Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quarta-feira, agosto 08, 2007

Preparar terreno
Na bagageira dos ideólogos da felicidade terrena está um esqueleto teórico que promete pinotear a Humanidade para dentro do Paraíso. Tão bom que Deus, na sua badalada omnisciência, aplicava-o no Paraíso primevo. Lá, os seus três habitantes – Adão, Eva e a serpente – viviam em salutar concorrência pelos frutos, secos e molhados, sem outra preocupação, excepto chegar primeiro, num agarotado jogo do “quem apanhar, comeu”. Deus não tem tubo digestivo, só tonitruante boca para ordenar, e não participava deste campestre folguedo. Ele vivia nas águas-furtadas e limitava-se a zelar para que os participantes do original ménage à trois tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na fruta. Velava pela prossecução da felicidade individual neste Éden económico, proporcionando segurança, entidades reguladoras, financiamento na hora, concertação social e possibilidade de crescimento infinito. Deus era um liberal! (Sem nunca ter sido uma boneca de Nova Iorque, nem nunca ter estado “Looking for a kiss” em Wall Street, como os New York Dolls que procuravam beijos no céu e na terra em sapatos de salto alto).

Apesar daquele bem bom ter finado num feio drama de suor e dor (Adão foi trabalhar e Eva parir filhos com gritos e ranger de dentes). Mesmo que Deus não tivesse optado pela deslocalização, mas fechado portas, e os seus vindouros investimentos serem uma incógnita. … Continuaram a chamaram-lhe liberalismo económico, como já tinham chamado Trinità ao Terence Hill. (Um cowboy insolente, “mão direita do Diabo”, que aventurava no Oeste com o seu meio-irmão grandalhão, alcunhado Bambino, e que se alimentava de pratadas de feijões). Estas personagens de western-spaghetti, rodado na Cinecittà, Roma, e em Almería, Espanha, serão porventura uma boa imagem desta alogia gerada em prendados cérebros. Sermos tratados como bambine pelos bertoldos dos Institutos Superiores e Universidades não é novidade para ninguém. Mas porem-nos a feijões será o nosso futuro. Podia ser melhor, concordo. Podíamos ir maluquinhos para o campo, onde as cobras na relva são grátis, como os Bow Wow Wow em “Go wild in the country”.

Em termos corriqueiros classifica-se o liberalismo como um sistema de mercearia. Porque apenas funciona entre quitandas. O “xitolo” do Sr. Almeida da esquina vende o feijão mais barato que a cantina do Asdrúbal do largo. Este por sua vez mantém os clientes vendendo o arroz num preço em conta. O minimercado do indiano Jamil consegue vender tudo mais barato, mas a sua clientela vem dos subúrbios, não entra em concorrência directa (excepto, próximo do apertado final do mês) com o Sr. Almeida e o Asdrúbal. Neste edílico teatro oferta e procura equilibram-se para contento de todos. Mas certo dia o Sr. Azevedo, enricado no negócio dos paus para canoas e financiado pelos Bancos, abre um estabelecimento iluminado de néon que todos fascina, com preços imbatíveis, deixando os outros a ver a colecção Berardo (tão bom como ver moscas). Quando a actividade económica atinge este ponto, o capital concentra-se nas mãos de poucos (ou de um e séquito) e adeus minhas encomendas, adeus livre concorrência, adeus prosperidade geral. David Ricardo, judeu de nascença, tornado quaker através do casamento, readquire no tálamo conjugal a fé na intrínseca bondade humana. Ele acreditava que a acumulação de riqueza seria uma consequência da economia de mercado, mas confiava na generosidade dos mercadores para distribui-la. Não lhe passava pela cachimónia que os ouvidos dos mercadores pudessem endurecer aos ensinamentos cristãos de partilhar pelos pobres e desprotegidos. Não previra a maleita tio Patinhas. Que alguém fosse capaz de procurar a riqueza pela riqueza. Que, depois de embornalada a moedinha Nº 1, nem a maga Patalójika conseguiria impedir o fluxo que enche o cofre, donde não sai um tusto, nem para os chupa-chupas do Huguinho, do Zezinho e do Luisinho. E que a população mundial se escarranchasse em exploradores e explorados. Uns querendo tudo. Os outros querendo. Uns tendo tudo. Os outros aguardando a velhice para terem óculos e dentaduras. (A revolução social tarda em aparecer mas com os Battles ela está na música. Tocam como se houvesse uma verdadeira explosão na cozinha).

