Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, abril 28, 2007

Coitus continuus

Rever o passado é um exercício de embelezamento interessante no Portugal optimista. A História como “ciência” descritiva (ou interpretativa) dos factos passados é uma mirabolante concepção dos historiadores que, tal como todos os outros “peritos”, têm de justificar a sua existência inventando um “objecto” de estudo. Mas tal coisa não existe. “Facto real” e “facto histórico” são realidades completamente diferentes. O primeiro acontece algures no espaço/tempo (e morre entre as brumas da memória, canta a mocidade portuguesa, nos egrégios estádios de futebol). O segundo é uma elaboração feita sobre o primeiro consoante a paparoca ideológica que o momento exacto que vivemos exige. (A História não existe para elucidar o passado mas para dar um certo sentido ao presente adequado às ambições da classe dominante). No Portugal dos empresários miraculados por gestores milagrentos, propagandeados pela publicidade oficial como capazes de proporcionar ovas de esturjão beluga para todos, é imperativo glorificar o passado para levantar o moral. Quem dá o corpo ao manifesto na produção de riqueza (chamava-se vender a “força de trabalho” noutras ideologias) precisa de acreditar no esplendor de Portugal, que já foi, mas pode voltar a ser, se forem para o trabalho cantando e rindo, em vez de quezilando e reivindicando. Assim serão levados, levados sim, pela voz do patrão de som tremendo. Das turbas, clamor com fim, dependurados no andaime, torres e torres erguendo, para que a riqueza doire o céu de Portugal. Lá vamos, que o sonho é lindo! (Claro que o andaime e as torres são metáforas, para não fugir muito do jolie poema de Mário Beirão do Hino da Mocidade Portuguesa, e abrangem a generalidade da actividade humana assalariada, não quer dizer que Portugal seja um país de cabouqueiros. Na imigração, a passagem pelas obras é uma espécie de ritual de iniciação para o sucesso no estrangeiro).

Dourar a pílula é o mot d’ordre, no sentido deleuziano, da nossa sina contemporânea. A linguagem oficial não descreve o passado mas sim diz-nos como ele deve ser entendido e pensado. A ferramenta mais importante do historiador actual é o Paint Shop para retirar feiosas rugas da tez lusitana, (excepto para José Hermano Saraiva. Ex-historiador amador, reconvertido em agente de viagens, prefere o folheto desdobrável das bonitas e progressivas terras portuguesas). Hoje é vox populi que os barões assinalaram. Que tenha sido a Taprobana, Copacabana, a papa da Joana, pouco importa. O que interessa é a sensação de bafo quente no pescoço provocada pela ufana glória que detrás vem. Se tão poucos, tanto fizeram, nós, que somos mais alguns, conquistaremos o universo, com a breca!

Em Portugal respira-se um ar teúrgico que (saudavelmente) tem toldado a perspectiva dos acontecimentos. Por exemplo, é muito comum elogiar-se o sucesso popular das charlas televisivas de Vitorino Nemésio. Fala-se como se, quando começava o programa “Se bem me lembro”, o povo acorresse aos magotes para frente do televisor para beber tão prodigioso discurso. Nada mais errado. Isso diz-se agora. Naquele tempo, o palanfrório do escritor açoriano, não era entendido pela maioria das pessoas, não pela complexidade dos conceitos manipulados, mas por simples má dicção. Maior sucesso tinha as imitações feitas pelos Parodiantes de Lisboa, essas sim atraíam pessoas para junto do transístor. (Excluindo, os jogos de futebol, a única vez que o país parou em frente do televisor foi durante a transmissão da telenovela “Gabriela, cravo e canela”. No último episódio não se via vivalma nas ruas. Até os deputados da nação fecharam a Assembleia mais cedo para assistir ao empolgante desfecho da coitadinha do Nordeste). Outro ápice histórico retratado com tons sépia (da interpretação ideológica) é a queda do Cessna que transportava Sá Carneiro. Diz-se que uma onda de comoção percorreu o país de lés-a-lés quando Freitas do Amaral, de ar compungido, leu a notícia na RTP. Durante vários dias o povo chorou pelas cebolas do Egipto. Um carismático líder caíra do céu (as senhoras mais beatas acreditaram que ele para lá voltara). As lágrimas vertidas salgaram ainda mais o mar. Os choros incomodaram o sono dos deuses. As lamúrias ecoaram nas pedras da calçada. Enfim, uma tragédia quasi grega. Mas, de facto, grande parte da população festejou o esfanicar do primeiro-ministro nos telhados de Camarate, porque a sua permanência no poleiro prefigurava um ditadorzeco no horizonte. Na época, Sá Carneiro empenhava-se na eleição de um títere (Soares Carneiro) para a Presidência da República. Queria governar à sua maneira. Com certezas de líder esclarecido que sabe o que é melhor para o povo. Não seria igual ao mauzão do Salazar, mas perdemos uma oportunidade para testar que a História se repete. A primeira vez como drama, a segunda como comédia.

