Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

terça-feira, setembro 25, 2007

Como na farmácia

Quem nos viu como os arrabaldeiros da Europa não nos reconhece. Enroupados de sofisticada Victoria’s Secret, no corpo e no espírito, amostramos requinte e design. O descalçado povo do xaile e da camisa quadriculada, lamentador e choramingas, foi tumulado ad perpectuam. Desemboca na liça internacional um sempre-em-pé que não conhece derrotas. O “toma” do zé-povinho, de Rafael Bordalo Pinheiro, já não vem acompanhado do manguito, mas sim de vitorioso “V”. Estamos no paraíso da Phoebe Cates! Dantes fugiam de nós como se fossemos o Stinky, hoje, achegam-se-nos como se a Gisele Bündchen, a Alessandra Ambrósio, a Sasha Pivovarova ou um íman dos brinquedos Mattel made in China, fossemos. Um português é um viramexe, primicério naquilo que faz, coruscante no que produz, firme e hirto no que consome. Ao torresmo e ao tintol ajuntou-lhes os bens culturais. Burilaram-se os gostos. “A perna? A asa? O peito? / Muito superior, sobretudo em direito / Canónico. Uma asinha, Eminência? Talvez / A possa amaciar, regando-a com xerez. / A ave é rija demais para velhinhos doentes…” (o cardeal de Montmorency, servindo o faisão ao cardeal Gonzaga, em “A ceia dos cardeais”, de Júlio Dantas). Faisão na barriguinha. Xerez no fígado. Música qualificada nos ouvidos. Desde que seja dentro, ou no jardim, do Centro Cultural de Belém, consome-se “Toccata and Fugue in D Minor” de Johann Sebastian Bach – tocada pelo vulcão do violino, Vanessa Mae.

O CCB é o chão sagrado para consumo de bens culturais porque aí a ASAE garante a qualidade. E os inspectores fazem regulares rusgas para verificar os frigoríficos e as arcas congeladoras. Não querem incorrer no risco de intoxicar os cândidos espectadores por consumirem “Faster, Pussycat! Kill! Kill!” em vez de modern art. (“Faster, Pussycat! Kill! Kill!”, de 1965, realizado por Russ Meyer, com Tura Satana, Haji e Lori Williams é um dos melhores filmes de sempre por mostrar “aquilo que o meu povo gosta” – sexo e violência gratuitos. Uma aventura de raparigas sem regras e punhos de ferro que se transformou numa influência marcante na “cultura pop”. Quentin Tarantino presta-lhe homenagem no seu contributo para a experiência grindhouse, o filme “Death Proof”. Nele Jordan Ladd usa uma t-shirt com Tura Satana. Noutro filme, “Hard Core Logo”, de 1996, do canadiano Bruce McDonald, sobre o trajecto de uma banda punk nos dias do caos e do sem futuro, o cáustico nome “Faster, Leonard Cohen! Die! Die!” surge numa lista de bandas punk). E quando se fala de punk rock é difícil bater “New Rose” dos The Damned.

Ou, então, que apareça no CCB o “Anémic Cinéma”, de Marcel Duchamp do período dadaísta. (“Cinema Anémico” foi feito por Duchamp, com a massa do primeiro pagamento da sua herança, no estúdio de Man Ray, com a ajuda de Marc Allégret. As palavras no filme são de Rrose Sélavay. Um pseudónimo de Duchamp, vestido de gaja, e que lido em francês tem um som parecido a “Eros c’est la vie”). O crítico do American Art News foi aquele que melhor compreendeu o dadaísmo e escreveu: “a filosofia Dada é a coisa mais doentia, mais paralisante e mais destrutiva, alguma vez saída do cérebro humano”. A América por ser um país anti “ismo” em technicolor é Dada. Os cidadãos são Dada. (Por exemplo, a cidadã modelo Monica Lewinsky afirmou: “votei republicano este ano; os democratas deixaram-me um sabor amargo na boca”). E o actual presidente americano
é o supremo sacerdote Dada. A Europa, com os seus amargos de boca também, tenta salvar-se por Dada. Para isso a Comissão Europeia pretende delinear uma política cultural para a Europa. Se o Estado promove a Cultura e obtém artesanato e folclore. Um supra-estado obterá agentes culturais e tachos e muitos polícias para verificar. Vence Dada. Ou será Gagá? (Diz-se que Dada é um composto das palavras “da” “da”, em romeno, “sim” “sim”. Ou, atendendo à atitude dos dadaístas, perante os sagrados cânones da produção de arte, “sim, abelha, já te atendo”. Outros dizem que Tristan Tzara tirou o nome ao acaso do dicionário francês, onde “dada” é uma palavra do vocabulário infantil, e significa “cavalinho de madeira”). Possivelmente a ASAE aprovaria Natalie Dessay, no CCB, com “Ah! non credea mirarti” de Vincenzo Bellini.

O foguetório pelo nosso súbito enriquecimento, cultural e outro, foi nuclear. Do país do “nada dá certo” (em sotaque brasileiro) saltamos para o “aqui não há derrotas”. Quem sempre esteve atado num terrível nó siamês humano, hoje dança mais ligeiro que um nietzschiano. Somos tão bons que em Portugal o Cigarette-Boy funciona. (Cigarette-Boy é um livro, de Darick Chamberlin, hipoteticamente escrito por uma máquina com ordens para funcionar como uma máquina. Termina com “now start: [start…]::”. Pelo meio há uma história de guerra sobre engenharia genética, manipulação do tempo e batalhas de naves espaciais. É uma espécie de “On the road” na linguagem dos computadores. Quase impossível de traduzir e de ler. Mas com esta descrição de tempo: “they are the golder niner key men: but that is certainly no easy to reach: a year… two years… one drop of sweat… two drops of blood: no one knows”; ou esta forma de recreação da época em que decorre a acção: “meanwhile a rocotroubadour sang old songs to captain sterling and his men like “the raggedy cadets” and “never trust a soldier” and “dump virgin”; ou esta espectacular descrição de personagens: “everyone who knew the fossil fourth master knew the flower girl: blue begonia girl: antoinette code girl: lunar 5 sufficient “save” girl: [baroque fleck socialist apricode bee perfume coral girl]”). Na engrenagem das máquinas humanas, os velhos Kraftwerk nunca enferrujam, com “The Robots”.

