Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Cantar as janeiras

Mais um ano, mais um degrau na subideira para o mundo perfeito. Em boa hora, no ano de 713 a. C., o rei Numa Pompílio, sucessor de Rómulo, integrou no calendário romano o mês de Janeiro, facultando, aos filhos do estilhaçado Império, trinta e um dias para renovar esperanças e definir objectivos, que o resto do ano cumprirá. Se em Dezembro se limpam gavetas e armários, em Janeiro abrem-se portas e janelas. A palavra “Janeiro” teve origem em Jano, deus das portas, portões e cancelas, dos princípios e dos fins, representado com duas cabeças, uma olhando em frente, outra para trás. Com um olho no passado e outro no futuro, o mês de Janeiro abre uma caixa de Pandora… de coisas boas. (The Pandoras, banda americana dos anos 80, numa versão psicadélica de “You Don’t Satisfy”. Mas nessa década, o Vidal Sassoon, champô e condicionador, muda o aspecto do rock. The Pandoras ao ar livre em “You' re All Talk”. E metidas com Cherie Currie das Runaways).

Da Austrália vem uma boa ideia para este ano. Há 40 anos que a empresa Westaff fornece Pais Natal para lojas e centros comerciais. Em 2007 entrou na moda do politicamente correcto que desabrocha pelo planeta. Aconselhou aos seus empregados, contratados para representar o famoso habitante da Lapónia, na festiva quadra natalícia, que trocassem o bonacheirão e tradicional riso “ho, ho, ho” por “ha, ha, ha”. O insólito pedido tem uma explicação simples. Matar infiéis, em conjunto com os amigos americanos, engrandeceu-lhes o vocabulário com o calão do G.I. Joe. A expressão “ho” é uma abreviatura de “whore” (puta) na gíria das ruas americanas. E, não é correcto, sujeitar os ouvidos das criancinhas a palavrões, quando dão um empurrão na economia, acelerando o consumo. Se, começam desde cedo, em contacto com o vernáculo, a educação não encaixa, as transgressões suceder-se-ão e é provável que acabem a fumar e beber em palco como o Nick Cave. A empresa dá uma explicação mais científica assentada na Psicologia. Sari Hegarty, coordenadora do recrutamento de Pais Natal, explica-se: “pedimos aos nossos Pais para tentarem certas técnicas, como baixar o tom da voz e usar “ha, ha, ha”, para encorajar as crianças a aproximarem-se e a conhecer o Pai Natal”. Por causa dos americanos, os australianos têm mais para mostrar que “Fuck off Is the Only Thing You Have to Show” (das brasileiras Cansei de Ser Sexy).

Certo dia Brigitte Bardot desabafou: “dei a minha beleza e a minha juventude ao homem. Vou dar a minha sabedoria e experiência aos animais”. Brigitte esteve no topo da interacção humana. Cantou e acompanhada. Cantaram-lhe. Jean-Luc Goddard pô-la a perguntar o óbvio. No filme “En Cas de Malheur”, de Claude Autant-Lara, Jean Gabin gostaria de estar sentado no lugar do espectador. Bem poderia ser a garota de Ipanema. Sem dúvida a mulher mais excitante do mundo. Mas isso terminou e, em alternativa, entregou-se aos bichos. Quer salvá-los da crueldade e voracidade humana. E não é a única… a olhar os animais. A Quercus recomendava neste Natal: “coma bacalhau mas com moderação”. O peixe da Consoada está em vias de extinção e a Igreja não vai autorizar o fim do jejum de carne nesta época. O fiel amigo não tem substituto. Assim, amigo que come amigo, deve libertar a consciência ecológica para que a relação de amizade perdure. Enquanto não vem a clonagem apela-se ao racionamento e ao chupar bem as espinhas para evitar o desperdício. (A rainha do rock não tem espinhas. Joan Jett também pertenceu às Runaways. Ela em “I Love Rock ‘n’ Roll”. E em “Crimson & Clover”, uma versão de Tommy James & The Shondells).

Nas terras lusas o ano começa bem. Com um facto premonitório. O Estado já está a poupar na pensão do Luiz Pacheco. Cento e vinte contos (dizia ele) será pouco nas contas públicas, dividido por dez milhões de portugueses não é nada, mas é dinheiro vivo para reduzir o défice. Euro a euro enche o ministro as finanças. Se marcharem, para o outro mundo, uns gestores e administradores, reformados das empresas estatais, no fim do ano poderemos abanar a anca, felizes como a Kat Deluna, e encher o bandulho como a Miss Platinum. E, ainda restará massa para pagar os magros vencimentos de Santos Ferreira e Armando Vara, na Caixa Geral de Depósitos, enquanto vão ganhar mais uns trocos no BCP. Se a sua não for uma “Shitlist” (das L7) e ganharem as eleições.