Intervalo para coroar mestre Ubu: Fernando Ulrich, presidente do BPI, quilovátio da banca, Roquefort da finança, viripotente marido, pai de truz e mais uma lista de qualidades enaltecidas por Paulo Teixeira Pinto nas reuniões do Conselho de Administração do Millennium bcp durante a falecida OPA. E também conhecido por ser um Tapperware atestado de boas ideias como aquela de baixar os salários (dos trabalhadores, não dos gestores) para espevitar a economia portuguesa. Há meses confidenciou aos jornalistas: “a minha filha levou-me a ver o Casablanca à Gulbenkian, já tinha visto, mas chorei para aí três vezes”. Pelo seu currículo é fácil adivinhar quando. Durante o genérico por não ver o seu nome nos créditos, quando Rick Blaine dispensa ao amor de sempre, Ilsa, os bilhetes de avião para Lisboa sem cobrar comissão e no genérico final, outra vez por não constar o seu nome. Um homem de ferro que chora, “co’os trezentos traques de Júpiter”, eis um bom rei para Portugal. Ubu roi!

Nunca é demais elogiar a iniciativa privada como oirichuva da nossa sociedade. O empresário, um herói sem collants nem capa, resolve problemas, ao contrário do gestor público que se limita a vadiar de carro de luxo. Só nos apoquentamos com a nossa precária situação porque não há coragem para ir até ao fim e privatizar tudo. Parafraseando um dichote popular “no privado é um descanso”. Se as esquadras fossem privatizadas erradicava-se o crime num estalar de dedos. Um patrão motivado para rentabilizar o seu investimento reduzia logo os custos do acto policial pondo os polícias a pagarem as balas e os tinteiros do computador. E, como os criminosos davam lucro, nem os “sei que pareço um ladrão” escapariam ao zelo do polícia privado. Outra área que beneficiaria das indiscutíveis vantagens do empreedorismo é obviamente a Justiça. Processos a engonhar anos a fio nos tribunais teriam os dias contados se os juízes trabalhassem à peça. Um empresário nas rédeas – após passagem pelo banco dos réus – aumentaria a produtividade com o seu know-how estabelecendo objectivos a cumprir, colmatando as deficiências das faculdades de Direito, que ensinam a folhear Códigos, mas não a trabalhar. E, por fim, quiçá, a área com mais impacto social porque a população portuguesa não vai para nova – a santa saúdinha. Privatizar os hospitais teria uma consequência imediata. Acabava com as mortes por doença. Continuaríamos a morrer mas saudáveis. Os privados são bons, mas não tão bons como Deus para alterarem o dia de entrada no cemitério. Tivemos esta semana uma lição de eficiência de ponta na Saúde quando Eusébio foi pagar 600 €, por dia, nos cuidados intensivos do Hospital da Luz. Recém-inaugurado com pompa e circunstância e Presidente da República e ministro, esta doença do mito da bola foi uma sorte para o marketing da instalação hospitalar, e para nós que observamos embasbacados máquinas de maravilhar, corredores não atravancados de macas e doentes felizes. O Director clínico José Roquette, com um especialista a tiracolo, respeitava a pontualidade que os telejornais antes exigiam aos políticos. Oito horas em ponto lá estavam eles a botar uma espécie de boletim clínico para sossegar o people. Assim, graças à eficácia da medicina privada ficamos a saber que as artérias que irrigam o cérebro do “pantera negra” estão entupidas e… mais espantoso ainda, que Eusébio tem cérebro.

Vivemos num bacanal contínuo. Quem não se organiza corre o risco de dançar o Vira-Vira dos Mamonas Assassinas (“roda, roda e vira, solta a roda e vem/me passaram a mão na bunda e ainda não comi ninguém”). Numa época onde as pessoas se dividem em, fumadores e fumadores passivos, mais vale preparar-se para uma cigarrada depois de uma barrigada de prazer, do que carpir mágoas no último degrau da escala social. Sigamos o modelo Eduardo Catroga. Ex-ministro das Finanças com obra feita (obra é obra, mesmo má), ganha uma pensão de 9 693 euros, mas não se coíbe de açambarcar tachos e mandar o seu bitaque sobre economia. Ou, então imitemos Joe Berardo que se recenseou e vai votar pela primeira vez na vida para ajudar um amigo de negócios. É bonito de ver. Um homem cumpre o seu dever cívico enquanto ajuda outro homem.