Para alguns o liberalismo é um metuendo regime. Temem que o lençol da riqueza produzida no mundo puxado unicamente para um lado destape os pés no outro. Os países pobres, que entraram tarde e a más horas nas delícias do comércio livre, talvez se deparem com uma concorrência desleal. O mercado estará ocupado por empresas com lucros superiores aos seus PIB, geridas por executivos vestidos com camisas cinco vezes os seus salários mínimos, e os países ricos subsidiam as produções nacionais (desde o leite à vaca). Mas Portugal não grafita nessa parede. Estamos no pelotão da frente, liderados por esse camisola amarela do Governo, o ministro da Economia. Como sabem devemos-lhe a histórica declaração de Aveiro/Outubro 2006. Considerado por muitos o acontecimento século. (O século ainda vai no adro mas os especialistas prevêem que não será superado). Manuel Pinho declarou “a crise acabou” resta saber “quando é que a economia portuguesa vai crescer”. Parecerá contraditório aos espíritos lógicos e pateta aos outros. Coitados, não têm o dom da visão estereoscópica que junta no cérebro o sol com a praia e obtém um Verão azul. O présbito ministro pertence ao raro grupo dos que enxergam ao longe o Paraíso. Manuel Pinho é uma estação elevatória do moral nacional. Com ele não nos faltará feijão e… felicidade. Com Pinho desaparecerão os deprimidos, e também o “Suicide chump”, (os que tentam o suicídio e falham), do blues de Frank Zappa.

Na crónica de uma feijoada anunciada não poderia faltar o merceeiro. Decerto uma figura fulcral do Estado Novo. O seu rol é mítico. Adiou a fome a muitas famílias. E regressará no novo Estado para nos vender as sementes do nosso contentamento. Voltar ao rol do merceeiro não é mau. Portugal tem uma longa tradição de pedir fiado e comer feijão, nos dias de larica, sabe a McRoyal Deluxe com batatas fritas e Fanta. Os novos portugueses lavados, barbeados, instruídos, competitivos (e até científicos) preparam-se para viver sem a asa protectora do Estado. Este prepara-se para viver sem a gestão dos seus serviços lucrativos privatizando tudo o que der cacau, e o dinheiro dos impostos e das multas serão as suas únicas fontes de rendimento. E vamos bem lançados. Os radares colocados pela Câmara de Lisboa rendiam, nos primeiros dias, 240 mil euros por hora. É para salvar vidas, dizia o então presidente Carmona. A Polícia Municipal trabalhava a todo o vapor para dobrar as multas e metê-las nos envelopes. A ex-vereadora do pelouro, Marina Ferreira, dizia que a solução dos radares “não é um investimento para rentabilizar a Câmara de Lisboa” e justifica-se acrescentado que somente uns magros 30% vão para os cofres da autarquia o resto bolo vai para o Estado. António Costa topou logo o maná e promete tolerância zero. Claro que acreditamos nas boas intenções dos políticos em nos proteger. As explicações para a colocação dos radares são convincentes. Excluem como objectivo principal o vil metal. Colocá-los nas rectas, onde os aceleras fazem por sistema o gosto ao pé, e não apenas nos locais onde se deram atropelamentos mortais, é pura coincidência. Aliás, este tem sido o melhor ano na colheita de multas de trânsito. De Janeiro a Maio renderam 33,1 milhões, mais 11,5% do que no ano passado. E o saque, perdão, a divisão é feita da seguinte forma: 60% para o Estado, 20% para a Direcção-Geral de Viação e 20% ficam para a entidade autuante. Em matéria de impostos também damos cartas. Não faz sentido nenhum privatizar uma empresa estatal que dê prejuízo. Os empreendedores não andam nisto para fazer caridade. É sabido que uma pequena ajuda dos amigos políticos faz milagres no balancete. O Estado passará a cobrar mais 6,4 cêntimos/litro na gasolina e 8,4 cêntimos/litro no gasóleo para financiar a Estradas de Portugal. Depois privatize-se este potentado que embelezou o país de encantador alcatrão. Nesta fúria reformadora para sentar o rabo num Estado moderno, Portugal não faz uma, faz “60 revolutions” como os Gogol Bordello.