O défice resolvido justificará o patriotismo profundo de Cavaco Silva, que não permitiu filmarem a cerimónia do bolo-rei, mas agradeceu presentes e cantorias: “neste tempo, é com muito gosto que nós abrimos as portas do palácio para receber grupos que vêm cantar as janeiras, é uma forma de expressar o nosso apoio à cultura popular, às nossas tradições e manifestar o nosso apreço àqueles que nas nossas aldeias, nas nossas vilas, nas nossas cidades se empenham para manter vivas as boas tradições dos nossos avós”. Depois, o Presidente mastigou em privado, no recato do palácio. (“Our Lips Are Sealed” das The Go Go’s).

E, optimista também José Sócrates, recém-chegado de holidays no deserto da Argélia, (os ministros fizeram a habitual vaquinha de Natal e desenrascaram-lhe 4 000 euros), proclama que tem “todos os motivos” para declarar que este ano será “ainda melhor” que 2007, tal como 2007 foi melhor que 2006, 2005 que 2004 e assim até ao Tratado de Samora. Recebeu leitão assado, espumante, doces regionais e as cantilenas da época presenteadas pelo Grupo Típico Cancioneiro de Águeda. No final, atarefado como a formiga da fábula, partiu para mais banda larga para todos (permitindo, por exemplo, acesso a blogues de strippers: Grace Undress, Hobostripper, Yonilicious, Ryann Reflections. E ao único blogue importante na net - de Mahmoud Ahminedjad), para mais reformas, mais modernismo, mais tecnologia, mais país simplexório. Enquanto que, nos jardins do palácio de S. Bento, os populares de folclóricas vestimentas enfarpelados, tiveram de ouvir “You Don’t Have to Go Home” (de Gretchen Wilson) mas não podem ficar aqui.

Que o Tratado Europeu não seria referendado, era old news, como dizem os jornalistas portugueses. A novidade estava nas justificações para não perguntar a opinião daqueles cujo exclusivo divertimento é votar. A de Sócrates é boa: “o PS tinha um compromisso com o Tratado Constitucional. Agora é o Tratado de Lisboa, que não existia na altura. Não tem nada a ver uma coisa com a outra”. Mas era espectável. Recorre à semântica. “Tratado Constitucional” e “Tratado de Lisboa” são de facto duas expressões diferentes. Neste concurso foi Carlos César quem conquistou o primeiro lugar. O presidente do Governo dos Açores, provou que nas ilhas lêem uns livritos, não são burgessos com sotaque: “o primeiro-ministro teve, e bem, em primeira consideração a preservação da estabilidade do projecto europeu nos diversos Estados membros, o que passa, sem dúvida, pelo contributo português para uma unidade tendencial dos procedimentos na ratificação do Tratado de Lisboa”. Um esclarecimento com os elementos certos. Agita o orgulho nacional, dos feitos de Portugal, e da nossa imprescindível liderança da Europa. Somos “Rich” (dos Yeah Yeah Yeahs) em ouro intelectual!

Na ilha da Madeira a ratificação parlamentar do tratado operou um milagre. Emparelhou Alberto João Jardim com os comunistas. O patusco governante anunciou o seu apoio ao “Projecto de Resolução”, que o PCP/M vai apresentar na Assembleia Legislativa, onde pede a realização do referendo. Por este prodígio político, a Madeira merece receber a parte que lhe toca do reembolso da reforma do Pacheco, em vez de ficar congelada por excesso de endividamento do Governo Regional. Como estamos em perpétua silly season resta-nos um mergulho na piscina com Sabrina Salerno.

9 Comments:

  • At 5:35 da manhã, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    não será Zamora?

     
  • At 10:15 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    É possível. A minha enciclopédia (Lexicoteca do Círculo de Leitores)diz Conferência de Samora com "esse". E pelo que me lembro da escola é Samora.

    Mas vou googlar a ver se em brasileiro tem outra grafia. Digo em brasileiro porque a net está toda nessa "sambística" língua.

     
  • At 10:31 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    A Wiki diz, de facto, Zamora mas creio que essa é a grafia espanhola.

    Pior do que isso é a página da Wikipédia dedicada a Portugal estar debilitada pela acção de vândalos. Isto é um crime de lesa Cristiano Ronaldo. O nosso querido Portugal devia unir-se contra os vândalos (estes bábaros fizeram cair o Império Romano).

     
  • At 4:07 da tarde, Blogger Armando Rocheteau said…

    Mais um texto que te vou surripiar.

     
  • At 6:00 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Estes textos do Táxi compilados e editados teriam mais sucesso que O Meu Pipi!

     
  • At 10:00 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    E os blogues? Os das strippers são filosofia da melhor.

    O Ahmadinejad não é grande bloguista, só mete um post quando Maomé (que Alá me perdoe) faz anos. Se fosse mais prolífico metia-o nos links favoritos.

     
  • At 10:40 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    comentei os sex pistols no convention center

     
  • At 10:51 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    outra coisa: em 50 anos de net, só encontrei outro gajo como tu, isto é, uma enciclopédia viva. ao pé de vós sinto saber tanto como a peixeira da esquina!

     
  • At 7:39 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Pouco sei. E o que sei não tem valor algum.

     

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