Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quarta-feira, maio 30, 2007

Alice mora aqui

Alice, antes do tombo no País das Maravilhas, estava sentada à beira-rio vadiando, qual (des-empregado) Santana Lopes após os safanões na incubadora, acalorada demais para se levantar e fazer uma grinalda de margaridas. Vezes sem conta olhara para o livro que sua irmã estava a ler. Não tinha gravuras nem diálogos. “Mas para que é que serve um livro sem desenhos nem conversas?” – pensava ela para as rendas do seu vestido. (Coitada vivia numa época anterior ao Plano Nacional de Leitura para ter consciência de que, até ler o pacote de leite, é importante para somar ligações sinápticas e conseguir emprego numa fábrica). Ela pertencia ao novo tipo de criancinhas que evoluíram do homo sapiens para o homo videns e que escoariam a existência em frente da caixa que atontou o mundo. Seriam sortudas, pois poderiam “ver” Paulo Portas a sofismar: “na vida, como na política, quando um partido se porta bem deve ser premiado, quando se porta mal deve ser penalizado”. Mas também aprenderiam que há excepções, como o Yogi Bear, ou nós próprios. Yogi é mais esperto que o urso médio, tem um grande amigo chamado Booboo e vive no Jellystone Park. As suas tramóias para ficar com as cestas de piquenique resultam sempre e o Ranger Smith não consegue atirá-lo na cadeia. Paulo Portas tem rores de amigos (identificáveis porque, tal como ele, repetem muitas vezes “oiça” e “deixe-me dizer-lhe uma coisa”). Vive no Kindergarten Portugal e a sua “ursidade” é igualmente superior à média. Depois de resolver o problema dos trabalhadores da Bombardier, como ministro da Defesa, empantufado de presidente do CDS apresentou o seu Booboo, Telmo Correia, às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. E, mais ainda, as suas artimanhas para surripiar a presidência do CDS não falham, e o eleitorado dos valores não se livra dele nem para fugir ao enxofre do inferno.

O Coelho Branco, de olhos cor-de-rosa, passa por Alice a correr gritando: “valha-me Deus! Vou chegar muito atrasado!”. Não era uma coisa assim tão notável um coelho falar. Ela vira um notável coelho do aparelho socialista, chamado Jorge, gritar num bom estilo Goebbels, “o partido precisa da Bárbara”, na candidatura de Manuel Maria Carrilho à Câmara de Lisboa. (Só “estilo”, porque ele é bom, apenas empolgado gesticula muito e faz lembrar o nefasto ministro da Propaganda nazi). Nem correr era algo extraordinário. José Sócrates não dispensa o seu jogging nas terras que visita. Durante a sua estada em Moscovo fecharam a praça Vermelha para a indispensável corridinha matinal. É difícil de acreditar nesta informação jornalística pois aquela praça não é propriamente o Rossio. É um pouco maior. E, como os moscovitas não vêem a RTP internacional, um tipo em calções e sapatilhas passa desapercebido. Mas os figurões na peanha social têm outra forma de funcionar. Têm tiques estranhos. João Paulo II quando descia do avião punha-se de rabo para o céu para beijar o chão do aeroporto. Alice não percebia a razão de tão embaraçosa posição. Na catequese lhe ensinaram que Deus é omnipresente. Sabendo o significado da palavra concluíra que Deus lhe poderia ver o rabo de qualquer ângulo. Nunca lhe passou pela cabeça que ele, riquíssimo como poucos na Terra, quisesse beijar uma chão sujo de borracha e óleo. Coisas estranhas há no mundo. Alice notara que há mais chapéus que cabeças. “Mas para onde iria um chapéu sem cabeça?” – pensava ela. Talvez a uma loja comprar uma cabeça. Mas ela nunca vira semelhante loja. Vira uma chapelaria, na sua cidade, jamais uma cabeçaria. Ou seriam exportados para países com mais cabeças que chapéus. Isso seria lógico. Ela não sabia, mas um senhor chamado Gilles Deleuze, em França, se entreteria a esgravatar as suas aventuras à cata de paradoxos do sentido. Gilles acordava cedo para apanhar a primeira minhoca e descobriu que “sentido” e “sem sentido” se confundem no outro lado do espelho. Por isso, se explica que no outro lado do mundo, em Timor-Leste, em Baucau, segunda cidade do país, nas últimas eleições, o número de votos nas urnas ultrapassasse, em cinco vezes, o número de eleitores inscritos.