E, por fim, a luminosa ideia da EDP de adicionar 91 cêntimos na conta, durante os próximos dez anos, para reduzir o dito “défice tarifário acumulado”, encaixa como uma luva no coitus continuus do nosso admirável quotidiano novo. Dará satisfação (sexual, no sentido freudiano) por muitos e muitos anos. Quando decorrer o período para saldar o tal défice vão reparar numa coisa assaz bizarra. Entretanto, foram acumulados outros prejuízos, porque não está prevista a vinda a Portugal de uma fadinha com a sua varinha de condão para transformar abóboras em gestores. Daqui a dez anos os clientes da EDP (nessa altura pronunciado em espanhol) terão de pagar mais 91 euros, em cada factura, para tapar outro défice e assim sucessivamente. (Ah... já me esquecia. Os lucros continuarão astronómicos, valha-nos isso).

domingo, abril 22, 2007

Os radares de Lisboa

Carmona Rodrigues sabe-a toda. Esperto que nem um alho equilibra as finanças da cidade, nas partes baixas lavada pelo Tejo, com um expediente tão velho como o tempo. Quando os governantes vêem o fundo do cofre vão roubar para a estrada. (Um cofre vazio é como uma rainha sem óvulos, um primogénito sem neurónios, um castelo sem muralhas, um javali mal-asado. Um verdadeiro terror para os donos da terra). O edil de Lisboa, avassalado pelas contas para pagar ao grupo do betão, por obras passadas, e ávido de deixar a sua marca na paisagem, zurziu a cachimónia por soluções. Uma cidade onde a Europa vinha comprar especiarias ao preço da uva mijona e nós trincávamos tremoços, acompanhando a imperial, salgados no alguidar sem os higiénicos critérios de asseio da EU, não lhe fica bem qualquer trapicalho para confeccionar o seu centão urbano. Carece do melhor (e caro), como a estação do Oriente, desenhada pelo Santiago Calatrava, que, a olho nu, parece uma casa de banho com canalização exterior, mas com boa vontade engole-se como a nova traça de Lisboa (mesmo não tendo parapeitos para pôr o manjerico. Somos modernos. Aceitamos que as coisas mudam. Em termos de mensagens, mais ou menos namoradeiras, mais ou menos poéticas, o telemóvel substituiu há muito o manjerico. Se houvesse telemóveis com cheiro a manjerico para enviar SMS durante os santos populares seria perfeito. Seria mais um feliz exemplo de como tradição e evolução tecnológica podem coexistir).

Uma referência para qualquer governante à rasca de massa é o xerife de Nottingham. Quando não há dinheiro, há sempre povo, por mais doente que esteja a economia, com algum no bolso que pode ser extorquido. Um método empírico de avaliação da robustez de uma economia consiste em fazer o ratio entre o ordenado mínimo e preço da queca na rua. (Nas casas de luxo, com valores rondando os 500 €, é outra conversa. Serve para analisar índices macroeconómicos. Mas ao nível da economia doméstica, por exemplo, ficamos a saber que o Zimbabué estava mau como o caraças quando as prostitutas, para não encarecer a sua mercadoria, começaram a lavar os preservativos para reutilização). Carmona, após verificar uns míseros 15 € (média) pelo serviço normal, sem esquisitices, nas ruas de Lisboa, concluiu que os lisboetas não estão no limiar da pobreza. Havia margem para taxar, e como já ninguém se faz transportar de burro, atirou-se aos carros. A EMEL ganhou carta branca para caçar multas e a CML instalou uns radares nas ruas que darão tanto dinheiro como o selo electrónico para e-mails (ideia de Bill Gates, filantropo reputado, quer outros tão ricos como ele e não rejeita que lhe toque mais algum). Lisboa terá bago para construir os seus fontanários do século XXI, ou seja, as piscinas, as rotundas, os teatros, os centros culturais etc. e não devemos esquecer as igrejas. Os bentos Srs. padres têm barafustado, com carradas de razão, que os poderes públicos não os ajudam nesta sagrada missão de uma rua, uma igreja. Até um doente percebe que o país precisa de igrejas e não de hospitais. A cura espiritual é para todo o sempre, a corpórea, fugaz como o VHS.

