Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quarta-feira, maio 30, 2007

Alice mora aqui

Alice, antes do tombo no País das Maravilhas, estava sentada à beira-rio vadiando, qual (des-empregado) Santana Lopes após os safanões na incubadora, acalorada demais para se levantar e fazer uma grinalda de margaridas. Vezes sem conta olhara para o livro que sua irmã estava a ler. Não tinha gravuras nem diálogos. “Mas para que é que serve um livro sem desenhos nem conversas?” – pensava ela para as rendas do seu vestido. (Coitada vivia numa época anterior ao Plano Nacional de Leitura para ter consciência de que, até ler o pacote de leite, é importante para somar ligações sinápticas e conseguir emprego numa fábrica). Ela pertencia ao novo tipo de criancinhas que evoluíram do homo sapiens para o homo videns e que escoariam a existência em frente da caixa que atontou o mundo. Seriam sortudas, pois poderiam “ver” Paulo Portas a sofismar: “na vida, como na política, quando um partido se porta bem deve ser premiado, quando se porta mal deve ser penalizado”. Mas também aprenderiam que há excepções, como o Yogi Bear, ou nós próprios. Yogi é mais esperto que o urso médio, tem um grande amigo chamado Booboo e vive no Jellystone Park. As suas tramóias para ficar com as cestas de piquenique resultam sempre e o Ranger Smith não consegue atirá-lo na cadeia. Paulo Portas tem rores de amigos (identificáveis porque, tal como ele, repetem muitas vezes “oiça” e “deixe-me dizer-lhe uma coisa”). Vive no Kindergarten Portugal e a sua “ursidade” é igualmente superior à média. Depois de resolver o problema dos trabalhadores da Bombardier, como ministro da Defesa, empantufado de presidente do CDS apresentou o seu Booboo, Telmo Correia, às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. E, mais ainda, as suas artimanhas para surripiar a presidência do CDS não falham, e o eleitorado dos valores não se livra dele nem para fugir ao enxofre do inferno.

O Coelho Branco, de olhos cor-de-rosa, passa por Alice a correr gritando: “valha-me Deus! Vou chegar muito atrasado!”. Não era uma coisa assim tão notável um coelho falar. Ela vira um notável coelho do aparelho socialista, chamado Jorge, gritar num bom estilo Goebbels, “o partido precisa da Bárbara”, na candidatura de Manuel Maria Carrilho à Câmara de Lisboa. (Só “estilo”, porque ele é bom, apenas empolgado gesticula muito e faz lembrar o nefasto ministro da Propaganda nazi). Nem correr era algo extraordinário. José Sócrates não dispensa o seu jogging nas terras que visita. Durante a sua estada em Moscovo fecharam a praça Vermelha para a indispensável corridinha matinal. É difícil de acreditar nesta informação jornalística pois aquela praça não é propriamente o Rossio. É um pouco maior. E, como os moscovitas não vêem a RTP internacional, um tipo em calções e sapatilhas passa desapercebido. Mas os figurões na peanha social têm outra forma de funcionar. Têm tiques estranhos. João Paulo II quando descia do avião punha-se de rabo para o céu para beijar o chão do aeroporto. Alice não percebia a razão de tão embaraçosa posição. Na catequese lhe ensinaram que Deus é omnipresente. Sabendo o significado da palavra concluíra que Deus lhe poderia ver o rabo de qualquer ângulo. Nunca lhe passou pela cabeça que ele, riquíssimo como poucos na Terra, quisesse beijar uma chão sujo de borracha e óleo. Coisas estranhas há no mundo. Alice notara que há mais chapéus que cabeças. “Mas para onde iria um chapéu sem cabeça?” – pensava ela. Talvez a uma loja comprar uma cabeça. Mas ela nunca vira semelhante loja. Vira uma chapelaria, na sua cidade, jamais uma cabeçaria. Ou seriam exportados para países com mais cabeças que chapéus. Isso seria lógico. Ela não sabia, mas um senhor chamado Gilles Deleuze, em França, se entreteria a esgravatar as suas aventuras à cata de paradoxos do sentido. Gilles acordava cedo para apanhar a primeira minhoca e descobriu que “sentido” e “sem sentido” se confundem no outro lado do espelho. Por isso, se explica que no outro lado do mundo, em Timor-Leste, em Baucau, segunda cidade do país, nas últimas eleições, o número de votos nas urnas ultrapassasse, em cinco vezes, o número de eleitores inscritos.