O relógio e o colete atraíram a atenção de Alice. Ela conhecia coelho esfolado na caçarola, que parecia gato, mas nunca tinha visto um vestido. “Um vestido é coisa de raparigas”, disse em voz alta, ou pelo menos lhe pareceu, no entanto sua irmã nada disse. Alice levantou-se como uma mola e desatou a correr atrás do láparo e cai num poço profundíssimo. A queda não tem fim. Enquanto ia caindo, lembrou-se que gostaria de ter uma actividade política e cair assim, com tempo para cumprir o mandato, mas na sua cidade a lei da paridade só se aplicava aos casamentos. Ela olha para as paredes do túnel, suspeitou que tivesse sido feito por algum marquês, estavam cheias de armários com as pratas da família, retratos de avoengos e prateleiras. Retira de uma delas, à direita, um frasco de compota de laranja. Não estava vazio como esperava. Lá dentro um senhor liliputiano, de óculos, aconselhava o Partido para se “deixar de ruídos internos e a virar-se lá para fora”, incomodava-o que as pessoas dissessem: “se eles não se entendem, como é que a gente há-de confiar neles”. Achou-o um picuinhas, preocupado com a bisbilhotice dos outros, mas que não crescia para sair fora do frasco. Enroscou a tampa e voltou a pô-lo na prateleira. “Em 2009 vão ver” – gritava o nanico. Alice não fez caso. Não sabia contar tão alto. E, de qualquer maneira, via agora, não precisava de esperar por 2009 para ver. Do nada surge-lhe a lembrança de Dinah, a sua gata, e disse: “esperemos que não se esqueçam de lhe dar o pires de leite, à hora do chá…”. Não foi bem do nada que apareceu esta recordação. Foi de algo. O homenzito falava para o Partido. E se está partido há sempre leite derramado. Ou, então, ela viu uma foto de Manuela Ferreira Leite, com a legenda “ministra das Finanças excelsa”, dependurada na parede do túnel sem fim e, como leite era a única palavra que conhecia naquela algaraviada, associou-a com a gata.

Alice tinha aprendido muitas coisas na escola. A ler, escrever e contar. Todavia estava autorizada a dar erros ortográficos em português, porque era inglesa, e fazia provas de aferição para passar o tempo. Neste trambolhão bem que ela precisava de um entretenimento. O chão tardava em chegar e Alice aborrecia-se imenso. Se ao menos tivesse, durante a descida, um piquete da greve geral, ou parcial segundo o Governo, para ouvir gaita-de-foles e comer febras, mas somente via gaifonas de políticos penduradas nas paredes do poço. Experimentou soletrar a palavra “trambolhão”. Como tinha muitas letras, talvez quando terminasse, estaria no fundo. Mas, apesar de ter cometido todos os erros ortográficos, que lhe passaram pela memória, não via a luz ao fim do túnel. Então decidiu calcular a altura que descera. Devia estar ao pé do centro da Terra. Uns seis mil quilómetros de profundidade. “Deve ser essa mais ou menos a distância exacta” – explicava ela, que não sabia contar exactamente. Mais outra metade e estaria nos antípodas, junto dos neozelandeses ou australianos, rejubilava. Saber calcular a altitude não era vital para uma menina da sua idade. Mas sê-lo-á para uma criança da idade contemporânea. A FIFA proibiu os jogos a 2 500 metros de altitude. Se uma menina não souber calcular este valor, e mudar-se para uma casa abaixo desse nível, arrisca-se a nunca casar com um jogador de futebol, como a Merche Romero. E outro exemplo sobre a importância de bem saber medir. Numa expedição ao Evereste, dois alpinistas japoneses e os seus três guias sherpas, a 8 500 metros, avistaram um alpinista indiano ferido. Os japoneses que comandavam dão ordem para prosseguir a escalada. Mais tarde, nos 8 630 metros, depararam-se com outros dois indianos enregelados mas vivos. A caminhada continua viagem. Nem comida, nem uma botija de oxigénio foi dispensada ao que restava da expedição indiana. Nem sequer uma palavra foi trocada. Numa conferência de imprensa o porta-voz da expedição japonesa, Eisukhe Shigekawa, 21 anos, explicou a atitude: “escalámos estas grande montanhas à nossa custa, à custa de um esforço que é nosso. Estávamos demasiado cansados para ajudar. Acima de 8 000 metros, uma pessoa não se pode permitir ter moral”. Ele estava enganado, afinal, qualquer altura é boa para não haver moral.