O povo que abrandou os costumes é sereno. Não veremos exasperados automobilistas arrancando cabelos ou aos tiros como se estivessem num campus universitário americano. Na terra do tio Sam e da cabana do pai Tomás não compreenderam a mensagem do rei do hip-hop, Grandmaster Flash, “don’t push me ‘cos I’m close to the edge/I’m trying not to loose my head” e forçaram um pacato estudante de Inglês (uma língua inócua, alguns dizem-na benfazeja) a gastar 420 € numa Glock 9 mm e expressar-se de forma extrema contra os colegas que o acossavam. Dentro dos limites estritos da meritologia Cho Seung-Hui cumpriu o seu dever na sociedade americana. Superou os que lhe antecederam, sobretudo o marco histórico (13 mortos) de Eric Harris e Dylan Klebold no liceu de Columbine. Nem se compara a Bill Phillips, que dias depois no Edifício 44, do Centro Espacial Johnson da NASA, em Houston, Texas, matou um, feriu outro e amordaçou (mal) Fran Crenshaw que se libertou e avisou a polícia. Estes ajustes de contas american way, os beirais de Lisboa nunca os verão, por mais impostos e multas chovam sobre os utentes da cidade, (que são mais do estilo “barafusta enquanto paga mas depois ‘tá tudo bem”). A via americana é melhor cinematograficamente falando. Lisboa tem, no máximo, direito a um filme de Carlos Saura sobre o fado, enquanto que Blacksburg, Virginia, terá uma epopeia atafulhada de heróis. Nobres professores que se atiram contra as balas para salvar os seus pupilos, alunos nos entrenós do medo lembram-se de barricar as portas da sala de aula, alunas de joelhos rezam pela intervenção divina, funcionários estancam o sangue e fazem respiração boca a boca, polícias “robocopizados”, “dirtyharrizados”, “csizados” save the day… a América vive noutra época.

Nascido fora de tempo. Ele gostaria de ter sido um ditador (esclarecido, diferente daquele mau como as cobras do Salazar). Dizia quando comia bolo-rei para não confraternizar com jornalistas: “nunca me engano e raramente tenho dúvidas”. Benzido pela igreja e pelo civil. Mais premiado que uma vaca barrosã levou para casa os prémios Carl Bertelsmann e Joseph Bech, a medalha Robert Schuman e o Freedom Prize. Embelezado com doutoramentos honoris causa pelas Universidades de York (Reino Unido) e La Coruña. Seleccionado para membro da Real Academia de Ciências Morais e Políticas de Espanha, do Clube de Madrid para a Transição e Consolidação Democrática e da Global Leadership Foundation. Sensível como uma mariposa, quando chegou ao poleiro-mor atulhou os nossos ouvidos com esta suave melodia: “os portugueses exigem realizações concretas. E o Presidente da República acompanha-os nessa exigência de resultados. Compreendo os sentimentos daqueles que se têm mostrado insatisfeitos e querem um país melhor. Partilho dessa insatisfação, quero um Portugal melhor, e, por isso, serei também exigente quanto aos resultados. Só assim poderemos compreender e aceitar que os sacrifícios do presente são essenciais para preparar um futuro melhor”. Hoje, pouco mudou a sua lábia de iluminado. Há dias vaticinava para não se fazer o referendo sobre o Tratado Constitucional (a botija de água quente da Europa). Não se deve fazer perguntas ao povo quando temos elites esclarecidas. As respostas só atrapalham (como o “não” francês e holandês bem provam). Consultas populares apenas fazem sentido nos inquéritos dos telejornais ou nas chamadas de valor acrescentado para concursos de TV, porque impulsionam os (magros) lucros das empresas de telecomunicações.

Os políticos da União Europeia dançam o cotilhão. De vez em quando interrompem o baile de bem governar para premiar os contribuintes com enlaçados presentes. E como bons legisladores isso significa criminalizar um comportamento qualquer. Nesta semana tiveram outra boa ideia (de inspiração teutónica) para mais um crime: “negação do holocausto”. É uma ideia estapafúrdia mas com pernas para andar. Toda a História deveria ser imposta por lei. Não é aceitável permitir negações sobre os efeitos positivos de Hernán Cortés na América Latina, do Enola Gay no Japão e da virgindade de Maria no mundo em geral; hesitações sobre as capacidades intelectuais de Wbush, as certezas de Tony Blair e o pragmatismo de Durão Barroso; ou afirmações como “o véu islâmico é um símbolo totalitário”, o Paulo Portas é um “ovo Kinder” ou um milhão iraquianos não morreu por uma boa causa. Pelo menos, em Portugal, os que eventualmente possam negar o holocausto têm-se revelado muito úteis. Os nossos skins são óptimos para abortar manifestações da bófia. Chegam os “cabeças rapadas”, os sindicalistas ficam atarantados e os polícias contestantes desmobilizam. E percebe-se porquê. Ambos os grupos circulam na lógica da violência, mas a Polícia pratica uma “boa violência”, amiga do Estado e do cidadão, enquanto que os skinheads escolheram a “má violência” que produz equimoses gratuitas e sem sentido. (O corpo que apanha não sente a diferença mas a mente que analisa sabe-o intuitivamente como a “realidade verdadeira” de Bergson). Por outro lado, um skin quando não está na claque a defender as cores do clube do coração é um bom rapaz, e por debaixo da supremacia branca, se calhar até tem um disco do Vanilla Ice ou da Fergie, o que faz dele um “bolicao” (calão policial para designar um rapazola branco vivendo num bairro de maioria negra. Para se integrar adopta os trejeitos, a cultura, fala em rimas e com a mão em scratch, come cachupa e vive a street. Resumindo é como um Bollycao, branco por fora, preto por dentro). E, para não destoar, Lisboa emitirá ondas electromagnéticas ultracurtas na esperança de detectar condutores aceleras e encher os cofres. É pena que não detecte também um pouco de decência para encher os politicões que nos calharam na rifa.