O relógio e o colete atraíram a atenção de Alice. Ela conhecia coelho esfolado na caçarola, que parecia gato, mas nunca tinha visto um vestido. “Um vestido é coisa de raparigas”, disse em voz alta, ou pelo menos lhe pareceu, no entanto sua irmã nada disse. Alice levantou-se como uma mola e desatou a correr atrás do láparo e cai num poço profundíssimo. A queda não tem fim. Enquanto ia caindo, lembrou-se que gostaria de ter uma actividade política e cair assim, com tempo para cumprir o mandato, mas na sua cidade a lei da paridade só se aplicava aos casamentos. Ela olha para as paredes do túnel, suspeitou que tivesse sido feito por algum marquês, estavam cheias de armários com as pratas da família, retratos de avoengos e prateleiras. Retira de uma delas, à direita, um frasco de compota de laranja. Não estava vazio como esperava. Lá dentro um senhor liliputiano, de óculos, aconselhava o Partido para se “deixar de ruídos internos e a virar-se lá para fora”, incomodava-o que as pessoas dissessem: “se eles não se entendem, como é que a gente há-de confiar neles”. Achou-o um picuinhas, preocupado com a bisbilhotice dos outros, mas que não crescia para sair fora do frasco. Enroscou a tampa e voltou a pô-lo na prateleira. “Em 2009 vão ver” – gritava o nanico. Alice não fez caso. Não sabia contar tão alto. E, de qualquer maneira, via agora, não precisava de esperar por 2009 para ver. Do nada surge-lhe a lembrança de Dinah, a sua gata, e disse: “esperemos que não se esqueçam de lhe dar o pires de leite, à hora do chá…”. Não foi bem do nada que apareceu esta recordação. Foi de algo. O homenzito falava para o Partido. E se está partido há sempre leite derramado. Ou, então, ela viu uma foto de Manuela Ferreira Leite, com a legenda “ministra das Finanças excelsa”, dependurada na parede do túnel sem fim e, como leite era a única palavra que conhecia naquela algaraviada, associou-a com a gata.

Alice tinha aprendido muitas coisas na escola. A ler, escrever e contar. Todavia estava autorizada a dar erros ortográficos em português, porque era inglesa, e fazia provas de aferição para passar o tempo. Neste trambolhão bem que ela precisava de um entretenimento. O chão tardava em chegar e Alice aborrecia-se imenso. Se ao menos tivesse, durante a descida, um piquete da greve geral, ou parcial segundo o Governo, para ouvir gaita-de-foles e comer febras, mas somente via gaifonas de políticos penduradas nas paredes do poço. Experimentou soletrar a palavra “trambolhão”. Como tinha muitas letras, talvez quando terminasse, estaria no fundo. Mas, apesar de ter cometido todos os erros ortográficos, que lhe passaram pela memória, não via a luz ao fim do túnel. Então decidiu calcular a altura que descera. Devia estar ao pé do centro da Terra. Uns seis mil quilómetros de profundidade. “Deve ser essa mais ou menos a distância exacta” – explicava ela, que não sabia contar exactamente. Mais outra metade e estaria nos antípodas, junto dos neozelandeses ou australianos, rejubilava. Saber calcular a altitude não era vital para uma menina da sua idade. Mas sê-lo-á para uma criança da idade contemporânea. A FIFA proibiu os jogos a 2 500 metros de altitude. Se uma menina não souber calcular este valor, e mudar-se para uma casa abaixo desse nível, arrisca-se a nunca casar com um jogador de futebol, como a Merche Romero. E outro exemplo sobre a importância de bem saber medir. Numa expedição ao Evereste, dois alpinistas japoneses e os seus três guias sherpas, a 8 500 metros, avistaram um alpinista indiano ferido. Os japoneses que comandavam dão ordem para prosseguir a escalada. Mais tarde, nos 8 630 metros, depararam-se com outros dois indianos enregelados mas vivos. A caminhada continua viagem. Nem comida, nem uma botija de oxigénio foi dispensada ao que restava da expedição indiana. Nem sequer uma palavra foi trocada. Numa conferência de imprensa o porta-voz da expedição japonesa, Eisukhe Shigekawa, 21 anos, explicou a atitude: “escalámos estas grande montanhas à nossa custa, à custa de um esforço que é nosso. Estávamos demasiado cansados para ajudar. Acima de 8 000 metros, uma pessoa não se pode permitir ter moral”. Ele estava enganado, afinal, qualquer altura é boa para não haver moral.