E Alice cai toda dentro do século XXI. A sua viagem pelo túnel chegara ao término. Tentou alcançar o Coelho Branco. Antes dele desaparecer numa esquina ainda o ouviu dizer: “nunca uma guerra foi tão justa. A decisão de a desencadear era justificada e inelutável. Tenho orgulho nela e tomei-a depois de intensas consultas antes de a submeter ao Governo, que a aprovou por unanimidade”. Ou terá sido o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert?

domingo, maio 27, 2007

Os pequenos prazeres da vida

Os Estados Unidos são o farol do mundo. Cristóvão Colombo mais Américo Vespúcio, (que lhe emprestou o nome) alcançaram um verdadeiro jackpot para a Humanidade. Um Euromilhões com 76 275 360 hipóteses para cada aventureiro. Uma Azinhaga do Ribatejo grávida de Josés Saramagos. Sexo tântrico em Las Vegas. Um tiro à queima-roupa no aborrecimento (dado por Lee Marvin). Naquela terra tudo é grande. As mamas da Dolly Parton, as carantonhas dos presidentes no monte Rushmore, o instrumento de trabalho de John Holmes (Mr. 33 cm), o Big Mac, Wbush e o seu side-car, Laura Bush. Esta família deixará saudades quando se reformar para o Texas e naqueles organismos internacionais que acolhem ex-presidentes com muito para dar ao mundo e habitantes. (Quem não verte uma lágrima de comoção ao ver o nosso “rabanete” – como lhe chamavam antanho por ser “vermelho” – no comando da Aliança das Civilizações, combatendo o mouro com a espada da persuasão e a chita do diálogo? arrepia… como o Prince a tocar “Purple Rain” ou os Belphegor, “Fornicationium et Immundus Diabolus”). A big show administração Wbush deu-nos clarividência sobre quem é o boss.

Boys & girls europeus de centro-esquerda ou centro-direita anseiam por visitar a terra da vida em fotogramas. Paula Abdul tropeça no seu chihuahua e parte o nariz. Ou, James Dean, nas festas, metendo a dentadura no copo dos convivas para galhofar. Ou, então Nick Lachey, no reality show “Newlyweds”, surpreendido pelo cheiro deixado pelas funções vitais do corpo da esposa, Jessica Simpson, na casa de banho, e surpreendendo ainda mais os telespectadores que, de um corpo daqueles, saísse tão desagradável pivete. (E dizem que a reality TV não ensina nada, quando evidencia neste caso duas lições importantes de serviço público. Que as mulheres boas como o milho não são deusas e que nunca se deve prescindir de um exaustor no WC). Como pirilampos hipnotizados pela luz de um grande ecrã num drive-in, os europeus querem participar no filme americano, convencidos de que nas suas terras nunca sairão de produções série B – inclusive os portugueses, bafejados pela sorte de terem os Governos com os melhores castings, (desde Afonso Henriques até hoje), não se importariam de pegar na mala de cartão e partir. (O magníloquo ministro, Mário Lino, diria no seu linguarejar claro que indo para poente evitam o deserto a sul. Para sul jamais).

Não há cinema nacional. Não há cinema americano. Há cinema universal que é ao mesmo tempo americano, porque Hollywood utilizou o seu poderio financeiro para moldar o gosto dos espectadores da 7ª arte. Transformada em arte de perder tempo numa sala escura, ou em frente de um plasma gigante, quando vemos a pobreza franciscana de ideias nos êxitos “Os piratas das Caraíbas” ou “Homem Aranha”. (Para se vender um produto é preciso criar nas pessoas o incontrolável desejo por esse produto, hoje, nenhum produtor europeu se arrisca a fazer um filme sem american flavour). A este processo de controlo mental, chamaram-lhe os Red Hot Chili Peppers, “californicar” o mundo. E, com justeza, Hollywood dá cartas, porque o cinema foi inventado por um americano. Claro que todos conhecem a biografia de Louis e Auguste Lumière e do sucesso financeiro das suas fotografias em movimento. Desde o primeiro espectáculo pago, no Grand Café, no Boulevard des Capucines, e a passagem por várias cidades do mundo, foi um arrecadar de proventos. “L’arrivé d’un train en gare de la Ciotat” ou “L’arroseur arrosé” foram êxitos de bilheteira. Mas nem eles acreditavam que a sua descoberta tivesse futuro pois as pessoas cedo se fartariam de ver comboios a passar, ou operários a sair de fábricas, ou tipos molhados pela pressão de uma mangueira. Foi Edwin Stanton Porter, machacaz empregado de Thomas Edison, quem teve a ideia do cinema.

