Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, julho 28, 2007

Mudam-se os símbolos

“Este senhor inspira-me confiança” – dizia Vanessa Fernandes, ao lado de Fernando Negrão, quando este pau para toda a obra política a apresentava, à cidade e ao mundo, como Mandatária da (sua) Juventude. As eleições para o trono da Câmara de Lisboa já lá vão mas as grandes frases ficam no teleponto para memória futura. Como estalactites (ou estalagmites, depende da perspectiva) decoram a gruta da produção intelectual deste bom momento da nossa História. A campeã do triatlo, nunca tinha visto Negrão, nem pintado nem borrado, mas infundia-lhe confiança, como se estivesse na presença do empregado da casa de desporto que, habitualmente, lhe vendia as bicicletas ou os ténis. Nas sociedades industriais, por regra, os jovens não confiam nos velhos, não só porque cheiram funny, mas também porque provocam uma sarteana náusea com aquele seu paleio dos “jovens de espírito”. (Na década de 80 vestir fato de treino era suficiente como sinal exterior de juventude. O século XXI foi mais fundo. Hoje é preciso arrancar a pele para se sentir “Sexy and seventeen”, como os Stray Cats e a nossa eterna seventeen, a sexy Lili Caneças).

Esta novel ninhada de políticos ostenta a pureza de um telescópio de cloro para detectar neutrinos, tem desafiado a reflexão da luz solar nos corpos opacos, desenvolvendo reconhecidas qualidades transparentes, nela podemos confiar, anéis e dedos, por um rumo firme para dentro dos íngremes muros do Paraíso. (Conta-se que a palavra “paraíso” deriva do persa “paridesah” que significava “jardim murado”. O modelo mais familiar para nós seria o pátio do Taj Mahal. Parece haver uma unânime concordância nas línguas antigas de que o “Paraíso” é um lugar emparedado. Também a palavra hebraica “eiden” – donde derivaria “éden” – tem significado idêntico). E, no seu afã de agradar, esta geração de políticos, tem o condão de salpresar o nosso insonso quotidiano. Como o astrolábio Marques Mendes, encafuado na sua almuinha da Oposição, que lamentava há dias para o jornalista (na falta de um padre): “eu digo preto, os meus adversários dizem branco. Eu proponho preto, eles dizem branco”. Este terra-a-terra confessional recauchuta os pneus da confiança, que outras barrigadas de estadistas evaporaram da arena, e faz-nos gritar (por Mendes e esta bela safra) o electrizante Blues “Shake it for me”, do mestre Howlin’ Wolf.

A presente gamelada de primipilos, através da arte da comédia (divina ma non troppo), incutiu confiança nos jovens. Que, formados nos espectáculos de rua do Pedro Tochas, adivinhava-se como uma assistência difícil, mas depois de terem visto o Quarteto Fantástico para o Médio Oriente nomear o Surfista Enferrujado para o cargo de “bonzinho resolve trapalhadas”, o gelo foi quebrado e a risota fluiu espontânea. O sistema de distribuição de tachos da UE, perdão, o processo de nomeações, ponderadas e ajuizadas, para cargos de responsabilidade política funciona como o óxido nitroso na cadeira do dentista. Põe todos a rir. E, Tony Blair, empoleirado na sua lustrosa prancha, logo sobrevoou Shimon Perez e Mahmoud Abbas, e com sentido de humor, disse: nesta região vive-se “um momento de oportunidade”. E para que os mais carrancudos também cascalhassem com vontade acrescentou: “o mais importante é escutar, aprender e reflectir”. Esperamos sentados pelas suas explicações quando transitar de tacho e o Médio Oriente continuar na mesma como a lesma. Serão explicações gourmet. De comer e chorar por mais. As boas explicações vêm de longe. Não julguem que são modernices. Montaigne narra, nos seus “Ensaios”, o caso de uma princesa safa da acusação de adultério por Hipócrates. O eminente médico (460-377 a. C.) explicou o nascimento de um filho preto, através da influência emanada da imagem de um preto que a jovem tinha junto da cama. Uma explicação sábia e convincente que aplacou a fúria do marido e acautelou o pescoço da rapariga. Uma coisa é certa, Blair não ficará na História com um longo cognome como o grupo ... And You Will Know Us by the Trail Of Dead. A sua passagem pela política não deixou um trilho de mortos assim tão descomunal que mereça ser recordado.

Não restam dúvidas que as centúrias europeias são comandadas pelos melhores e, entre eles, os nossos são os mais assombrosos. Tornaram-se reis Midas. Tocam e… puf! surge luzente ouro. O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros elucidou os bastidores da libertação das cinco enfermeiras búlgaras e o médico palestiniano da sentença de prisão perpétua na Líbia, e silenciou os bananas descrentes nas capacidades diplomáticas portuguesas. Luís Amado foi claro que o repatriamento era o grande objectivo da Presidência Portuguesa, que participou activamente nas negociações mas de forma “muito discreta”. (Quem tem alguns conhecimentos de Ciência Política compreende imediatamente que uma participação “activa” e “muito discreta” significa executar com brio o “papel de rapaz dos cafés”, iniciado com glória por Durão Barroso, na cimeira das Lajes, o botão “start” da guerra no Iraque. É verdade! Mas com um ínfimo ajuste. O chefe de orquestra em Tripoli era a esposa de Sarkozy e as senhoras francesas não bebem café nem fumam. Os membros da lusitana Presidência fazem rápida avaliação das circunstâncias e deduzem a falta de um leque. De imediato são tomadas providências para regatear um abanador no mercado mais próximo. E, assim, os nossos diplomatas abanicaram Cecile, por causa dos afrontamentos provocados pelo calor do deserto, salvando as negociatas com Khadafi). Os nossos líderes têm sido inovadores costureiros da União Europeia. Têm dado pontos e nós de maravilhar. A Presidência ainda vai no adro mas todos concordam que foi um sucesso. No final vamos todos vestir um belo Tratado Reformador. Mais um início de um ciclo para a Europa. Virão políticos viris agora com um instrumento para governar. Em 1963, o artista total Serge Gainsbourg, também interrompeu um ciclo de baladeiros lamechas no Festival da Eurovisão com o tema “Poupée de cire, poupée de son”, cantado por France Gall.

