Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

domingo, setembro 09, 2007

País grande
Um povo quando nasceu grande não encolhe. Os audazes lusos têm cumprido os destinos que Deus, por graça e obra, lhes designou. Primorosamente misturaram Cro-magnon com Sapiens. Valentemente enxotaram os romanos. Devotamente cortaram as goelas do mouro. Precipuamente construíram um país. Espectacularmente acharam o mundo. Definitivamente mostraram ao castelhano who’s your daddy? Republicanamente inglesaram a casa de Bragança. Militarmente pescaram a democracia. Padinhamente repartiram subsídios da UE. Geneticamente aprimoraram-se. E… outros advérbios de modo que cruzaram o nosso passo. Mesmo assim os derrotistas, os pessimistas, os cabisbaixos, os velhos da Baixa-Chiado (antigos “velhos do Restelo”) moncam ainda no lenço do costume – dos pobres coitadinhos do triste destino – apesar das evidências quotidianas revelarem-nos capazes de grandes feitos. (Quiçá inspirados nas nossas castanhas e vinho, os Manic Street Preachers escreveram “Autumn Song”, mas enganaram-se na mensagem. Os melhores tempos não estão para vir. Já cá moram. Na nossa barriguinha).

“Grandes” é favor. Ainda não foram cunhados adjectivos, substantivos ou advérbios capazes de circunvalar a nossa dimensão. Enquanto as Academias de Letras de Portugal e dos PALOP não adoptam o taylorismo para fabricarem os novos nomes da “era Cristiano Ronaldo” somos obrigados ao calaceiro expediente do uso do inglês. Os portugueses são great. Com cotação máxima na bolsa do prestígio, entre países, reinos, principados e ducados, quando entramos em campo, ouvimos: “o português resolve”. Caíam sapos ou canivetes estamos lá com soluções (e cafézinhos). Nós tutuamos os urgentes problemas (internos, externos, extraterrestres) com a desenvoltura de uma repórter de televisão que não perde o profissionalismo perante o inesperado ou um cacilheiro acostando no cais no Inverno. Um préstito de requififes aformoseia nossa Gloria in excelsa Deo (“Glória a Deus nas alturas”) forma de ser. Não nos falta nada. Temos tudo como “Los microfonos” da Tata Golosa.

Quisesse a irmã Lúcia conceder-nos a mercê de enviar de volta o Ary dos Santos para ele vir ver isto. Quão arrebatado ficaria. Alapado na pastelaria Vavá reformularia a sua “Tourada”. Neste Portugal não há arenas com desfiles de vaidades nem passes de muleta em falso. Em vez de uma “Tourada”, Ary encontraria uma “Goiabada”, docinha como beijos da Madonna, enfrascada seguindo as normas de higiene e qualidade. Ary reconheceria que nós pegamos o mundo pelos fundilhos do principal e fizemos da alegria, centro comercial. E cá dentro… entram polícias, procuradores e direitos humanos. E carradas de advogados. Entram carrões, cornos e alacridade. E alguns empreendedores. Soam brados e yippie ki yays. Entram os bifes depois do salmão. E na estranja… não importa objecções ou reclamações, polacos ou eleitor. Empurramos com as mãos e os pés o Tratado Reformador. E o inteligente ministro dos Negócios Estrangeiros conduz o bailado nas ruas de Viana do Castelo. Chocas, vacas, velhos doidos turísticos, com bons tachos nos seus países rodopiaram naquela dança maluca do “olhem como estamos perto do povo”. E repetiram: “como vocês são hospitaleiros”, “como vocês são hospitaleiros”… Portugal não é um rectângulo, nem um paralelepípedo, é uma fita de Möbius. Só tem uma única face. A face da verticalidade e da competência. Heróis somos. Como o herói canadiano da guitarra Pat Travers, temos unhas.

Hospitaleiros? Hospitaleiros sim “brade a Europa à terra inteira” (verso d’ “A Portuguesa” mas não incluído no nosso querido hino). Folheia-se displicentemente o jornal e os exemplos entram pelos olhos dentro. A empresa canadiana Kernow Mining mostrou interesse na exploração de ouro nas antigas minas romanas de Limarinho, em Boticas, e meteu a papelada ao Governo. Os primeiros estudos revelaram resultados animadores. Cautelosos, esses canadianos adiaram a decisão final para depois de análises mais aprofundadas. Alan Matthews, funcionário da empresa, salientou que o processo “ainda está numa fase inicial” explicando que “a mina não vai arrancar amanhã”. O canadiano não conhece a nossa fibra. Nem a santinha que vela por nós junto do divino. Quilates de ouro estão no papo. Para quê esperar? Toca a embandeirar em arco. É festa! É festa! É a corrida ao ouro! É a Califórnia finalmente! Nada de festarolas. Vamos dar uma festa de arroba. Destas organizadas pelo Fatal Bazooka em “Trankillement”.