Os primeiros filmes eram constituídos por imagens contínuas, isto é, pegava-se na câmara e filmava-se até acabar a película. Porter imaginou que filmando imagens de forma descontínua no espaço e no tempo, e se depois as juntasse, poderia contar uma história. Descobriu a montagem. É seu o primeiro filme com enredo, “Life of an American fireman” e, também, o primeiro western “The great train robbery”. (Esta é a História vista do outro lado Atlântico. Obviamente que os franceses chutariam com Georges Méliès como arquitecto do cinema, e na época, chamavam-lhe o maior cineasta de sempre. Que, por um feliz acaso, descobriu as vantagens da descontinuidade das imagens na produção de filmes. Um dia, Méliès filmava pessoas nas ruas e a câmara emperrou por causa de uma avaria técnica, mas as pessoas continuaram na sua vidinha, quando retomou a filmagem as suas posições tinham-se, entretanto, alterado. Chamou a este método “stop-action”. Mas Méliès, dono do teatro Robert-Houdin, onde projectava as suas obras, não tinha por detrás o génio do negócio Thomas Edison para que a coisa desse certo).

Um dos melhores filmes americanos da actualidade desenrola-se ao nível da linguagem que as pessoas devem usar no dia a dia, em público, mas também em privado, pois a campanha é para mudar comportamentos enraizados nos hábitos e costumes. E diz respeito ao prestígio que os negros atingiram naquela sociedade que não se coaduna com certas expressões corriqueiras depreciativas. No mês passado, Don Imus, um sexagenário radialista americano, no seu programa “Imus in the morning show”, que também é transmitido por TV, referiu-se às jogadoras da equipa de basquetebol feminino da Universidade de Rutgers como sendo umas “nappy-headed hos” (“nappy” é calão para “encaracolado”, referido aos pêlos púbicos, e “ho” é uma abreviatura das ruas da palavra “whore”, ou seja, em português correcto, chamou-lhes “putas de carapinha”). As raparigas que não têm a fisionomia apurada de Beyoncé ou Rihana, mantendo ainda os traços dos seus antepassados vindos nos navios negreiros, mandaram-se aos arames. A sua treinadora vem levantar-lhes o moral afirmando que são jovens senhoras com classe e distinção, brilhantes e dotadas, sabem articular, são representativas de Deus em toda a extensão da palavra. E, saltaram para a arena os reverendos do costume, Jesse Jackson e Al Sharpton, para defenderem a minoria que, desde os anos 60 tanto progrediu económica e socialmente, de mais este preconceituoso ataque. Resultado Imus foi despedido. No final do ano passado, Michael Richards (actor que desempenhava o papel de Kramer na série “Seinfeld”) viu-se metido nos mesmos trabalhos quando usou a palavra “nigger” no meio de insultos proferidos contra uns tipos que lhe estavam a chagar o juízo durante um espectáculo de “stand-up comedy” no Laugh Factory, em Sunset Strip, na Califórnia. Nas réplicas da onda de choque a edilidade de Nova Iorque proibiu simbolicamente o uso do “n-word”. E de todos os lados surgem pedidos para que os músicos de hip-hop se coíbam de utilizar essas palavras nas suas letras. (Apesar de alguns barafustarem com a liberdade artística são capazes de ceder, pois aquilo já não dá a massa que dava, e o dinheiro fala mais alto que qualquer liberdade). Doravante teremos uma América bem-falante como a família que ocupa a Casa Branca – a 20 mil léguas submarinas de distância de Richard Nixon que chamava “puta” e “bruxa” a Indira Gandhi e “bastardos” aos indianos em geral.

Dizem que o centro geodésico da Europa (a vinte e sete) é a vila alemã de Gelnhausen mas seria mais correcto colocá-lo em Albuquerque, a cidade onde Bugs Bunny muda de direcção, porque o omnipresente Durão Barroso parece uma personagem de desenho animado. Animado ele é mas é só desenho. Numa conferência de imprensa conjunta com o presidente do Gana vem asseverar que será o porta-voz dos desfavorecidos na cimeira do G-8, em Heiligendamm, na Alemanha. Se o pilheriador da Comissão Europeia mordesse uma cenoura e dissesse “what’s up doc?” teria o mesmo efeito. Um político com uma capacidade camaleónica reconhecida de mudar segundo a vegetação, entre os ricos, faz como os ricos.