A esperança realizada deu-nos a alegria e a desenvoltura da Desiree esquadrinhando os seus biquínis. O padre e o sacristão vestem-se nas melhores lojas de “Roma” de Fellini. Por cá não veremos a “polícia da moda” nas ruas mesmo que os homens vistam casacos cor-de-rosa. Sentimo-nos como a criança na loja de doces ou como Cynisca quando ganhou os jogos olímpicos. (Cynisca, um princesa espartana, consta na História como a primeira mulher a ganhar os jogos olímpicos antigos. Apesar destes serem exclusivos dos homens, Cynisca vinha de Esparta, tinha uma educação para o desporto e venceu a corrida de quadrigas em 396 AC e em 392 AC). Seremos o único povo capaz de ouvir a melhor anedota do mundo sem morrer a rir de tanta barrigada levamos no Parlamento e na bicha das Finanças. E o Gilberto “ saberemos assumir a responsabilidade dos nossos actos” Madaíl também ajuda. De facto, conseguimos esta invejável posição com muito esforço. “À pata, aias, à pata”, diria D. Leonor, mulher de D. João II. (Segundo conta a lenda, em viagem para Leiria, D. Leonor teria passado pelas Caldas onde viu o povo banhando-se em cálidas águas. Disseram-lhe que eram boas para curar doenças. Ela experimentou a banhoca e seguiu viagem. Mais à frente uma ferida que tinha no braço desapareceu. Ordenou que a comitiva regressasse e mandou construir um hospital na zona. Meteram-se a caminho outra vez mas as bestas estavam cansadas, então, manda todos apear, gritando: “à pata, aias, à pata”). Ficámos tão bonitos por dentro e por fora que, “I’m too Sexy for My Shirt”, como dizem os Right Said Fred.

Não foi bem à pata que engrandecemos. Foi antes com bons especialistas em Relações Públicas. A prestação da Selecção Nacional de Rugby no Campeonato Mundial de França foi pela primeira vez grandiosa. No jogo contra a Nova Zelândia colocaram a fasquia alta como se espera de um povo ganhador. Não queriam ser derrotados por mais de 100 pontos. Infelizmente, os All Blacks marcaram 108 e Portugal ficou-se com 13 pontos. Mas como dizia São Jerónimo, “a força do diabo está nos seus rins”, e… num golpe de rins não aconteceu derrota. Foram eles que melhor cantaram o hino e fizeram outras coisas de maravilhar. Hoje não há hipótese de perdermos a maré, nem para o Inferno, como na época de Gil Vicente. (No Auto da Barca do Inferno, o diabo: “Entra! Põe aqui o pé!”. O parvo: “Houlá! Nom tombe o zambuco!”. O diabo: “Entra, tolaço eunuco, que se nos vai a maré!”). No desporto e na política as vitórias pulam para a rede. Certo dia, o ministro da Justiça, Alberto Costa, estava arrebatado: “nós queremos que a Europa fale a uma só voz contra a pena de morte, queremos que ela emita hoje uma mensagem forte, que seja audível nos outros continentes. Por isso, vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para obter essa mensagem forte”. E fez. A Polónia bateu o pé e a “mensagem forte” engasgou-se. O ministro cai em pé. Diz que foi “um episódio” numa displicente atitude igual à raposa da fábula de La Fontaine. Neste clima eufórico o fantástico vídeo de “Kapital” do grupo bielorusso Lyapis Trubetskoy poderia ter ser feito em Portugal.

É mais que certo que Portugal, se ouvir as palavras sábias de Napoleão Bonaparte, “uma constituição deve ser curta e obscura”, dará ao mundo e à Europa também… uma Constituição. Vamos açambarcar foguetes para a festa. Festarola antiga do balão e do salto sobre a fogueira. O passado cinzento coloriu-se. Temos de tudo como na farmácia. Cultura, civilização, capacidade para pôr a coisas a funcionar. Não é preciso mexer mais na equipa. Eis um eco do passado, quando água e ideologia eram puras, que não ouviremos mais, por termos enterrado a necessidade de mudanças, Natalie Cardone, cantando "Hasta Siempre”.

terça-feira, setembro 18, 2007

Não tarda nada
Aristóteles, na sua obra “Arte Poética”, distingue as duas formas originais de Teatro – a Tragédia e a Comédia. Segundo ele, a Tragédia relata a vida dos homens superiores, os heróis, (a elite, diríamos hoje), enquanto que a Comédia conta a lufa-lufa dos homens inferiores, os vulgares habitantes da cidade (os eleitores ou consumidores, numa linguagem actualizada). As tragédias continuam exclusivas dos poderosos. Se não a vivê-las, pelo menos a provocá-las, como un voie d’oiseau pelos “kus de judas” do mundo demonstra. Ou então, pelos nomes familiares com que baptizam as bombas ecológicas. Os americanos chamam carinhosamente “Mother Of All Bombs” ao seu projecto para matar através do vácuo e de uma temperatura do caraças. Os ainda mais afectuosos russos, “Dad Of All Bombs”. E os terroristas que irão testá-las não terão tempo de pronunciar “Son Of All Bitches”. Ou “Schrei” (grita) como goelam os putos do grupo alemão Tokio Hotel.

(A bomba americana, com o nome técnico de GBU-43/B Massive Ordnance Air Blast, tem um poder equivalente a 11 toneladas de TNT. A russa, ainda sem nome, explode num bonito efeito fireball correspondente a 44 toneladas de TNT. “Tudo o que é vivo simplesmente desaparece”, mas é totalmente amiga do ambiente, garante o general Alexander Rukshin. Aliás, como a ianque, estes petardos só vaporizam seres vivos. Os prédios nem tiçonados ficam. Ao contrário dos taliban, que explodiram as estátuas dos Budas de Bamiyan, o mundo civilizado tem as suas prioridades acertadas.) Esta dificuldade dos compostos de matéria orgânica para lidar com tragédias fez os Panic! At the Disco optarem por escrever sobre pecados na canção “I write sins not tragedies”.

O progresso económico diminuiu os adereços para fazer comédia porque de barriga cheia e electrodomésticos comprados tornamo-nos mais espirituosos. Rimo-nos por anedota e meia. No início do século XX, Charlie Chaplin contou a sua fórmula: “tudo que preciso para fazer uma comédia é um parque, um polícia e uma rapariga bonita”. Mas na alvorada do século XXI estes itens reduziram-se. Um cómico e uma assistência são suficientes para galhofa certa, e, em Portugal, nem isso. Para nós basta um político e um auditório partidário, e as bandeiras despregam-se de tanto rir. Somos bem-humorados como a Tokyo Ska Paradise Orchestra.