O poder global do senhor feijão (Mr. Bean) institui-se. De maneira desajeitada nos países de terceiro mundo mas segura. No México, o Governador do Estado de Jalisco, Emilio Gonzalez, proibiu a distribuição gratuita de preservativos na sua coutada. Afirma ele, cheio de razão, que não cabe ao Estado pagar “divertimentos”. “Não cabe ao Governo pagar cerveja, os motéis, nem distribuir preservativos”. O papel do Governo é vigiar a livre circulação da mercadoria, e nos Estados com preocupações sociais, fornecer receitas de feijão nos programas de culinária na televisão. (Na Venezuela, o programa radiofónico e televisivo de Hugo Chávez, “Alô, Presidente!”, no Domingo bateu o seu recorde de duração. Começou às 11:32 e terminou às 19:15. Foram sete horas e quarenta e três minutos sem qualquer interrupção, para publicidade ou noticiários). No Estado de Jalisco, se perguntassem “Hey Joe” (Jimi Hendrix) para onde vais com essa arma na mão, obteriam imediata resposta: “vou matar a minha mulher que emprenhou de um mequetrefe qualquer”.

12 Comments:

  • At 4:01 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não consegui identificar o vocalista na canção do Zappa. Com ele cantaram e tocaram muitos. Talvez o Ike Willis ou o Ray White.

    Na mesma página do YouTube está um concerto dos Battles em Chicago. Tem uma hora de duração. Sei que é um pouco estúpido estar uma hora a olhar para um rectângulo daquele tamanho, mas vale a pena. E os Gogol Bordello são extraordinários.

     
  • At 6:42 da tarde, Blogger A Chata said…

    Se no futuro tivermos feijões e alguma água (minimamente potável) para beber a coisa já não estava nada mal.
    Está a ouvir o 'boom-ba-da-boom' do estoiro da bomba do 'easy-money' distribuído aos quatro ventos?
    Vai uma pessoa para as obras durante uns dias e, quando volta, é isto.
    Os bancos centrais a regar o 'jardim' escaldante do mercado enquanto se apura quais os bancos e fundos que vão sobreviver aos emprestimos mal parados.
    Mais uma comidita que foi para o 'galheiro' com a febre aftosa em Inglaterra.
    O Pingo Doce a anunciar que SÒ vai aumentar o preço do leite porque a produção do mesmo tem vindo a diminuir.
    Os Russos e os Canadianos a disputarem o Polo Norte com direito a implantação de bandeiras no fundo do mar e tudo.
    Enfim, a mesma mercearia maluca de sempre.
    (Pelos menos a pintura das paredes ficou optima e as janelas já estão todas envernizadas)

     
  • At 4:15 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    confesso de desta vez saltei o texto e fui directamente aos links. percebi, contudo, que havia uma feijoada anunciada. voltarei

     
  • At 3:31 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Devia ter respondido ontem mas instalei o Explorer7 e fique pasmado a olhar para mais este palácio informático. Não para o Explorer propriamente dito mas para o ofídico amplexo dele com o Google. Como meti o endereço dos vossos blogues no Google Desktop, fiquei com uma janela que me informa quando eles são actualizados. E, até, regista há quanto tempo foi colocado o post (pelo que percebi demora cerca de 20 minutos). Ou seja, com uma simples operação de subtracção é possível calcular, quando as pessoas estão em frente do computador, entretidas no afã de cumprir o seu dever “internético”.

    Esta capacidade googliana de saber o que as pessoas andam a fazer, lembra-me uma anedota do Groucho Marx. Dizia ele que, num jogo de poker, a única ocasião em que sabia o que o adversário tinha na mão, era quando este ia à casa de banho.

    Achata: bom regresso ao mundo dos gloriosos humanos com computadores. Já temia que tivesse fugido para um país de pessoas felizes sem computadores, mas onde os comerciantes dos ditos, e do subsequente (caro) software, lhes atazanam os ouvidos dizendo que os computadores são tão essenciais como a mandioca e o arroz e uns pingos de chuva.

    Acho que o Pólo Norte deveria desencadear uma guerra. Sempre são vários cães ao mesmo osso. Cinco países – Dinamarca, Rússia, Canadá, Noruega e Estados Unidos – e se levarem um amigo também, dá para uma guerra mundial, que muita falta nos faz.

    Ana Cristina: não sei se chegará para a feijoada, mas vamos andar a feijões, pela certa. Ou, talvez, crescimento económico “oblige”, todo o ser humano terá direito à tamina (ração de carne seca, feijão e farinha), que os portugueses recebiam no Brasil, (antes da fase da padaria), no século XIX. Nós fizemos o achamento do mundo com os nossos barões e beirões assinalados é justo que lhe ditemos as modas.