O clima de “Constituição ou morte” que os políticos europeus gostam de alardear é um sintoma de Democracia. A rejeição, por holandeses e franceses, do texto de Giscard, não exija poderes sobrenaturais para adivinhar a solução. Metê-lo na gaveta até Jacques Chirac baixar do poleiro. Depois uma dose de cosmética faz o resto. Muda-se os símbolos. O Hino da Alegria deixa de ser a musiqueta oficial da União e a bandeira azul estrelada é dobrada com bolas de naftalina e enfiada no armário. E, para não parecer pouco, altera-se o nome do representante da política externa e, adia-se o sistema de votação, até os polacos se chatearem de chiar. As vantagens deste esquema são evidentes. Agora não é preciso referendos nacionais para aprovar o “novo” texto. Pois foi engendrado, no útero da anterior Presidência Alemã, um “tratado” e não uma “constituição”. Na Democracia a voz popular é o que menos interessa (e incomoda quando os resultados não são desejáveis). Aliás, só existe Democracia nos locais onde os sistemas de controlo social são fortes. A condição essencial para a Democracia espigar é uma Polícia forte e eficaz. (Em Cabo Verde, a França assinou um protocolo de cooperação de 850 mil euros, para reforço da polícia nacional e judiciária de combate a tráficos vários, fraudes e imigração. Um acordo bilateral que visa contribuir para o projecto “Apoio à Consolidação da Governação Democrática”). Actualmente, com os computadores, telemóveis e programas informáticos espertos, o controlo das pessoas é tão eficaz que é possível melhorar as velhas democracias e expandir a ideia pelos quatro cantos do mundo. A sofisticação tecnológica converteu o ditador num objecto malquisto e obsoleto. Simplesmente não compensa ser ditador quando se pode dar a sensação de liberdade e instituir a festa do voto para o povo. O povo quer é festa. Seja do golo, do enchido, da lampreia, da cerveja, não interessa, queremos é festa. Se o timbre de voz de Angela Gossow, dos Arch Enemy, engana, o “Enemy Within” é controlado nas sociedades modernas no posto de comando das forças de segurança.

Uma UE saudável é fulcral. Ela é fundamental para multiplicar o número de tachos para políticos em fim de carreira ou trapalhões nos seus países de origem. É verdade que o desempenho da ONU nesta área profissional é louvável. Mas esta instituição não é especializada. É mais generalista. Emprega o pequeno e o grande. Por muito boa vontade que exista em criar (altos) cargos novos não chegam para todos. Deve ser um objecto prioritário da classe política zelar por um futuro melhor (sobretudo do seu. E como questiona a rapariga da publicidade do leite Mimosa: “se eu não cuidar de mim? Quem cuidará?”). Para os eleitores que não conseguem um tacho, nem pertencem à Administração do Porto de Lisboa e beneficiar dos 829 mil euros gastos em carros topo de gama, resta-lhes a consolação de ganir para a lua como um cão. “Un chien andalou” musicado, não com Tristão e Isolda, como recomendou Luís Buñuel, mas com “Fear for Satan”, dos Mogway.

3 Comments:

  • At 10:46 da manhã, Blogger Armando Rocheteau said…

    Dás trabalho aos teus leitores. Primeiro leio-te os posts e só depois sigo os links. Ontem acabei de ver o Bunnuel.
    Abraço

     
  • At 12:42 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Para ser franco nunca tinha visto o “Cão Andaluz”. Pelo menos não me lembro de ver na totalidade, há cerca de 40 anos, quando estas coisas se viam. Esta parceria Buñuel/Dalí marca a entrada (e a saída) do surrealismo no cinema. A música não é Wagner mas assim ficou melhor.

    E que achaste do Howlin’ Wolf? Não é uma canção muito “bluesy”. É antes um ritmo mais “rocky”. Mas é muito boa para pedir ao Mendes para “shake that ass, baby”. Acho muita piada ao líder da oposição. E não é por causa do dichote popular de “tudo o que é pequenino, é engraçado”. É mesmo por tudo o que ele faz para se equilibrar. Enquanto todos aqueles, com ambições políticas, dentro do PSD, sabem que o líder que enfrentará Sócrates nas próximas eleições, é carne para canhão (se não suceder uma grande reviravolta e o estado de graça se alterar). Fica na história do partido junto do Marcelo Rebelo de Sousa. Daqueles nada fizeram.

    Meti o Blues em honra ao Maddog. Mas é muito difícil encontrar Blues do antigo, de músicos menos conhecidos, com histórias de mulheres, álcool e bolsos vazios.

     
  • At 10:59 da manhã, Blogger Armando Rocheteau said…

    Muito bom o blues.
    De vez em quando pilhar-te-ei umas musicas.

     

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