E Alice cai toda dentro do século XXI. A sua viagem pelo túnel chegara ao término. Tentou alcançar o Coelho Branco. Antes dele desaparecer numa esquina ainda o ouviu dizer: “nunca uma guerra foi tão justa. A decisão de a desencadear era justificada e inelutável. Tenho orgulho nela e tomei-a depois de intensas consultas antes de a submeter ao Governo, que a aprovou por unanimidade”. Ou terá sido o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert?

10 Comments:

  • At 9:06 da tarde, Blogger A Chata said…

    Como Alice, apetece puxar a toalha da mesa e acordar.

     
  • At 6:47 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Se acordássemos seria provavelmente no museu de cera da Madame Toussaud. Ou na Casa dos Horrores da Feira Popular, com algum político a pedir maioria absoluta.

     
  • At 5:30 da tarde, Blogger A Chata said…

    Ainda está mais desencantado que eu. Ria-se um pouquinho com o "progresso" de Bush

    http://www.youtube.com/watch?v=syWbEVNPuPY

     
  • At 6:59 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não estou desencantado, antes pelo contrário, estou muito encantado com a situação do mundo e o com humor natural dos bons samaritanos que o querem governar sustentavelmente, limpar ecologicamente e desenvolver economicamente para que as gerações futuras possam ver TV todo o dia sem preocupações. Nessa altura o ecrã maleável desenvolvido pela Sony já permitirá confeccionar roupa TV. (Se calhar para ver a Fox News. Gostei do obituário de Kurt Vonnegut).

    Por acaso vi este episódio do Daily Show na SIC radical. Wbush está em fim de carreira e agora não pode inverter o caminho que tomou. A solução é ir em frente depois logo se vê. Escolheu para war czar, o tenente-coronel Douglas Lute, como todos os soldados, um homem muito dedicado, com valores altíssimos, dados pelo próprio Deus, e uma folha de serviço impecável. Mas a verdadeira estratégia para a guerra no Iraque é velha e consiste em evitar que os soldados mandem cá para fora informações não filtradas e que os meios de comunicação social deixem de falar no assunto – não é censura, credo, isso é dos fascistas, ditadores, evil ones, é gestão racional da informação.

    No mês de Maio morreram 101 soldados americanos e 1 951 civis iraquianos. Mas isto já não é notícia. Quem ganhou o American Idol deste ano é muito mais importante. Ou se a rainha Blair será bem sucedida pelo príncipe Brown? Ou quem vai ganhar a Câmara de Lisboa? Estes sim são assuntos de vida ou morte.

     
  • At 12:27 da tarde, Blogger A Chata said…

    Não vi o obituário de Vonnegut na Fox. Esse "gostei" é verdadeiro ou irónico?
    (A porcaria da Internet ainda não dá entoação às frases, nem expressões fisionómicas)

    "...evitar que os soldados mandem cá para fora informações não filtradas"

    Leu isto?

    Google is watching you

    'Big Brother' row over plans for personal database

    By Robert Verkaik, Law Editor
    Published: 24 May 2007

    Google, the world's biggest search engine, is setting out to create the most comprehensive database of personal information ever assembled, one with the ability to tell people how to run their lives.
    ...
    The company's chief executive, Eric Schmidt, said during a visit to Britain this week:
    "The goal is to enable Google users to be able to ask the question such as 'What shall I do tomorrow?' and 'What job shall I take?'."

    WHAT???

    Para quando o curso de formação de profissionais de alteração de noticias para que os discursos do Big Brother estejam sempre "correctos"?

     
  • At 12:30 da tarde, Blogger A Chata said…

    Esqueci-me de juntar a isso, isto:

    Google's declaration of intent was publicised at the same time it emerged that the company had also invested £2m in a human genetics firm called 23andMe.
    The combination of genetic and internet profiling could prove a powerful tool in the battle for the greater understanding of the behaviour of an online service user.

    e isto:

    That concern has been reinforced by Google's $3.1bn bid for DoubleClick, a company that helps build a detailed picture of someone's behaviour by combining its records of web searches with the information from DoubleClick's "cookies", the software it places on users' machines to track which sites they visit.

     
  • At 8:04 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Uma parte do obituário do Vonnegut está naquela página do Daily Show sobre o tempo linear para a frente (forwards) ser pré 9/11. Para a Fox tudo o que não seja bushie tem um valor relativo no universo. Vonnegut haveria de achar piada nos jornalistas que lhe resumiram a vida. Esses garantes da Democracia (raras vezes) e responsáveis por lançar o mundo na nova Idade Média (quase sempre), nunca me deixam ficar mal. Como programa cómico prefiro, de longe, um telejornal ao Gato Fedorento ou outros notórios humoristas.

