pinto. Parecia que a edilidade estava lançada para durar, não mil anos, mas uma legislatura. Eis quando surge a malfada escolha. Terminada a contagem dos votos o nome proposto por Carmona para o cargo perdeu. É difícil calcular quem votou contra.