O piadético António Vitorino, no encerramento do Fórum Novas Fronteiras, casquinava veladamente sobre Luís Filipe Menezes e, sem querer, deu a melhor descrição de político na oposição. Afirmou ele que o candidato ao trono de Marques Mendes “apenas quer aparecer na televisão de manhã quando fechar uma empresa, à tarde quando fechar um centro de saúde e à noite a pretexto do que quer que seja, nem que seja o fecho do telejornal”. Depois desta definição laminar do político desencaixado do tacho certo, o piadista do PS “direitavolveu” o seu sentido de humor contra o Bloco de Esquerda, cujos filiados “juram solenemente que não se coligarão” com o partido da rosa empunhada. Primeiro, fez-se de anjinho na definição de “coligação” explicando à rendida assistência: “eu, ingenuamente, pensava que para haver uma coligação eram precisos pelo menos dois. Não notei que nos tivessem perguntado se nos queríamos coligar com alguém”. Em seguida remata com oitocentos (e tal) anos de imaculada virilidade: “equivale a eu declarar de forma solene perante vós: não tenho intenções de me casar com a Angelina Jolie”. Na sala, uma militante, que lhe conhecia o carácter galifão, gritou: “não é que não gostasse!” – “Hey Good Looking”, dedicar-lhe-ia Hank Williams, se o conhecesse.

Outro humorista mais cabeludo actua em Washington. Yowwwww! Deeedle-leedl-lee George W. Bush, na Sala Oval, botou o discurso da vitória em processo sobre as forças do Mal no Iraque. Afiançou que o seu “em força para o Iraque” resultou. Os relatórios do general David Petraeus e do embaixador Ryan Crocker são tranquilizadores. No Natal regressam 5 700 boys e depois reduz-se o número de brigadas de combate consoante as necessidades no terreno para derrotar o inimigo. Promete que até os gatos serão felizes no fim do job done. Ooh-rah! Hoo-ah! (gritos das tropas, a umas palavrinhas de ocasião de Wbush, quando ele foi ao Iraque meter a cunha ao Petraeus e ao Crocker para não escreverem um relatório demasiado negativo). Contas feitas, Wbush apresentou planos para retirar os 30 000 soldados que foram injectados em Janeiro para pacificar o Iraque. E um observador ingénuo poderia deduzir que, não sendo retirados todos, ficou tudo na mesma. Mas a coerência lógica de Wbush e dos seus advisers veio de outro planeta. Eles vieram de Marte para nos amar como se pode ouvir nos Killer Barbies.

No final do discurso, “Dabliú” dirigiu-se directo ao coração das famílias. Leu um e-mail da família do soldado Brandon Stout, de Michigan, voluntário da Guarda Nacional, que morreu em Bagdad. Wbush comove os telespectadores do prime time: “a sua família sofreu muito, no entanto, na sua dor, eles vêem o grande desígnio. A sua mulher, Audrey, diz que Brandon sentiu-se chamado para servir e sabia porque estava a lutar”. Os pais, Tracy e Jeff, escreveram: “nós acreditamos que esta é uma guerra entre o Bem e o Mal e que nós temos obrigação de ganhar… mesmo que isso custe a vida do nosso filho. A liberdade não é grátis”. (E, 1 220 580 de iraquianos mortos, desde 2003, em consequência da libertação americana, não é um preço por aí além). Quando um presidente está metido numa tinideira é reconfortante ver as suas palavras de sempre repetidas com fé pelos súbditos e que, mesmo com os filhos aos pedaços dentro de caixões, desejam um final feliz para o filme. Talvez por isso, um dos melhores finais de sempre é a explosão da casa no deserto, ao som de “Careful With That Ax, Eugene”, dos Pink Floyd, no filme “Zabriskie Point”, de Michelangelo Antonioni.

(Na verdade a cena final do filme foi alterada. Na versão de Antonioni uma avioneta cruzava o céu do deserto com uma faixa dizendo: “fuck you America”. Louis F. Polk, presidente da Metro Goldwyn Mayer, cortou essa e muitas outras cenas. James T. Aubrey, o sucessor na presidência, voltou a colá-las, excepto a da faixa. “Zabriskie Point”, estreado em 1970, é o primeiro filme de Antonioni rodado na América. Protagonizado por Daria Halprin e Mark Frechette e, quem tiver boa visão, consegue ver Harrison Ford algures entre os manifestantes. Ela no papel de Daria, a secretária de um magnate, idealista e arejada. Ele desempenha o papel de Mark um jovem radical contestatário anti-establisment. Nenhum deles tinha experiência como actor. Frechette vivia numa comuna de Bóston chamada The Lyman Family, liderada pelo músico e guru Mel Lyman, envolvido nas experiências de Timothy Leary com LSD. Foi descoberto, pelos caça talentos de Antonioni, numa paragem de autocarro pela maneira como gritou “motherfucker”. Depois do filme, em 1973, Frechette meteu-se num assalto a um banco de Bóston, que ele declarou como político, e apesar da sua arma não ter balas foi condenado a 15 anos de prisão. Apareceu morto no ginásio do Massachusetts Correctional Institute com o pescoço partido por um alter. Daria casou-se (1972) e divorciou-se (1976) de Dennis Hopper. É psicóloga, escritora e bailarina. Richard Wright compôs ao piano “Us And Them” para a cena final mas Antonioni contestou: “é bonito, mas muito triste, sabes? faz-me pensar em igreja”. A faixa foi incluída no álbum “The Dark Side Of The Moon”. “Zabriskie Point” é um fresco sobre a Contracultura, os anos 60 e uma crítica à sociedade americana, feito por um marxista que filmava de forma peculiar os ricos).

O théatron grego era o “lugar onde se vai para ver” mas quem quer ver também pode vir à Europa. Por força dos dirigentes que medram no ancião continente, Europa e Estados Unidos, estão a ficar tão diferentes como a Kate Moss musicada por Philip Glass ou a Kate Moss musicada pelos White Stripes. A UE quer bloquear os sites que ensinam a fazer bombas mas, Franco Frattini, Comissário da Justiça e Segurança, acordou com uma ideia ainda melhor. Proibir o acesso a palavras perigosas como bomba, morte, terrorismo ou genocídio. Segundo o italiano, a Internet não pode ser um meio de difusão de conceitos ligados a este flagelo e ensinar a fazer explosivos nada tem a ver com a liberdade de expressão ou informação. Para sustentar tal interdição invoca, não Júpiter ou Quirino (ou Rómulo, fundador de Roma), mas os valores supremos da protecção dos direitos dos cidadãos e do direito à vida. Proibir é bom. Mas o italiano anda com os fusíveis trocados. A origem de todos os males não é o terrorismo mas o sexo. Se fosse proibido, não nasceriam comissários italianos, ou outros. Devia-se criar filtros na rede para proibir palavras como troquilheira, pécora, flausina ou mamma mia. Para que não apareça a Veronika Raquel seduzindo os jovens para a pornografia, que leva ao sexo, à fecundação, à sala de espera da maternidade e ao charuto. Perdido por um comissário europeu, perdido por mil, “Destroy 2000 Years of Culture”, exigiam os Atari Teenage Riot (banda formada por Alec Empire, Hanin Elias e Mc Carl Crack, herdeiros, na música e na estética, do grupo Baader-Meinhof).