Pelo nosso Portugal respondemos ao chamamento dos padres para a oração. Contentamo-nos com pequenas coisas. Porque a alma não é pequena temos esperança que o mundo físico engrandeça. E às vezes o inesperado acontece. De uma agradável cavaqueira no gabinete de Fernando Charrua vem novos rumos para o Plano Tecnológico. Licenciaturas por fax seriam apenas o primeiro passo. O seguinte seria por teletexto da TV e, cocuruto dos cocurutos, por SMS. E, também, se aproveitará a contribuição que o escarcéu sobre o diploma de Sócrates traz para uma linguagem política do futuro, na clarificação da banda que segue os líderes. Mendistas, barrosistas, portastistas, cavaquistas, socratistas, são boas designações, mas não fica claro o seu posicionamento ideológico. (Para os vilipendiadores da política esta fauna faz lembrar o filme “O príncipe em Nova Iorque”. Na cena inicial, Eddie Murphy está espojado numa banheira redonda, a câmara aproxima-se num zoom e debaixo de água surge uma rapariga à sua frente que diz: “o pénis real está lavado”. Não quero dizer com isto que os “homens do sim” sirvam apenas para lavar o pénis - no nosso regime actual - republicano, têm outras aplicações, como papel de parede nas cerimónias oficiais ou palmas enlatadas nos discursos). Como, agora, somos obrigados a usar a expressão “sou engenheiro, mesmo engenheiro” para nos distinguirmos dos que possuem licenciatura duvidosa, basta extrapolar para o âmbito político. Sou mendista, mesmo mendista, não vou apunhalar o líder pelas costas. Ou, então, para caracterizar as matizes dentro dos partidos. Sou socialista, mesmo socialista, para identificar o grupo de Manuel Alegre e quejandos.

terça-feira, maio 22, 2007

Coisas para não pasmar

Mês de Maio é mês de Portugal. Esquece-se o trabalho e pensa-se em peregrinar. Dá-se corda aos sapatos que se faz tarde, pelas bermas das estradas, com alegria no coração e uma melodia confortante nos lábios para, em Fátima, pôr uma vela, engolir uma hóstia e acenar um lenço branco à estátua da virgem. Enfim… viver la vida loca, versão portuguesa.

Em Maio, Marco Paulo soa como Dean Martin. Em Maio, planta-se uma cepa torta e nasce uma videira direita como uma linha recta euclidiana. Em Maio, papas de sarrabulho são benfazejas como canja de galinha. Em Maio, calhambeque é Lamborghini Gallardo Spyder. Júlio César lixou-se nos idos de Março, nós ansiamos por um perpétuo Maio, onde o saxífrago mar nos prepara a praia para regíneos banhos (tipo rainha, com direito a tudo. Pente, espelho, bâton e o creme muito bom p’ra bronzear. O rádio portátil e o biquini encarnado e os óculos de sol - não p’ra chorar como cantarolava a Natércia Barreto - mas p’ra botar estilo fashionista). Nada dá errado em Maio! Portanto, não admira vermos o desluzido líder da oposição, embalado pelo (er…imprevisível) retumbante triunfo de Alberto João na Madeira, bradar aos ventos alísios: “é minha convicção que hoje começa a arrancada para a vitória em 2009” (upa, upa, nota dez pelo pipilar optimista). Nem saber que a EDP, num esforço de hercúlea gestão, vai distribuir dividendos duas vezes por ano. “Hercúlea”, porque, como todos sabem a empresa é deficitária. Andamos a alimentar o computador, a TV e a torradeira com energia ao preço da L. Casei Imunitass. (Numa tentativa de renovar as lusas metáforas recorro à bactéria Lactobacillus casei. Se cada Actimel tem dez mil milhões, então deve ser mais barata que a “uva mijona”). E, outrossim, é normal que Paulo Macedo, o Rambo da Direcção-geral dos Impostos, seja distinguido, não com um, mas com dois prémios por bons desempenhos na Função Pública.