A vista, ainda enevoada pelo álcool das comemorações, foca uma outra notícia. O presidente da Câmara Municipal de Boticas, Fernando Campos, teme que o projecto de exploração de oiro em Limarinho seja inevitavelmente parado pela intenção do IPPAR de classificar as antigas minas romanas como património histórico. Desabafa o autarca para o jornalista: “isto só acontece porque estamos em Portugal. Como é possível o Conselho de Ministros atribuir uma concessão de prospecção e pesquisa e, quando o concessionário se prepara para começar a trabalhar, surgir um organismo público a dizer que não o pode fazer?”. Deve ser um edil do tempo em que as galinhas tinham dentes ou os cowboys falavam francês. Não enxergou a piscina de oportunidades onde nadamos. No Portugal grande não há contradições. Oiro haverá sempre. Milhões de pessoas embarcarão para Boticas para ver um buraco na terra com cheiro a romano – chegarão os turistas. Se os portugueses querem dinheiro apenas têm de aprender a fazer truques. Os ursos exibidos nas ruas de Istambul eram espetados com ferros nas mandíbulas para entreterem turistas em segurança. No Portugal grande basta trajes regionais para o campo e Fado para o meio urbano. Vive la Fête essa é “La verité”.

Triliões de turistas viajarão para assistir ao vivo polícias e juízes at work. Os nossos são os melhores do mundo. Muito melhores que o juiz Bean ou o juiz Dredd. Não há casos insolúveis, nem erros judiciais, como nos países que não atingiram o nosso ponto de rebuçado. A imprensa inglesa espingarda com os nossos peritos porque acusaram o casal McCann de matar a filha. O atraso cultural da Inglaterra, em relação a nós, estorva-lhes o entendimento. No país grande não há investigações que dêem com os burros na água. Se pela lógica aristotélica não deduzem o criminoso, os nossos Sherlock Holmes recorrem à psicofonia, ao tarot, aos búzios, à invenção e outras avançadas técnicas para caçar o culpado. Os ingleses até deviam estar agradecidos pela deferência. No caso do desaparecimento da Joana, a mãe, Leonor Cipriano, apareceu com a cara num bolo e uma confissão no dossier da PJ. Katie McCann conservou sempre intacta a sua saxónica fisionomia e liberdade para ir à missa (coisa que negaram a Leonor). Nas justificações das nódoas negras de Leonor se vê a nossa moderna civilidade. No tempo de Salazar (credo cruzes que pérfido ditador) atribuía-se o mau estado do corpo, após interrogatório policial, a uma acidental queda, e não se falava mais no assunto. Mas esta Polícia escrupulosa contactou logo dois médicos, que atestaram os feios hematomas, como sendo resultado de agressão ou queda, confirmando o senso comum de que nas boas explicações não se mexe, aperfeiçoa-se. No país grande, depois de terminada a investigação policial, temos jurisprudência para casos que confundem os povos atrasados pela inexistência de provas. São 20 anos de cadeia quando subsistem dúvidas que o assassino praticou de facto o crime. E, se as provas forem irrefutáveis, o criminoso é retirado de circulação durante 25 anos. “High as hell” cantam os Nashville Pussy. Nós também estamos “pedrados como o caralho” mas em legalidade e Direito.

O país que ouve os violinos de Chopin ou os concertos do Tom & Jerry no Centro Cultural de Belém associou-se ao enterro e às homenagens várias prestadas ao gordo tenor de Modena. E, para provar a nossa grandeza (como se isso fosse preciso), foi um jornal português que publicou a notícia mais importante do mundo: “conheça a história da portuguesa que viu Pavarotti em pijama”. Quando podia falar Mussolini disse que “a poltrona e as pantufas são as ruínas do homem” e os portugueses levantaram o rabo da cadeira, chutaram os chanatos e (hoje) são o futuro. Isso merece “Una notte a Napoli” com os Pink Martini.

4 Comments:

  • At 3:59 da tarde, Blogger A Chata said…

    Se, pelo menos. fossem só os portugueses a ser 'grandes'...
    Mas não, os seres humanos de outras nacionalidades querem tirar-nos o titulo.