Não tarda nada estão a proibir fumar nos espaços públicos. Nem sequer será permitido ouvir o “Melo do Tabaco”, da melhor banda brasileira, Bonde do Rolê, por escreverem letras obscenas.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Valentes como os fãs de futebol

Tata-rara tocam as cornetas a reunir para salvar a pátria de Cristiano Ronaldo. Respira-se outra vez o clima rebelão do ultimato inglês de 1890. Urge ler o poema “Finis Patriae” de Guerra Junqueiro (inspirado pelo sentimento anti-britânico nacional após o fiasco da pretensão de ligar Angola e Moçambique por terra) no intervalo das “Chiquititas” para acicatar o patriotismo da mocidade heróica e bela. Que verta o sangue ébrio contra a desleal terra de Wayne Rooney. Ó cínica Inglaterra que cambiaste a palavra de Deus pela de Wbush. E compras a alma do Islão com beer e fish ‘n’ chips. A tua honra é inútil floppy disc. Pela estrada fora da História, ó império daninho, vai uma Polícia seguindo o seu norte magnético, e tu o salteador do “stand and deliver” que lhe sais ao caminho, com a manha da City e a coragem do pub, a roubar-lhe os anéis da fama, do prestígio e da competência! No poema, Guerra Junqueiro pôs todas as figuras da nossa portugalidade a falar. (Passados mais de 100 anos não mudaram muito. Na nação dos “debates de actualidade no Parlamento” Bob Dylan não nasalizaria “The Times They Are A-Changin’”).

Falaram choupanas dos camponeses. Falaram pocilgas de operários. Falaram casebres de pescadores. Falaram os hospitais. Falaram as escolas em ruínas. Falaram as cadeias. Falaram condenados. Falaram as fortalezas desmanteladas. Falaram os monumentos arrasados. Falaram estátuas d’heróis. E uma premonitória voz na treva avisa que Deus martela dia e noite a tumba onde dormirão os ossos da pátria lusa. O castelo, símbolo do pundonor lusitano, responde “não” à escuridade. Ela que arrede porque depois de emborcar mais uns copitos ele vai para a rua gritar vivas a el-rei – ó execranda sorte, afinal o príncipe Simão (depreciativo usado por Junqueiro contra o rei D. Carlos que tem “Simão” algures no seu extenso nome de Carlos Fernando Luís Maria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon e Saxe-Coburgo-Gotha) só sabe caçar e não os tem no sítio para nos conduzir. Os ingleses ficam-se a rir e… com o Zimbabué. Serão os portugueses gabarolas? “A little bit, sometimes” parece responder o invulgar grupo islandês Múm.

(A lusitana bazófia dos fins do século XIX resultou em poemas, música e valentonas discussões de tasca, somente porque os canhões ingleses não entraram a barra do Tejo. Se a marinha inglesa tivesse embicado para Lisboa, a dupla Alfredo Keil/Henrique Lopes de Mendonça, teria escrito o “Bebé Lilly” em vez d’ “A Portuguesa”).

O contemporâneo apelo pela sangueira foi despoletado pela zombaria dos ingleses sobre os métodos e procedimentos da nossa Polícia (grosso modo). Jornais e gentes troçam, tomando-nos por peludos, pançudos, nanicos e parduscos autóctones cultivadores de uvas. Invejosos da nossa grandiosa sina querem ver-nos em queda como duas estrelas americanas. O escritor de telenovelas (pretensiosamente abeiradas do relato histórico), Moita Flores, não é um Junqueiro, mas pode ser o papagaio real que berra “o silêncio do Governo é ensurdecedor”, porque não defende os seus ex-colegas enxovalhados nos canais de TV e gazetas bretões. A nossa Polícia só tem êxitos para mostrar. Não lhes roubem os anéis. São peritos gabaritados pela comunidade internacional. Os seus interrogatórios assemelham-se a um concerto da Spanking New Orchestra, mas mais artístico, com punhos fechados e aparelhos de vídeo pelos cornos abaixo, pontuado pelos ais allegro vivace dos criminosos. Não há malfeitores felizes em Portugal. Um polícia traz a tiracolo uma espingarda carregada de soluções, diria Manuel Alegre, se prosasse. Apepinar polícias é cuspir numa instituição que dá polposos frutos desde o tempo de Salazar. (A primeira corporação parecida com a actual Polícia é a Intendência-Geral da Polícia, criada em 1760, pelo marquês de Pombal e sem dúvida que lhe deu bons frutos. Mas só no Estado Novo é que a crisálida se abriu numa formosa borboleta). Os Okkervil River cantam que “Our life is not a movie or maybe”. Nós não temos dívidas, com os nossos ardilosos defensores da lei, ela é um filme com happy end.

Actualmente a nossa força não vem da torre do Outão (forte de Santiago de Outão, na margem norte do rio Sado, que defendia o litoral) mas do campo de futebol. A relva tem sobre nós um efeito similar ao cabelo de Sansão. As quatro linhas e um comentador insuflam-nos de hélio para altos voos. Do campo partimos, quais marinheiros do Cais das Colunas, para competente trabalho, produção de renomeada ciência e sucesso no estrangeiro. Cesário Verde poetava “povo! No pano-cru rasgado das camisas uma bandeira penso que transluz” porque não tinha estádios no século XIX. Não são de camisas que se fazem bandeiras. Elas são feitas de jogo corrido, conferência de imprensa e balneário (e de brincos de diamantes, com as iniciais do nome, como no Ricardo Quaresma). Por isso, se o trinfar da andorinha anuncia a Primavera e o quá quá do pato prenuncia arroz, o brasileiro de Scolari rufa tambores. Ele avisou: “não podemos ser passarinhos em campo”. E o solo pátrio é um grande campo e o nosso maior desafio corrente é defender a Polícia. O Mister lembrou que um tapa na mão dói. Logo, a luta será dolorosa, mas vamos mostrar aos ingleses que “mesmo uma pessoa racional… erra”, e eles erraram na avaliação das capacidades da nossa Polícia, que é capaz de criar uma fantasia e impingi-la a um juiz, como as melhores. O rapper francês Soprano incentiva-nos com “Halla Halla”, filmado no estádio de Vêlodrome, do Olympique de Marselha.