Que eu saiba, duas palavras apenas, devemos recordar enquanto jovens, porque nos abrirão muitas portas ao longo da nossa ascensão pela vida. São elas: “puxe” e “empurre”. O resto tem o valor de um singelo mija-burro (narciso-de-inverno) para uma florista. Serve para decorar a necessária palração decorrente da condição humana que não consegue ter comedimento no falar, como aconselhava Wittgenstein. Talvez possamos ponderar as “famosas últimas palavras” como úteis de ensinança, pois, perante a senhora da foice todos se borram e o discurso sai fluído. Mirando a lâmina da guilhotina pelo canto do olho, consta que as últimas palavras de Maria Antonieta para o carrasco foram: “malvado! Malvado!”. (Outros dizem que, por ser uma austríaca vaidosa, teriam sido: “não me descomponha!”). De qualquer maneira, ambas fariam sentido diante da enrascada situação. O mesmo não se pode dizer da cacofonia jornalística dos últimos dias. Começaram por bradar cai o Carmona e a Trindade crááááás! tump! temos matéria para vender jornais durante semanas e cedo se viraram para o drama no Algarve (transformado num reality-show). Nestas condições de pressão para produzir converseta não será imprescindível um miiológo para concluir o destino das moscas. (Nenhuma entrou na boca dos nossos croniqueiros, logo, saíram asneiras a pote).

Bater no Carmona tornou-se o desporto nacional dos comentadores, ensaístas e outros que tais. No que diz respeito à relação do cidadão com a Justiça esqueceram os factos da vida. E apresentaram os acontecimentos no bom estilo rato Mickey (o muito bom) e João Bafo-de-Onça (o muito mau) assaz utilizado pela administração Wbush para justificar os seus actos. (Carmona era o mau-da-fita, entrementes virão os bons). No momento judiciário que vivemos essa relação do cidadão com a Justiça estende-se por três níveis. Em primeiro lugar, nos crimes que atormentam o nosso imaginário, como o terrorismo e a pedofilia, recorre-se ao agent provocateur para acelerar o processo de encarceramento dos facínoras. Um elemento das forças do Bem (do clube Mickey) infiltra-se no meio dos potenciais criminosos (do clube Bafo-de-Onça) incitando-os a cometer os seus celerados actos. Este método é usado e abusado nos Estados Unidos bushie. Por exemplo, as autoridades americanas recorreram aos serviços da actual Miss América, Lauren Nelson, uma moçoila de 20 anos, de Lawton, Oklahoma, com aspecto de adolescente, como isco para caçar “predadores sexuais”. Mandaram a rapariga tentar uns tipos ansiosos de carne nova e depois pumba! foi só colocar as algemas. (Escusado será dizer que toda a operação foi gravada para o programa de TV “America’s Most Wanted”. Não há América sem televisão. Até podemos actualizar Descartes pela via da propriedade privada - on cable TV, ergo sum).

O outro episódio relaciona-se com o apavorante terrorismo. Por regra, um grupo de amigos muçulmanos, com as idades compreendidas entre os 15 e 40 anos, são imediatamente referenciados pelas autoridades policiais como virtuais terroristas. Para testar lealdade a bin Laden (e à Jihad) ou ao Estado (e ao Deus benigno) envia-se um agente infiltrado. Sucedeu no início do mês com uma “conspiração” para atacar Fort Dix, em New Jersey, e matar o maior número de soldados americanos possível. O caso foi despoletado quando um empregado de uma loja alertou o FBI para uma “perturbante” cassete vídeo que recebera para ser duplicada. Nesta via-se uns tipos na casa dos vinte anos disparando armas gritando pela Jihad e “Allah Akbar” em árabe. O grupo era constituído pelos irmãos Duka, vindos da ex-Jugoslávia, Eljvir (23 anos), Shain (26 anos) e Dritan (28 anos), um jordano taxista de Filadélfia, Mohamad Ibrahim Shnewer (22 anos), um turco, Sedar Tatar (23 anos), que trabalhou numa loja 7-Eleven e Agron Abdullah (24 anos) também nascido na ex-Jugoslávia e empregado num supermercado Shop-Rite. Eles teriam prospectado o seu alvo vigiando vários quartéis mas escolheram Fort Dix por razões de alta estratégia terrorista. Um deles conhecia o interior destas instalações militares por lá ter entregado pizzas. O FBI e a Joint Terrorist Task Force saíram no seu encalço. Introduziram dois informadores pagos para vigiar os passos dos terroristas e na sacramental venda de armas deitaram-lhes a luva. Quando o grupo decidiu comprar três metralhadoras automáticas AK-47 e quatro semi-automáticas M-16 para executar o ataque, o vendedor de armas, desencantado pelos informadores do FBI, era um… agente do FBI.