quarta-feira, abril 18, 2007

Falta de oó

Outros países têm mestres pensadores, nós, temos mestres cozinheiros, que se reuniram no dilúculo do século XXI para escabechar a pátria de Henrique Sá Pessoa, (nosso premiado cozinheiro, numa explicação simples, ele faz com tachos e panelas o que Cristianão Ronaldão faz com as bolas), e, pelo sabor ácido, abusam do vinagre que tresanda. Foi de partir o coração ver o alto líder da oposição, muito para além do seu bedtime, em frente de um nu microfone, não maior que um taco de golfe, desgabar as explicações de Sócrates sobre o seu tormentoso percurso académico. Se, os esclarecimentos do primeiro-ministro, não interessam ao menino Jesus, os comentários de Marques Mendes fazem chorar um Cristo.

Quem vive no Portugal real, e não no reino da fantasia da Barbie Rapunzel, não se pasma que um certificado vagueie um ano pelas secretarias antes de chegar ao requerente, ou que conste na Assembleia da República dois registos biográficos diferentes, ou que estes contenham rasuras. Não lamuria como um Octávio Machado, (inventor do famoso “sistema”, popularizado por Dias da Cunha), sobre uma viciosa maquinação no subterrâneo do poder instituído (que poderá ser o dele, se a maré das eleições lhe tocarem a praia). Não pensa que vem aí um crime sem solução como os clássicos, quem matou Bambi? quem tramou Roger Rabbit? ou quem penteia Herman José? para clamar aos céus por entidades independentes de investigação. Um português normal, no Portugal normal, sabe que dois certificados, notas diferentes, erros nas datas, equivalências mal alinhavadas, são mais normais que a sandes de paio ou o iPod. O país nunca foi simplex, mas também não quer dizer que seja complicadex, antes, funciona na área do patetex, gerido por burocratas trapalhões. (Para aqueles com sentido de humor, entrar numa repartição dedicada à papelocracia, é como participar num filme dos Três Estarolas. Quanto aos que não acham graça, nem na factura da EDP, após consultarem os lucros da empresa durante a bica escaldada da manhã, devem sentir-se num livro de Franz Kafka, encadernado a pele de carneiro, e ilustrado por Frank Miller).

Pôr o país de escabeche, para que não se estrague e dure mais, não custa muito. Temos uma longa tradição histórica na política e nos meios académicos. Ó os meios académicos, ninguém lhes pode fugir, como se dissessem com Fernando Pessoa, “não haver um deus é um deus também”. De que serve não frequentar uma universidade, se toda a nossa vida será aporrinhada por um licenciado em qualquer coisa (como se vivêssemos num telenovela mexicana). Desde os lentes de Condeixa ao desovar de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, aquela instituição faz-nos dar razão ao Vasco Santana, no filme “A canção de Lisboa”, em preferir namoriscar a filha do alfaiate e cantar fado do que ir às aulas. (Marcelo é sobejamente conhecido como a sombra longa - do fim da tarde - de Marques Mendes, e tarameleiro profissional. “Os lentes de Condeixa” é um educativo episódio da História. D. Miguel chega do exílio, na Áustria, para assumir o cargo de regente do reino e casar com D. Maria da Glória, sua sobrinha de nove anos, conforme acordara com o irmão D. Pedro, primeiro imperador do Brasil e legitimo rei de Portugal, que, deslumbrado pela bunda e desbunda brasileira, abdicara em favor da filha. Em Coimbra houve festa. O reitor manda um lente de cada faculdade - seis no total - louvar D. Miguel. Dois deles, partiram atrasados, e foram assassinados por uma seita de estudantes auto-intitulada “divodignos”, quando chegou de Lisboa a notícia de que D. Miguel dissolvera as Cortes e acabara com a monarquia constitucional. O crime não ficou sem castigo. Por sorte, uma mulherzita, a Mariana, testemunhara este hediondo acto de degolar intelectuais e chamou a soldadesca). Como uma praga bíblica que não se consegue exterminar, como que saídos do lugar onde o diabo guardava os frades no “Decameron”, de Boccaccio, “peritos” e “especialistas” são despejados pelas universidades nas águas turvas do país.