Por Cavaco Silva ser um sopinhas de massa, pior que D. Carlos, – o monarca ainda gostava de andar à chumbada no javali e pintar passarinhos, Cavaco contenta-se com botar discursos e passeatas –, seguimos Scolari como pirilampos, mesmo que a sua forma de esmurrar seja tão estranha como um solo de órgão de Sun Ra. Pode parecer uma mulher a socar mas também aí temos uma lição: a luta pela honra nacional é bissexual. As mulheres são um estandarte desde Dona Tareja (mãe de Afonso Henriques). Nas armas, como as mulheres dos Primeiros-Ministros (poder executivo) e nas rezas, como as mulheres dos Presidentes da República (poder decorativo). Não podemos esquecer que, na terra da irmã Lúcia, quando a investigação policial falha, a missa é como o Liedson – resolve. Durante o rapto do português David Barreto Alcedo e três menores na região de Táchira, na Venezuela, a comunidade local uniu-se para rezar. No Centro Marítimo da Venezuela, em Turumo, leste de Caracas, mais de cem pessoas jogaram pelo seguro. Não pediram pela intervenção de uma, nem de duas, mas de três Virgens Santíssimas. Rezador prevenido vale por dois. Invocaram o poder da Nossa Senhora da Saúde, da Nossa Senhora do Monte e da Nossa Senhora de Coromoto (padroeira da Venezuela). E deu resultado, os putos apareceram e foram logo comer hambúrgueres para o McDonald’s. O homem? Ainda continua sequestrado mas, se adicionarem mais umas Nossa Senhoras na missa, estará junto dos seus na volta do rosário. “You only live once” bem explicam os The Strokes, assim é preferível estar de bem com as Virgens do céu... na terra.

A violência policial não é condenável. Minha nossa! São foras-da-lei. A nossa cultura de banda desenhada aceita o “snict” das garras de Wolverine, saindo dos punhos para estraçalhar um supervilão, também topa uma carga de porrada num preso algemado. (Os americanos reconhecem a inevitabilidade de chegar a roupa ao pêlo nos interrogatórios dos terroristas e outros que os chateiem). Mas nem a violência em geral deve ser condenada de ânimo leve. A nalgada, por exemplo, tem antigas tradições e é gabada por agressores e agredidos. Até uma carga de milho mais robusta não faz mal a ninguém. Pode ser salutar. Laurentino Dias, secretário de Estado do Desporto, numa tertúlia comemorativa dos 120 anos da Associação Académica de Coimbra, confessou como nasceu para a política. Ainda caloiro, três anos antes do golpe militar de Abril74, assistiu a uma carga da GNR e foi a epifania. Afinal, alombar (ou ver os outros a alombar) com o cassetete é tão bom e revelador como carregar nos botões das Pussycat Dolls.

O futebol tem sempre prevalência sobre a Polícia. Disto é sintomático a súbita alteração de entrevistado no programa “Grande Entrevista” da RTP. A estação de TV, para a qual pagamos taxa, publicitou a presença de Paulo Perreira Cristóvão, autor do livro “A estrela de Joana”. O escritor Cristóvão é um ex-inspector da PJ que participou nas investigações do desaparecimento de Joana Cipriano. (Note-se que PJ tem produzido mais escritores que as Faculdades de Letras do país todas juntas). O livro terá a sua importância no panorama literário português por encetar um género novo – a ficção sobre ficção. Caldeando fantasia e “ciência” a PJ solucionou o caso a contento e, escrever sobre isto, será obra de arte, catrâmbias! Cristóvão, como todos os escritores, fazia a tournée promocional da sua obra, visitando todos os canais de TV, mas foi traído pelo soco de Scolari. Foi substituído no programa de Judite de Sousa pelo treinador nacional. Scolari tinha que limpar a imagem da negação (Pedro negou Cristo três vezes) da agressão ao jogador sérvio Dragutinovic feita na primeira conferência de imprensa. Somos “Common People” garantem os Pulp.

domingo, setembro 09, 2007

País grande
Um povo quando nasceu grande não encolhe. Os audazes lusos têm cumprido os destinos que Deus, por graça e obra, lhes designou. Primorosamente misturaram Cro-magnon com Sapiens. Valentemente enxotaram os romanos. Devotamente cortaram as goelas do mouro. Precipuamente construíram um país. Espectacularmente acharam o mundo. Definitivamente mostraram ao castelhano who’s your daddy? Republicanamente inglesaram a casa de Bragança. Militarmente pescaram a democracia. Padinhamente repartiram subsídios da UE. Geneticamente aprimoraram-se. E… outros advérbios de modo que cruzaram o nosso passo. Mesmo assim os derrotistas, os pessimistas, os cabisbaixos, os velhos da Baixa-Chiado (antigos “velhos do Restelo”) moncam ainda no lenço do costume – dos pobres coitadinhos do triste destino – apesar das evidências quotidianas revelarem-nos capazes de grandes feitos. (Quiçá inspirados nas nossas castanhas e vinho, os Manic Street Preachers escreveram “Autumn Song”, mas enganaram-se na mensagem. Os melhores tempos não estão para vir. Já cá moram. Na nossa barriguinha).

“Grandes” é favor. Ainda não foram cunhados adjectivos, substantivos ou advérbios capazes de circunvalar a nossa dimensão. Enquanto as Academias de Letras de Portugal e dos PALOP não adoptam o taylorismo para fabricarem os novos nomes da “era Cristiano Ronaldo” somos obrigados ao calaceiro expediente do uso do inglês. Os portugueses são great. Com cotação máxima na bolsa do prestígio, entre países, reinos, principados e ducados, quando entramos em campo, ouvimos: “o português resolve”. Caíam sapos ou canivetes estamos lá com soluções (e cafézinhos). Nós tutuamos os urgentes problemas (internos, externos, extraterrestres) com a desenvoltura de uma repórter de televisão que não perde o profissionalismo perante o inesperado ou um cacilheiro acostando no cais no Inverno. Um préstito de requififes aformoseia nossa Gloria in excelsa Deo (“Glória a Deus nas alturas”) forma de ser. Não nos falta nada. Temos tudo como “Los microfonos” da Tata Golosa.