    Os Chineses pretendem controlar as reencarnações via burocracia.

    "The Chinese government has banned Buddhist monks in Tibet from reincarnating without government permission."

    Os Alemães resolvem construir piramides, que envergonharão a Keops, pelo seu tamanho e grandeza com blocos funerários:

    "German entrepreneurs are planning to outstrip the ancient Egyptians by building the world's largest pyramid on a derelict site in eastern Germany – which they claim will eventually contain the remains of millions of people in concrete burial blocks."

    Os Ingleses, numa fúria de mostrar trabalho policial, prendem e julgam pessoas que colocaram os pés num banco de comboio:

    "A student hauled before the courts for putting her feet up on a train seat has walked free from court."
    isto, depois de na reunião anual da policia inglesa, se ter chegado à conclusão que medir a eficiência da policia pelo número de detenções tinha resultado em

    "A Cheshire man who was cautioned by police for being "found in possession of an egg with intent to throw"
    e
    "A Kent child who was arrested for throwing cream buns at a bus"

    Os Americanos prolongam a pena de prisão a um recluso porque se masturbou na cela e a policia estava a assistir do seu posto de vigilância:

    "A prisoner in Florida has been found guilty of indecent exposure for masturbating alone in his cell.
    Terry Lee Alexander, 20, of Lauderdale Lakes, Florida, was sentenced to a further 60 days in jail on top of the 10-year term he is currently serving for armed robbery, the Miami Herald reported yesterday. "

    Os economistas, de várias nacionalidades, agem como o optimista que recebeu a lata com bosta de cavalo e fica todo contente porque pode ser que o cavalo venha um dia parar-lhe às mãos:
    Em Junho 2007, lia-se no The Economist:

    "Sunny outlook
    The primary job of any pundit is to forecast all the ways in which things could go wrong. So far, however, the American economy has stubbornly defied the dire prognostications of those expecting bad weather. Economic growth has swayed and faltered. Revised figures announced on Thursday May 31st showed that the economy grew at an annual rate of 0.6%..."


    É muita gente a querer competir com a nossa grandeza...

    Acho que vou comprar a nova escova de dentes satvav, um disco voador:

    "Offrez-vous une soucoupe volante !
    Une entreprise américaine annonce la mise en vente de véritables ovnis personnels. A condition d'avoir les moyens... et d'y croire. "

    para contribuir mais para a nossa grandeza.

     
  • At 5:52 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Estou admirado que não tenha referido a melhor ideia que vem da Inglaterra. (Acho que eles pensaram por si próprios. Não pediram ajuda aos americanos). O Governo pretende usar o detentor de mentiras para caçar os aldrabões dos Serviços Sociais ou dos Centros de Emprego.

    “Benefit claimants and job seekers could be forced to take lie detector tests as early as next year after an early review of a pilot scheme exposed 126 benefit cheats in just three months, saving one local authority £110,000.

    Last May, the Department for Work and Pensions asked Harrow council in London to undertake a year-long, £63,000 pilot of the ground-breaking Voice Risk Analysis (VRA) technology”.

    Se eu ainda tivesse o ímpeto de cidadania de antigamente, já teria escrito para todos os órgãos de soberania nacionais, exigindo que a medida fosse implantada em Portugal. Não apenas nos subsídios e outras benesses do Estado. Mas em todas as situações do quotidiano. Por exemplo, quando o cidadão compra um bilhete de Metro, quando diz “dê-me um bilhete”, suspeito que está a mentir. Se lhe aplicassem o detector de mentiras facilmente verificariam que ele queria pedir um Bentley, com motorista e tudo, para o passear até ao seu destino.

     
  • At 8:55 da tarde, Blogger A Chata said…

    Ora bem, essa ideia é GRANDE!

    Acho mesmo que deveriamos defender a aplicação desses testes a todos os candidatos que se apresentam para eleições nacionais, aos membros do governo e autarcas porque afinal esse pessoal também está incluído no grupo de “Benefit claimants and job seekers".

    Os resultados seriam de "ir às lagrimas" (de tanto rir), palpita-me.

     
  • At 4:28 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Temo que os políticos não sejam apanhados no detector de mentiras. São anos de experiência na conversa da treta. O eleitor, no entanto, terá que controlar bem as emoções e hormonas para não ser apanhado em falso.

    A notícia não diz quantos indivíduos foram submetidos à experiência. Se foram 127, ou mesmo 126, é revelador de como as coisas andam.

    Já diz o povo: anda meio mundo a enganar o outro meio.

     

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