Hoje vivemos na época supersónica. Contada ao segundo. Trinta segundos chegam para engatar uma rapariga toldada pelos shots. Trinta segundos bastam para entregar a declaração do IRS pela Net. Trinta segundos é o tempo que demora a derreter 210 metros cúbicos de gelo polar ou a libertar 34,8 toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Um segundo apenas é suficiente para confirmar o luso crédito de pedigolho da Europa. Se não vejamos. A sala do Senado, na Assembleia da República, engalanou-se para receber a visita de Durão Barroso vangloriando-se (no bom sentido) de ser um pedinchão, mas com argumentos. Segundo este nosso orgulho nacional não teria sido possível Portugal pôr a mão nos fundos comunitários de 21,5 mil milhões de euros, (que irão pingar até 2013), se ele não fosse um convicto defensor da coesão. Coveiro da Europa para a campanha de Ségolène Royal, paioleiro para nós, fornecendo-nos foguetes e bichas-de-rabear quase de borla para continuarmos a festa por mais uns anos. José Manuel é excelente produto dos meios académicos que não diz, como o insigne grupo punk, Mata Ratos, “estou-me a cagar” para os que vivem trancados nos ordenados auferidos no país. Ele é um exemplo das teorias da transpiração (segundo as quais os portugueses suam as estopinhas no trabalho excelente e competente). Ele não é um atabalhoado burocrata com um invejável tacho. “Durau”, como lhe chamam os políticos mais próximos, é um agudíssimo operário da ópera europeia que não dorme em serviço. Num piscar de olhos (50 milésimos de segundo) tem soluções sobre a mesa.

Custa a crer que Durão Barroso transporte em si os genes disponíveis actualmente em Portugal. Como sabem os mais atentos este material não têm combinado muito bem nos últimos tempos (excepto para produzir a Carla Matadinho). Não tem criado os dinâmicos trabalhadores que dizem a economia necessita para crescer. O Governo culpou a baixa escolaridade. No ensino estaria o Viagra para robustecer as nossas capacidades intelectuais. Tomando como exemplo a ex-União Soviética que tem fornecido mão-de-obra qualificada à Europa – empregadas de limpeza com curso de Psicologia e trolhas com o de Medicina – foi lançada a campanha “Novas Oportunidades”. Numa série de anúncios bem bolados vemos o hipotético futuro de alguns dos nossos benquistos heróis caso não tivessem estudado. Maria Gambina iria passar a ferro numa lavandaria. Carlos Queirós varreria estádios de futebol. Judite de Sousa venderia livros sem os saber ler. Que triste sina! Mesmo sem mostrarem os diplomas (para confirmar) destas figuras ficamos aterrorizados. Qual seria o futuro de Zezé Camarinha se soubesse falar inglês? Por certo um CEO de uma empresa de casa & jardim e não usaria a expressão “put-a-cream” para engatar “camones”.

Esta febre da qualificação através do ensino dará frutos para além da nossa imaginação. Num futuro breve julgaremos ter entrado na “Quinta Dimensão”. Seremos capazes de ler a Nova Gente de fio a pavio. As universidades chamarão “revelações bombásticas” à taralhoquice que se vive nas secretarias. Nas repartições ouvir-se-ão cordiais frases como “passe por cá amanhã para falar com o funcionário encarregado do caso” ou “os seus documentos foram extraviados, peça uma segunda via”. E, graças ao conhecimento informático, poderão dar explicações exactíssimas sobre os (poucos) enganos que eventualmente surjam: “foi um erro informático mas já alertamos o técnico”. Se o nosso sistema de ensino se apropinquar do americano (deve ser o melhor porque toda a gente morre para o frequentar), o quinto dos portugueses que vive no limiar da pobreza compreenderá melhor a sua situação, através de científicos conceitos da Sociologia ou da Economia Política. E todos nós ficaremos a saber que Marques Mendes, e os outros figurões que, de uma maneira ou de outra, seguram no leme do país, não estão com falta de um sono reparador. Falta-lhes somente a qualificação. Mas graças ao ensino a música está a mudar. Tarapantão, tarapantão toca o tambor do futuro!

quarta-feira, abril 11, 2007

O burrinho da Páscoa

O chato coelhinho da Páscoa está em rota para o caixote de lixo da História tal como o passe-vite, as ceroulas, o GSM (Global System for Mobile Communications) ou o Windows XP. O seu comercial saltitar por ruas e montes desaparecerá da paisagem. Os seus calóricos ovos de chocolate, amigos dos corações carentes e inimigos das ilhotas de Langerhans (no pâncreas), ocos com ar ou preenchidos com espantável prenda, serão substituídos por opalescentes “objectos culturais”. Imateriais, é certo, mas elevadores do espírito, escadas da alma, monta-cargas do intelecto para o ponto de rebuçado da Humanidade finalmente civilizada. Uma civilização que conhece o vero sentido de Democracia e Liberdade – segundo intelectuais escorropicha-galhetas conceitos (e proveito) vindos para o Velho Continente pela mão das “raízes cristãs” da Europa – apenas precisa de circo para esfuracar o futuro. Os países desenvolvidos necessitam identidade e valores na carola e não pão e manteiga no bandulho. (Não por acaso paira no ar a ideia de que o Governo quer organizar uma Expo e um Euro de dez em dez anos. Este produto de toda aquela actividade mental que António Damásio afiança acontecer no cérebro peca por defeito. Deveríamos disparar alto e almejar um ano com Euro outro com Expo. Portugal passaria de jardim à beira-mar plantado para psiché do turismo europeu. E as empresas de cerveja garantiriam a reforma dourada dos accionistas).