Quisesse a irmã Lúcia conceder-nos a mercê de enviar de volta o Ary dos Santos para ele vir ver isto. Quão arrebatado ficaria. Alapado na pastelaria Vavá reformularia a sua “Tourada”. Neste Portugal não há arenas com desfiles de vaidades nem passes de muleta em falso. Em vez de uma “Tourada”, Ary encontraria uma “Goiabada”, docinha como beijos da Madonna, enfrascada seguindo as normas de higiene e qualidade. Ary reconheceria que nós pegamos o mundo pelos fundilhos do principal e fizemos da alegria, centro comercial. E cá dentro… entram polícias, procuradores e direitos humanos. E carradas de advogados. Entram carrões, cornos e alacridade. E alguns empreendedores. Soam brados e yippie ki yays. Entram os bifes depois do salmão. E na estranja… não importa objecções ou reclamações, polacos ou eleitor. Empurramos com as mãos e os pés o Tratado Reformador. E o inteligente ministro dos Negócios Estrangeiros conduz o bailado nas ruas de Viana do Castelo. Chocas, vacas, velhos doidos turísticos, com bons tachos nos seus países rodopiaram naquela dança maluca do “olhem como estamos perto do povo”. E repetiram: “como vocês são hospitaleiros”, “como vocês são hospitaleiros”… Portugal não é um rectângulo, nem um paralelepípedo, é uma fita de Möbius. Só tem uma única face. A face da verticalidade e da competência. Heróis somos. Como o herói canadiano da guitarra Pat Travers, temos unhas.

Hospitaleiros? Hospitaleiros sim “brade a Europa à terra inteira” (verso d’ “A Portuguesa” mas não incluído no nosso querido hino). Folheia-se displicentemente o jornal e os exemplos entram pelos olhos dentro. A empresa canadiana Kernow Mining mostrou interesse na exploração de ouro nas antigas minas romanas de Limarinho, em Boticas, e meteu a papelada ao Governo. Os primeiros estudos revelaram resultados animadores. Cautelosos, esses canadianos adiaram a decisão final para depois de análises mais aprofundadas. Alan Matthews, funcionário da empresa, salientou que o processo “ainda está numa fase inicial” explicando que “a mina não vai arrancar amanhã”. O canadiano não conhece a nossa fibra. Nem a santinha que vela por nós junto do divino. Quilates de ouro estão no papo. Para quê esperar? Toca a embandeirar em arco. É festa! É festa! É a corrida ao ouro! É a Califórnia finalmente! Nada de festarolas. Vamos dar uma festa de arroba. Destas organizadas pelo Fatal Bazooka em “Trankillement”.

A vista, ainda enevoada pelo álcool das comemorações, foca uma outra notícia. O presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Campos, teme que o projecto de exploração de oiro em Limarinho seja inevitavelmente parado pela intenção do IPPAR de classificar as antigas minas romanas como património histórico. Desabafa o autarca para o jornalista: “isto só acontece porque estamos em Portugal. Como é possível o Conselho de Ministros atribuir uma concessão de prospecção e pesquisa e, quando o concessionário se prepara para começar a trabalhar, surgir um organismo público a dizer que não o pode fazer?”. Deve ser um edil do tempo em que as galinhas tinham dentes ou os cowboys falavam francês. Não enxergou a piscina de oportunidades onde nadamos. No Portugal grande não há contradições. Oiro haverá sempre. Milhões de pessoas embarcarão para Boticas para ver um buraco na terra com cheiro a romano – chegarão os turistas. Se os portugueses querem dinheiro apenas têm de aprender a fazer truques. Os ursos exibidos nas ruas de Istambul eram espetados com ferros nas mandíbulas para entreterem turistas em segurança. No Portugal grande basta trajes regionais para o campo e Fado para o meio urbano. Vive la Fête essa é “La verité”.

Triliões de turistas viajarão para assistir ao vivo polícias e juízes at work. Os nossos são os melhores do mundo. Muito melhores que o juiz Bean ou o juiz Dredd. Não há casos insolúveis, nem erros judiciais, como nos países que não atingiram o nosso ponto de rebuçado. A imprensa inglesa espingarda com os nossos peritos porque acusaram o casal McCann de matar a filha. O atraso cultural da Inglaterra, em relação a nós, estorva-lhes o entendimento. No país grande não há investigações que dêem com os burros na água. Se pela lógica aristotélica não deduzem o criminoso, os nossos Sherlock Holmes recorrem à psicofonia, ao tarot, aos búzios, à invenção e outras avançadas técnicas para caçar o culpado. Os ingleses até deviam estar agradecidos pela deferência. No caso do desaparecimento da Joana, a mãe, Leonor Cipriano, apareceu com a cara num bolo e uma confissão no dossier da PJ. Katie McCann conservou sempre intacta a sua saxónica fisionomia e liberdade para ir à missa (coisa que negaram a Leonor). Nas justificações das nódoas negras de Leonor se vê a nossa moderna civilidade. No tempo de Salazar (credo cruzes que pérfido ditador) atribuía-se o mau estado do corpo, após interrogatório policial, a uma acidental queda, e não se falava mais no assunto. Mas esta Polícia escrupulosa contactou logo dois médicos, que atestaram os feios hematomas, como sendo resultado de agressão ou queda, confirmando o senso comum de que nas boas explicações não se mexe, aperfeiçoa-se. No país grande, depois de terminada a investigação policial, temos jurisprudência para casos que confundem os povos atrasados pela inexistência de provas. São 20 anos de cadeia quando subsistem dúvidas que o assassino praticou de facto o crime. E, se as provas forem irrefutáveis, o criminoso é retirado de circulação durante 25 anos. “High as hell” cantam os Nashville Pussy. Nós também estamos “pedrados como o caralho” mas em legalidade e Direito.

O país que ouve os violinos de Chopin ou os concertos do Tom & Jerry no Centro Cultural de Belém associou-se ao enterro e às homenagens várias prestadas ao gordo tenor de Modena. E, para provar a nossa grandeza (como se isso fosse preciso), foi um jornal português que publicou a notícia mais importante do mundo: “conheça a história da portuguesa que viu Pavarotti em pijama”. Quando podia falar Mussolini disse que “a poltrona e as pantufas são as ruínas do homem” e os portugueses levantaram o rabo da cadeira, chutaram os chanatos e (hoje) são o futuro. Isso merece “Una notte a Napoli” com os Pink Martini.

sábado, setembro 01, 2007

Pintar o cabelo
A lépida Teoria da Savana surgiu de um artigo publicado, em 1925, na revista Nature, pelo antropólogo australiano Raymond Dart. Escabichando pela África do Sul, Dart concluirá que mudanças climáticas (búúú, búúú, búúú) reduziram as matas e florestas. E, uma espécie ladina de primatas, chamada australopiteco (do grego “macaco do sul”), com 1,2 m de altura e um cérebro 35% inferior ao nosso, por questões de sobrevivência, abandonou a vida arborícola para se adaptar à savana. Nascia o Australopithecus Africanus, erecto e com o cérebro em vias desenvolvimento, antepassado do Homo Sapiens. (A Teoria da Savana tem sido amplamente contestada. Os cientistas também se adaptaram ao meio. Já não procuram verdades científicas. Procuram a patente milionária. Aquela que dá fama e dinheiro). Com o crânio a inflar, razão e linguagem desenvolvem-se, umas cambalhotas evolutivas depois estávamos no Homo Oeconomicus. Definido na Escola Clássica (que defende a “mão invisível” do Estado passada pelo rabo do Mercado para regular os preços) da seguinte forma: “o homem actua exclusivamente em observância de princípios económicos e de interesse pessoal, possui um comportamento racional na tomada de decisões, insere-se num mercado onde existe coerência perfeita e os aspectos de carácter estrutural não influenciam o seu comportamento”. A capacidade craniana na máxima potência, o homem económico caracteriza-se pela mundaneidade (vai às compras) e inteligência (protesta avulso). Mais realistas, os Korn defendem no seu vídeo “Evolution”, que o cérebro humano tem diminuído de tamanho.