O segundo método usado pela Justiça para espevitar resultados é a implantação de provas. Não custa nada e o sucesso é garantido. A nossa Polícia é fã deste processo para apanhar arraia-miúda e alguns graúdos desprevenidos. E, por último, ainda mais simples cantariam os The Gift, todas as pessoas são passíveis de serem arguidas e presas. Seja um chulo de esquina, ou uma irmã Reparadora Nossa Senhora das Dores, podem acabar no chilindró, se tanto o “querer quiser” (a solenidade deste acto de Estado exige uma lira poética). Tal como diria Nero Wolfe para o seu assistente Archie Goodwin, (personagens dos livros policiais de Rex Stout), não há crime perfeito, apenas investigações mal feitas. Assim, na boa tradição cristã do Adão caído em desgraça, não há pessoas inocentes, somente recolha de provas e elaboração de acusações atabalhoadas. Por isso, não pasma ninguém, vermos brotar “crimes” pelas costuras da sociedade. Quase toda a gente tem um processo pendente sobre a sua cabeça (como a espada de Demócles, corta, não corta). Pelo que se passa nas Câmaras Municipais, e no colarinho branco em geral, criou-se mais uma doutrina portuguesa – o “corrupcionismo”. É de partir a moca a rir ver os políticos, acossados onde mais lhes dói, clamarem contra a “judicialização” da sociedade, sem terem a mínima noção do que se passa. Calculam ser uma cabala dos juízes, por lhes terem reduzido as férias, conluiados com os bófias que também perderam regalias. (Na realidade as políticas criminais mudaram e com elas as prioridades na área do crime, para que o dinheiro circule com fluidez para os bolsos certos, e não crie verdete nas contas de políticos dispensáveis. Também a informática alterou os métodos de cruzamento de dados permitindo apanhar muita mão na massa. E, mais importante ainda, os polícias, como todos os funcionários públicos, têm de apresentar serviço para não irem parar aos quadros de excedentários).

O jornalismo atingiu mais um zénite na cobertura do rapto de Madeleine McCann. No meio do drama, a miúda teve sorte de ser loira de olho azul, porque se fosse preta de carapinha não desencadeava tanta solidariedade e notícia da galáxia Gutenberg implodida. (Tudo bem em Dafur e arredores!). Clamou-se que a PJ procurava um russo perigosíssimo, pedófilo, com um cadastro do tamanho de uma língua da sogra, como se os jornalistas confirmassem as notícias que transmitem, e, estas não fossem produzidas por entediados, que na longa espera pelo “furo”, se divertem a coscuvilhar. Afinal o tal russo, Sergei Malinka, nem cadastro tinha. Coisa de somenos importância. A notícia estava dada e os jornais vendidos (siga para bingo!). Pelo lado da Justiça, esta investigação provocou uma autêntica revolução na actuação das autoridades portuguesas. Se não fosse a interferência da Polícia inglesa o caso já estaria resolvido, como fizeram com a Joana, a menina desaparecida na aldeia de Figueira. Os autores tudo confessaram e até se fez um filme com a explicação pormenorizada do crime, mas nunca revelaram o destino do corpo. É estranho, muito estranho, mas isso não obstou a que a solução surgisse e o tribunal condenasse. Agora, com os ingleses à perna, os lusos costumes alteraram-se e um suspeito, Robert Murat, num caso desta envergadura não fica em prisão preventiva. (Nem parece o mesmo país que proporcionou a Paulo Pedroso a sua memória do cárcere). Suspeita-se que os ingleses querem mesmo encontrar a miúda e punir os verdadeiros culpados e isso tem dificultado o normal procedimento da Polícia portuguesa.

Mas nem todas as coisas causam familiaridade. Algumas fazem-nos dizer “hmmmm… devem estar a gozar comigo”. E, as “things that make you go hmmmm…” não se resumem a traições conjugais, como cantam os C & C Music Factory, bem podem ser Durão Barroso sem gravata em Sintra, fingindo ser um grande dirigente europeu, ou os maneirinhos democratas, José Miguel Júdice e Saldanha Sanches, saírem no cavalo branco para purificarem a política em Lisboa.