Os burrinhos têm uma vantagem sobre os coelhinhos para além de não porem ovos de chocolate. Bostam muito mais. Que os coloca na posição da frente para principal metáfora de uma época deficitária em adubo natural. Os burrinhos da Páscoa, tal como os voos da TAP, dividem-se em nacionais e internacionais. Os nossos, como não podia deixar de ser, são do melhor que se faz no mundo livre, e surgem pela mão do jornalismo de fino recorte praticado nos nossos “media”. (Quem não vibra com títulos de primeira página como “vamos ver as maminhas de Ana Rocha todos os dias”, para significar a estreia da pretérita telenovela da Sic, “Jura”, que continha no genérico as tetas da referida actriz? Só um degenerado, que confina o seu horizonte erótico-cultural ao Jornal de Letras, não vê a profundidade literária do eufemismo “maminhas”). Quando não havia cursos superiores de Jornalismo, um efebo, recém-chegado da província, aprendia nas mesas da Brasileira do Chiado, os truques de escrevinhar uma notícia. Agora, abancado nos iluminados anfiteatros das universidades, sorve sabedoria de reputados mestres que ensinam a importância de clicar no “contar palavras” (para que a loquacidade não meta a Bestega no Rossio). E o resultado está à vista. Este jornalismo diplomado matou a tradição do primeiro de Abril. No dia das petas os croniqueiros inventavam uma notícia falsa, com montes de laracha, mas de tal forma plausível que passava desapercebida entre as outras. Os leitores divertiam-se em descobri-la. Actualmente, todas as notícias parecem petarolas de primeiro de Abril, com a diferença que nem se dão ao trabalho do desmentido no dia seguinte.

Os nossos periodistas salivam como cães de Pavlov com o folhetim da Universidade Independente. As televisões focaram os zooms na fachada e corredores. Vimos belas cenas. No top das melhores está aquela de alunos de fato e gravata aos pontapés à porta da reitoria. Se calhar eram alunos de Direito, que não sabem em quantos crimes distintos incorrem e, ainda por cima, com provas irrefutáveis, porque se deixaram filmar. Isto vem provar que os estudantes universitários são… tipo alunos de liceu, apenas mais idiotas. (O hábito de esborratar as caras dos caloiros no início dos anos lectivos, que justificam com a tradição da praxe, fazia desconfiar que, massa cinzenta nas universidades, só nas paredes daquelas com desenho mais futurista). Mas o pudim boca doce chega com a licenciatura de Sócrates na universidade de todas as notícias. Aqui del’rei exclamam todos! O primeiro-ministro não ia às aulas. Os colegas não se lembram dele. Fez cinco cadeiras. Uma leccionada pelo ex-reitor Luiz Arouca, as outras quatro pelo famigerado Dr. António José Morais, (um chico-esperto capaz de reger quatro ou quatrocentas cátedras nas calmas). Mariano Gago, ministro do Ensino Superior, tece um rasgado elogio sobre a UnI, que funcionou de forma excelente até dar “misteriosamente” (para os padrões científicos de Gago) com os burros na água, e no fim decreta o seu encerramento e, como bónus, gaguejou umas explicações sobre a licenciatura de Sócrates. O caçador Miguel Sousa Tavares pede que se sele a instituição como um túmulo e se chame uma Maria José Morgado, (o que temos de mais semelhante a uma Lara Croft magistrática, uma tomb raider dona do “olho que vê tudo”, uma acrobática lutadora das forças do Bem). Entretanto, Pinto Monteiro, o isento Procurador-Geral da República, acha que não há motivo para investigar o diploma de Sócrates. Tal empreitada implicaria investigar todas as outras e, como diz o outro, “iiissooo é cá uma trabalheira”. É uma ladainha que não tem fim mas ninguém se lembrou do mais importante. As universidades servem apenas para passar o papel de secretaria atestando o grau académico depois a malta desenrasca-se. Ir às aulas? É pura perda de tempo. Qualidade pedagógica dos docentes? Vou ali e já venho. Algumas dessas instituições são melhores do que outras, porque o seu papelinho tem mais valor no mercado de trabalho, não que lá se aprenda mais.