Claro que o Australopithecus Afarensis, antepassado do australopiteco africano, (talvez, depende do cientista), não tinha a nossa consciência política para protestar contra as mudanças climáticas (fora, fora, fora), exigindo que elas fossem proscritas da meteorologia para garantir a sua perpetuidade na Terra e tramou-se. Nós não vamos incorrer no mesmo erro. Vamos ser eternos. Quando as neves derreteram nos cumes das montanhas e as estâncias turísticas minguaram, os ricos despertaram para a Ecologia. Tocou o clarim para proteger o ambiente. E bulhentos militantes zuiram contra tudo debaixo do sol e da lua, como se fossem o Marlon Brando, no filme “The Wild One”. Porém, caíram numa algaraviada de cérebro desencarapuçado de matéria funcional, em branco como uma tábua rasa de John Locke, e parecem sofrer de um bloqueio criativo semelhante ao de Gwen Stefani, antes de cair no país das maravilhas, em “What you waiting for?”.

(Na década de 50 surge um novo grupo consumidor – a Juventude. Os filhos dos veteranos da Segunda Guerra Mundial rejeitam a forma de vestir e falar, a música e o estilo de vida dos pais. “The Wild One” realizado por Lazlo Benedek é o primeiro filme sobre essa Juventude. Outro filme famoso será “Rebelde sem causa” (1955) de Nicholas Ray, com James Dean e Natalie Wood. Em “The Wild One” dois bandos de motociclistas confrontam-se numa pacata vila americana. Marlon Brando é “Johnny Stabler”, líder dos Black Rebel Motorcycle Club, conduz uma Triumph Thunderbird 6T de 1950 e catrapisca a filha do xerife local. Lee Marvin como “Chino” chefia o grupo rival, os Beetles. Bebem cerveja em vez do whisky dos velhotes. Querem ser cool e falam um calão alienígena. Sendo um filme de 1953 ouvem Bepop. O Rock ‘n’ Roll, a música desta rebelião, só aparecerá no ano seguinte com “Rock Around The Clock” de Bill Haley and the Comets. “The Wild One” tem um dos melhores diálogos do cinema sobre rebeliões. “Johnny revoltas-te contra quê?” – pergunta-lhe uma das raparigas. Johnny responde-lhe: “tudo o que aí tiveres”).

A revolta contra os cereais transgénicos não faz muito sentido. Os contestatários temem que eles sejam forragem para a nossa barriguinha e que alterarão o nosso código genético ou que irão polinizar as culturas vizinhas gerando alhos com duas cabeças. Mas esquecem-se das prioridades da nossa sociedade. É mais importante a energia para o computador e o combustível para o popó que uma almoçarada ou uma jantarada. Provavelmente a produção agrícola encontrará outros caminhos diferentes do prato. Em Nova Iorque rareia o bom bife (conhecido como USDA Prime Grade) por causa do Programa Nacional de Energias Renováveis dos EUA. O milho é base da ração destas privilegiadas vacas que cedem as carnes para os paladares apurados. Por sua vez os agricultores preferem vendê-lo às fábricas de etanol para receberem subsídios do Governo resultando no bye bye steak. Mesmo assim creio que o risco de fome no mundo tem sido muito exagerado. Vejam este exemplo tirado do Beijing News. Os irmãos Xianchen e Xianyou Meng sobreviveram cerca de seis dias encurralados numa mina, comendo carvão e bebendo urina, enquanto caçavam um túnel para a luz do dia. Xianchen partilhou os seus segredos culinários como um chefe Silva ou uma Maria de Lurdes Modesto globais: “tinha tanta fome que comi um pedaço de carvão, e julguei-o bastante fragrante. Na verdade, o carvão é amargo e áspero, mas podemos chupá-lo em pedaços do tamanho de um dedo. Na mina pegámos em duas garrafas descartáveis de água e bebemos a nossa urina. Só se pode tomar pequenos golos de cada vez, e quando se acaba, fica-se com vontade de chorar”. Quem julgava que apenas vegetais e animais eram papáveis enganou-se redondamente. O planeta, no seu todo, é comestível. E os nossos militantes podem dar uma contribuição enorme para engrandecer ainda mais o país de Cristiano Ronaldo e… na sopa da pedra, comer a pedra, em vez de clamarem por revoluções démodées. “Uma geração envelheceu, outra tem alma, esta geração não tem destino”, cantavam os Jefferson Airplane em “Volunteers”. Mas esta tem novos pratos para degustar.

As mudanças climáticas (não passarão! não passarão!) são como os elefantes. Incomodam muita gente mas não a gente certa. Se a falta de água for uma realidade, e os desertos ocuparem a superfície terrestre, um lugar de certeza ABSOLUTA manter-se-á verde e viçoso – o campo de golfe. Fecundos como os coelhos prevê-se que fibra vegetal não vai faltar. Em último caso os famintos têm manjar assegurado depois de fintarem os Securitas. Quando as estâncias de esqui foram ameaçadas de extinção os ricos entraram em parafuso. Multiplicaram cimeiras, discutiram, criaram impostos verdes e realizaram concertos de música para promover consciência ecológica e, por tabela, os “conceituados” artistas. Imaginem o que farão se lhes comerem a relva. Uma consequência dramática deste cenário seria o fim dos presidentes americanos, que são escolhidos, e formandos nos campos de golfe. Aqui vão uns exemplos. William H. Taft foi o primeiro a trazer o golfe para a Casa Branca. Como pesava 150 kg, ou dormia, ou fugia dos afazeres presidenciais para jogar. E diz-se que terá comentado sobre uma visita do embaixador chileno: “diabos me levem se vou deixar o meu golfe para receber esse gajo”. Warren G. Harding, governou durante a Lei Seca, como gostava de beber, escondia as garrafas de whisky no saco dos tacos. Dwight D. Eisenhower amava o jogo. A primeira coisa que fazia pela manhã era pegar no taco. Construiu um campo na Casa Branca e pôs os serviços secretos a apanhar esquilos que entretanto invadiam o espaço. Quando não jogava, pintava quadros sobre golfe. O verdadeiro fanático! Gerald Ford realizou a cerimónia de perdão de Nixon no World Golf Hall of Fame. Na rua, manifestantes protestavam, enquanto ele discursava sobre a camaradagem do golfe. Para Richard Nixon jogar era passar um dia com os compinchas. Não era bom jogador e fazia batota quando os outros não estavam a ver. Mas, o fim do capim aparado provocará outro efeito ainda mais grave. Sem ele o mundo dos negócios terminará, como descobriram os nossos empresários de sucesso, o “bom negócio” começa no campo de golfe. (Joaquim Oliveira inicia a sua carreira a lavar pratos e a servir à mesa na pensão da mamã. A pensão Roseirinha, em Penafiel. E por lá teria ficado se um dia não descobrisse que jogar golfe era o melhor meio para conhecer as “pessoas certas”). Se os esfomeados atacarem os campos de golfe não faltarão motivos para mais lutas. E nunca se é velho para a revolução, basta pintar o cabelo, porque esta será uma revolução para duros, como a “Revolución” dos mexicanos Brujeria.