    O controlo sobre a informação acerca do Iraque é bastante sofisticado. Não se proíbe de caras. Mas os soldados começaram a ter acesso limitado à Internet. Todas as broncas que de lá saíram – Abu Ghraib ou os vários massacres – deveram-se à má gestão destas novas tecnologias. As autoridades americanas aprenderam as lições do Vietname sobre como lidar com as câmaras de TV. Criaram os jornalistas “embedded” para mostrarem a invasão e convencerem as pessoas de que estavam a ser “informadas”. De que aquilo não era tudo encenado. (Como o engraçadíssimo resgate da soldado Jessica Lynch). Mas os telemóveis com câmara, a net, BlackBerry etc. são coisas novas e é preciso ir aprendendo enquanto se caminha (ou fazendo a guerra).

    Não conhecia esta associação Google/genética. Os americanos perceberam que a Psicologia, como ciência do comportamento (e óbvio controlo deste), tem os dias contados e será substituída pela Genética. Como o nosso moderno Governo que autorizou a criação de uma base de dados de ADN dos criminosos para “ajudar a investigação policial”. Fazê-la apenas com os cadastrados tem uma utilidade relativa. Só será eficaz quando lá estiverem os dados genéticos de todos os cidadãos.

    A Internet pode ser uma “janela para o mundo” (eu tenho dúvidas no entanto posso aceitar essa ideia) mas é, acima de tudo, uma “porta para a casa das pessoas”. E não pode ser fechada. (Um router pode dificultar a entrada). É chato uma pessoa não poder responder na mesma moeda quando lhe entram em casa. Sempre que posso deixo-lhes mensagens do tipo “suck my dick, Cheney” para irritar os espiões. Já pensei estudar informática a sério para enfrentá-los (fight back) mas como as coisas estão se calhar é melhor aprender a armadilhar o computador e explodi-lo no momento certo. Tenho um post para escrever sobre a utilização dos trojans como meio de vigilância policial. Vem aí um promissor futuro (para mim o futuro é já agora).

    Li que a Google comprara a DoubleClick. Volta e meia encontro spyware da DoubleClick no meu computador através do Spybot. (Imagino o que não encontro!). Não me admiraria que a Google comprasse a Spybot dentro de dias, para aumentar os seus negócios, pois em matéria de espionagem, é uma verdade de Lapalisse, que os espiões estão muito mais avançados tecnologicamente que os espiados.

     
  • At 9:36 da manhã, Blogger A Chata said…

    O que pensa disto?

    Watch out Second Life China launches virtual universe with seven million souls

    Yesterday the Swedish virtual world Entropia Universe announced that it was teaming up with CRD, an offshoot of the Beijing municipality, to build a virtual universe able to handle 7 million users at any one moment. David Liu, chief executive of CRD, claimed that virtual worlds would generate about 10,000 jobs in China.
    ...
    Even Second Life, with a claimed 7 million members, rarely has more than 40,000 on simultaneously, which means that the Chinese venture, if it succeeds, would have a population greater than all but the biggest countries. This raises the prospect that such ventures could become major economies in their own right with no allegiance to any particular administration (or tax gatherer).
    ...

    Confesso que não consigo abarcar todas as implicações destes novos "mundos".

     
  • At 11:11 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Nem eu. A universidade de Aveiro criou uma ilha Second Life. E a estudantada porta-se bem. Apenas foram expulsos dois visitantes. Um porque só insultava todas as pessoas (virtuais). Outro porque apenas lá ia estava ao engate (suponho que real).

    A vice-presidente do Linden Lab, que “dá” este maravilhoso escape às pessoas, dizia que “ a Second Life é mais bonita que a vida real. Nem que seja só por se poder voar, que é uma coisa que não podemos fazer na vida real”. Parece que ela não gosta de ser galinha. Queria ser andorinha e voar. Tive uma certa curiosidade sobre o assunto mas a minha preguiça supera a curiosidade de ir lá ver de que se trata.

     
  • At 4:21 da tarde, Blogger A Chata said…

    Tambem estou com preguiça de investigar.
    Talvez porque, pelo que li, parece-me que o querem é fazer cópias virtuais do mundo real, com especulações e negociatas.

    Para mau já chega o que temos!

    A grande ilusão que tive quando comecei a trabalhar em informática e pensei que a automatização de tarefas rotineiras iria permitir libertar as pessoas para trabalhos mais criativos e interessantes já há muito que se foi.

     

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