O cartaz do Partido Nacional Renovador, no Marquês de Pombal, levantou um coro de protestos dos couraçados e porta-aviões defensores da Liberdade, mas o mais engraçado veio da Assembleia da República. Antes, apelidada como “saco dos lacraus”, hoje podemos chamá-la com propriedade, “caixa do pó-de-arroz”, pelo que lá se produz quando não está de férias (ou mini-férias). Os deputados, que não perdem uma oportunidade para não fazer pevide, parlamentaram durante horas sobre o incomodativo cartaz, que ninguém notaria não fosse a atenção jornalística sempre alerta. Manuel Alegre jazendo jus ao seu sósia no Contra Informação não se calou. Os outros condenaram. Não deixa de ser curiosa esta azáfama parlamentar paga pelo dinheiro do contribuinte. “Basta de imigração”, lia-se no cartaz. Enfim… quem frequenta as casas de alterne sabe que o Estado não tem feito outra coisa senão perseguir os emigrantes (do sexo feminino, no maior desrespeito pelas últimas casas de cultura da país, onde Carolina Salgado manteve a quase-virgindade, bebendo chás e sumos de frutas, até conhecer um senhor bem posto na vida). “Façam boa viagem”, desejava a mensagem do PNR. Os presos nos centros de detenção de emigrantes ilegais nem a isso têm direito quando são despejados no avião. “Nacionalismo é solução”, terminava o cartaz. Talvez aqui esteja a origem da controvérsia. Toda a gente sabe que só podemos ser nacionalistas quando joga a equipa de Scolarão, vamos a Fátima ou ouvimos fado. Fora disso é negro fascismo. Não posso deixar de encontrar mais humor no cartaz do PNR, do que no contra-ataque do Gato Fedorento, pela ironia que comporta. No fundo, os “renovadores” defendem uma política que todos os Estados europeus adoptaram mas se recusam a assumir frontalmente (que o emigrante é importante para fazer baixar os salários mas que se torna um empecilho em tempos de recessão económica e, nessa altura, é preciso correr com ele).

Os burrinhos internacionais chamam-se “donkeys” ou “asses”. E tivemos um bom exemplo deles com a “crise” provocada pela detenção de quinze marinheiros britânicos nas águas do Golfo Pérsico pelos iraquianos. Como consequência digladiaram dois monstros da política mundial – Tony Blair e Mahmoud Ahmadinejad. Com imagens de satélite, GPS e depoimentos de agentes secretos provavam duas realidades contrárias: que os marinheiros estavam dentro e fora das águas territoriais do Iraque. Quem não percebe nada de física quântica para aceitar as duas posições, digamos… do electrão, como verdadeira, opta pela de Tony Blair. Desde a rainha da Inglaterra até aos cães do inferno sabem que este político não mente. É um dirigente com asinhas de anjinho para o qual temos uma dívida de gratidão. Foi ele que confidenciou a Durão Barroso onde estavam as armas de destruição maciça de Saddam Hussein (segredo que José Manuel levou para Bruxelas). Graças a Tony Blair os mísseis terra-ar-água-fogo iraquianos não rebentaram sobre as cabeças. Que god o salve! Depois de solucionada a “crise” vieram as conferências de imprensa. Os marinheiros traziam escrito em folhas A4 os seus depoimentos e leram como se fosse uma didascálica de uma peça escrita pelo Ministério da Defesa. Acusaram os iraquianos de “stress psicológico constante”, talvez por terem ficado privados de notícias sobre David Beckman e Posh ou das vitórias do José Mourinho’s Chelsea. Temos que ser solidários com estas agruras vivida na Pérsia, mas vale a pena recordar que mesmo assim tiveram muita sorte. Se tivessem sido presos pelos americanos seria muito pior. Não teriam CDs e outras bugigangas para mostrar aos familiares e amigos mas mazelas internas para queixar ao médico.

Finalmente uma boa notícia. Keith Richards, numa entrevista ao New Musical Express, disse que snifara as cinzas do pai misturadas com cocaína. No dia seguinte veio desmentir afirmando que brincara quando lhe perguntaram qual fora a coisa mais estranha que fizera relacionada com drogas. Mas inadvertidamente o guitarrista dos Rolling Stones deu uma solução para proteger o ambiente. Uma das fontes de poluição é o enterro dos mortos. Aquilo é uma porcaria cheia de micróbios por mais hermético que seja o caixão. Ora, se fossem cremados e snifados, seria mais higiénico. Em vez de sepultar os mortos poluindo os solos, travando a construção imobiliária, impedindo o progesso rodoviário, o pai ficaria dentro do filho, o filho dentro do neto, o neto dentro do bisneto e assim sucessivamente… o enterro da Humanidade seria como as matrioskas russas.