Houve tempos mais inocentes quando se acreditava na pureza inicial do Homem. O meio era responsável pela corrupção da sua boa natureza. Arquitectando um meio perfeito obtinha-se homens perfeitos. Karl Marx contribuiu com teoria para este nobre objectivo. Segundo ele, a infra-estrutura económica determina a superstrutura (conjunto de ideias políticas, religiosas, filosóficas etc.). Ora, no modo de produção capitalista, os despojados de riqueza vendiam a sua força de trabalho ao dono da fábrica, que a usava para produzir mais-valia (diferença entre o valor, incorporado no objecto produzido, pelo esforço do trabalhador, e o salário que lhe era pago). Tínhamos uma sociedade dividida em duas classes. A dominante: os proprietários dos meios de produção. E a dominada: os detentores da força de trabalho. Para acabar com esta divisão, que acumulava a riqueza numa classe apenas, era necessário retirar-lhe os meios de produção das mãos. Pela revolução a burguesia desaparecia (ou ia pastar para o exílio) e brotava a sociedade sem classes. Tentou-se na Rússia mas não resultou. Nem os poemas de Maiakovski, (“camaradas, /inventai uma arte nova/que arranque/a República da lama”), salvaram a lama de atingir a ventoinha. E ainda hoje a maior parte da população mundial é obrigada a gritar “Freedom” com os Rage Against The Machine.

Mas quem apimentou a conjecturada revolução foi Wilhelm Reich. Tinha todos os defeitos (da altura). Era judeu, comunista e discípulo de Freud. Fugiu da Alemanha nazi em 1934 para a Escandinávia. Em 1939 entra nos Estados Unidos. Em 1947 começam as chatices por causa de artigos sobre o orgone. A Food and Drug Administration (FDA) manda o agente Woods investigar que diabo era aquilo. (Temiam o conto do vigário. O maior terror de uma economia de Mercado é que o consumidor compre gato por lebre). Conseguem uma ordem do tribunal proibindo que umas maquinetas – apelidadas de acumuladores de orgone – atravessassem as fronteiras federais. Reich desrespeita a ordem do tribunal e arma-se ao pingarelho. Encarrega-se da sua própria defesa, não aparece em tribunal e envia os seus livros para o juiz ler. Fatal! (Hoje sabemos que os juízes só lêem livros de Carolina Salgado ou de Pinto da Costa). Em 19 de Março de 1954, o juiz Clifford ordenou que todos os trabalhos onde aparecesse a expressão “energia orgónica” fossem destruídos e, para completar a limpeza, que o maldito conceito (não tinha sido benzido por Einstein) fosse igualmente retirado das futuras reedições dos seus livros já publicados. E Reich foi condenado em dois anos de cadeia por ter desrespeitado a sentença do tribunal. No dia 5 de Junho de 1956, os agentes da FDA destruíam os acumuladores de orgone guardados em Orgonon, a propriedade de Reich, no estado de Maine. Em Junho queimaram-lhe muitos livros. No dia 17 de Março de 1960 seis toneladas de livros e papelada variada foram reduzidos a cinzas no incinerador Gansevoort em Nova Iorque. Reich morreu de ataque de coração na penitenciária federal de Lewisburg, Pensilvânia, em 3 de Novembro de 1957. “Welcome to Planet Motherfucker” tocariam os White Zombie.

Reich acreditava numa vida sexual saudável como antecedente e corolário da revolução. As massas, conduzidas pelo “partido comunista, minha perfumada flor”, libertar-se-iam economicamente, derrubando a burguesia e, sexualmente, desembaraçando-se da sua moral sexual repressiva. Uma vida sexual saudável significava atingir os 4 000 orgasmos (média humana) de forma plena. Seriam orgasmos com campainhas e fogo de artifício, e não o tremelique executado por dever de reprodução. Nesse orgasmo XPTO eclodia o tal orgone. (Os gregos antigos conheciam-no como Éter. O quinto elemento da matéria). Para Reich era uma energia que ocuparia o espaço universal e que poderia ser vista, no céu azul, como pontos luminosos. Reich construiu uma geringonça para captá-la. O acumulador de orgone era uma caixa que armazenava a energia da atmosfera e que, segundo ele, curava constipações, cancro e impotência. (Abrenúncio seria o toque de finados da indústria farmacêutica). Jack Kerouac descreve-o no seu livro “Pela estrada fora”: “o acumulador de orgones é uma vulgar caixa suficientemente grande para conter um homem sentado numa cadeira: uma camada de madeira, uma de metal, outra de madeira reúnem e concertam os orgones da atmosfera e mantêm-no o tempo suficiente para o corpo humano absorver uma dose maior que o normal. Segundo Reich, os orgones são átomos vibratórios atmosféricos do princípio vital”. E, os Hawkwind, conhecidos por darem concertos inspirados nos princípios da função do orgasmo, dedicaram-lhe uma canção.

Mikhail Bakunine escreveu: “aquele que faz planos para depois da revolução é um reaccionário”. Assim é melhor não fazer planos, a não ser para um Bloody Mary com a Tara Reid (“comecei agora a fazer Bloody Marys. Sempre pensei que pareciam nojentos, então bebi um. Há uma arte neles, desde o Tabasco ao Worcestershire”), ao som de “Anarchy in the U.K.” dos Sex Pistols no chalé Marmotte Mountain Retreat, em Chamonix, enquanto há… gelo.