     
  • At 11:04 da tarde, Blogger Armando Rocheteau said…

    Grande caixa de comentários. Parabéns.
    Dizia 18 há concerto de Los Santeros na Zé dos Bois. Mad Dog também actua. Vemo-nos lá?

     
  • At 4:07 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Gostaria de ir a mais esse grande momento da música nacional mas os fins-de-semana são dias chatos para sair de casa. Perdi-lhe o hábito. E se Lisboa é uma cidade aborrecida durante a semana, nos sábados e domingos, a pasmaceira é proverbial.

    Para além disso tenho que pôr a escrita em dia. Tenho que ter o próximo post pronto no fim-de-semana.

     
  • At 9:47 da tarde, Blogger A Chata said…

    Cuidado que este palacios informaticos têem uma certa tendência para se tornar um nadita 'melgas'.
    Sem mais aquela, começam a fazer perguntas, por tudo e por nada.
    Quer actualizar o seu destktop? Quer fazer arquivo disto ou daquilo?
    Quer instalar uma nova verzão xpto do anti-virus?
    Ainda se a pergunta fosse:
    Quer que pinte as paredes da sua casa?
    Quer que lhe arrume a casa?
    Isso é que era!

    Concordo consigo nessa da guerra.
    Acho mesmo que os problemas actuais só se resolveriam com uma redução drástica da população mundial para niveis da Idade da Pedra.(Para depois começarem tudo de novo).

     
  • At 8:13 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Achata: cuidado com esses desejos apocalípticos. Porque, a não ser que já se tenha suicidado depois de colocar o post, atitude exemplar que contribuiria sem dúvida para a «redução drástica da população mundial», ficará sempe na incómoda posição de ter de decidir quem vai e quem fica. Tarefa que lhe dará certamente uma grande trabalheira e que, deixe-me só acrescentar, atendendo a tentativas passadas nem sempre traz bons resultados.

     
  • At 4:27 da tarde, Blogger A Chata said…

    ana cristina
    desejos apocalípticos??
    Não, não tenho. Tenho filhos e netos, como poderia?

    Acontece que não sou cega, nem surda, sei ler e a imagem que tenho da situação neste planeta e da raça humana que o habita me leva a ter que admitir que talvez caminhemos para aí.

    Pode dizer que sou pessimista.

    Qual é futuro que prevê para os biliões de seres humanos (que continuam a reproduzir-se) e que se encontram cada vez mais concentrados nas zonas urbanas?

    O facto da alimentação estar a aumentar de preço (por escassez de produtos), a água potável a diminuir, as secas, as cheias, as
    tempestades a devastar colheitas não lhe diz nada?

    O facto de a distribuição de riqueza ser cada vez desequilibrada, para 'meia-dúzia' de multi-bilionários haver milhões de pessoas a passar fome e/ou a trabalhar em regime de escravatura, não lhe faz pensar em conflitos sociais graves eminentes?

    Qual é a sua perspectiva do futuro da raça humana?

    "a não ser que já se tenha suicidado " ??????
    "quem vai e quem fica. " ????????

    Parece-me que é um nadinha mais complicado que isso...

    Meter a cabeça na areia como a avestruz também pode não dar bons resultados.

     
  • At 5:12 da manhã, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    cara achata, lamento desapontá-la mas não tenho qualquer perspectiva sobre o futuro da raça humana: o assunto ultrapassa-me. idem sobre o das tão divertidas avestruzes.

     
  • At 12:49 da tarde, Blogger A Chata said…

    cara ana cristina
    Boa resposta.
    Creio que a tradução é:
    "Ok, ok mas, não me melgues."

    Como dizia o Vasco Santana para o candeeiro:
    Entendi-te!

     
  • At 4:18 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    O efeito dissuasor das multas de trânsito

    O valor das multas de trânsito deveriam ser em função do valor do veículo. O efeito dissuasor de uma multa de 100 euros não é o mesmo para um proprietário de um veículo de 10.000 euros e para um outro de 100.000: Assim, a multa para a mesma infracção deveria ser 10 vezes mais alta no segundo caso!
    Não acho válida a aferição em função do IRS, como acontece nalguns países, porque por cá o sistema é falível e por isso injusto (lá não sei?): consideram-se abastadas pessoas cujos rendimentos são medianos, e, por outro lado, há situações absurdas de outras pessoas que apresentam ao fisco recursos ou medianos, mas habitam em locais de luxo e possuem veículos também de luxo, novos, topo de gama, cujo valor é de dezenas e até centenas de milhares de euros.

    Zé da Burra o Alentejano

     

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