Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

domingo, fevereiro 03, 2008

Careca no barbeiro
As sociedades abastadas têm tudo para nos sentirmos tão felizes como preservativo na Índia. Cortinas de chuveiro e almofadas cinéfilas. Papel higiénico com a cara do amado ídolo. Tapetes para a escada e o rato ajustados ao dia-a-dia. Almadraques para repousar a cabeça após ter ganhado outro euro e descontado 90 cêntimos nas Finanças. Arrumação das facas na cozinha de acordo com as normas da União Europeia. E, descanso para os corpos em aconchegados divãs, no virgíneo deleite do Telejornal, do whisky de malte, da ventura conjugal e da música instrumental dos Sounds Incorporated. (Grupo inglês dos anos 60. Eles em “Rinky Dink”. Serviram de banda de suporte a Gene Vincent quando os Blue Caps – o seu grupo original – não obtiveram licença para trabalhar na Inglaterra. Tocaram também com Little Richard entre outros).

Em Cartago sacrificava-se seres humanos aos deuses Baal Hammon e Tanit para mudar o destino humano. (A coisa resultava. Em 307 a.C. face ao avanço dos exércitos de Siracusa os sacerdotes ordenaram o sacrifício de 300 crianças e inexplicavelmente os soldados inimigos retiraram-se). Hoje em dia somos mais ponderados. O sangue só é vertido para implantar a Liberdade e a Democracia. Quando o impulso de agradecimento brota, fuma-se um charuto cubano, faz-se Sky Surfing ou paga-se uma novena, como pessoas civilizadas. “That’s The Way” (dos Honeycombs, grupo fundado pelo cabeleireiro Martin Murray na guitarra e a sua assistente, Anne Margot “Honey” Lantree, na bateria. Eles em “Have I The Right?” no Pop Gear, um documentário sobre a música britânica da década de 60, misturado com dança da moda. O apresentador, Jimmy Savile, é Sir na velhice).

Não há maior gerador de fortuna, material e psicológica, do que a iniciativa privada. No Filme “Negócio Arriscado”, Tom Cruise, faz o papel de Joel Goodsen, um estudante liceal atinado, que frequenta um curso extracurricular, sobre futuros empreendedores, para não frustrar o desejo paterno, de ter um filho licenciado pela Universidade de Princeton. Certo fim-de-semana os pais deixam-no sozinho em casa com os habituais conselhos de juizinho e comportamento adulto. Nada de avarias como as “Little Children” (de Billy J. Kramer with the Dakotas. Ele nasceu em Liverpool e foi registado como William Howard Ashton. Retirou o nome “Kramer”, ao calhas, da lista telefónica e John Lennon sugeriu “J.” para dar personalidade. A banda veio de Manchester).

Joel em vez de estudar História da Comunicação Visual, ou tentar entender a crise das hipotecas à parva, que traz as Bolsas mundiais com o credo na boca, parte para a maluqueira total, e até consegue ter relações sexuais com a Rebecca De Mornay, no Metro, sem ser perturbado pela música do Phil Collins. Mas não há laranjas sem limões. Num acidente, o Porsche do pai cai no Lago Michigan e o conserto é carote. Vai daí põe em prática os conhecimentos escolares. Organiza uma festa com um objectivo comercial. Lana, personagem de Rebecca De Mornay, uma trabalhadora do sexo, fornece as colegas de profissão, ele, convida os colegas do liceu, classe média alta, para truca-truca a pagantes. Arrecada uma pipa de massa. E prova que a iniciativa privada, desenvolvida no sistema de ensino, é um poderoso motor de uma economia robusta. Na vida real não lhe faltaria mulheres a pedir “Make Him Mine” (por Susan Maughan).

Sucedeu algo parecido na Austrália. Há três semanas os pais de Corey Delaney, 16 anos, saíram de Melbourne em férias. Deixaram-no entregue às suas responsabilidades de homenzinho, que visse “Secret Agent” ou “Jamaica Inn”, de Alfred Hitchcock, ou um dos melhores de Akira Kurosawa, como os crescidos. Ele não foi de modas. Convidou pela Internet os amigos para um festa. Apareceram cerca de 500 adolescentes, causando um “incidente” que a Polícia diz ter envolvido consumo massivo de álcool, por menores de idade, e requereu 30 agentes, um esquadrão de cães-polícia e um helicóptero para dispersar. Por seu lado, Delaney chama-lhe “a melhor festa de sempre”. Claro que quando se manda bófias contra adolescentes tende a chover pedras e garrafas, somando os vidros partidos nas viaturas, os gratificados dos polícias, os ossos dos cães, o combustível do helicóptero, mais os estragos causados nos jardins dos vizinhos, a comissária Christine Nixon obteve uma conta de 12 mil euros para pagar. “What In the World’s Come over You” (dos Rockin’ Berries. Grupo de beat music de Birmingham).

Nas entrevistas, Corey não se mostra arrependido, atitude que choca uma sociedade com os caboucos no pecado e no consequente perdão. Mostrar arrependimento, mesmo no corredor da morte, é um requisito para os outros (o inferno de Sartre) sentirem importância social. Felizmente, a veia empreendedora do rapaz foi entendida por um empresário, que o contratou como organizador de festas para adolescentes. “Please Don’t Let Me Be Misunderstood” (de Eric Burdon and the Animals. Banda de Newcastle do início de 60 em “House of the Rising Sun”. Eric Burdon foi também vocalista dos War, banda funk da Califórnia. Ele é considerado o misterioso “Eggman” referido na canção “I Am The Warlus” dos The Beatles. Eric era chamado pelos amigos Eggs porque gostava de partir ovos no corpo desnudado das chavalas. Segundo consta na sua biografia John Lennon assistiu uma dessas sessões e teria gritado: “go on, go get it, Eggman…”. No ano 2006 Eric Burdon cantava sentado).

Uma sociedade funciona bem oleada, quando os seus elementos sabem o que esperar, assim as expectativas não são frustradas pelo impossível, irrealizável ou inexistente. Este princípio permite que um cidadão se desloque à pizzaria, peça um pizza Calzone, mas não meio quilo de mistura para gato. Se o fizesse, levava com uma resposta torta da empregada e uma etiqueta de maluco dos clientes presentes, como sucedia com Mohammed Saeed al Sahaf. O saudoso ministro da Informação de Saddam Hussein esperava uma vitória do exército iraquiano. Numa conferência de imprensa afirmou, “Alá está a assar o estômago dos soldados americanos no inferno”, dois dias antes da entrada triunfal da libertadora tropa, em Bagdad. Os jornalistas na sala soltavam risos escarninhos mas o ministro julgava “Something Tells Me I’m Into Something Good” (dos Herman’s Hermits. Banda de Manchester famosa pelo seu pop menino bem comportado).

Quando um careca entra no barbeiro, não espera desconto no preço tabelado, apesar de aparar apenas a remanescente faixa de cabelo, que circunda a parte detrás do crânio, de fronte a fronte. Nem barafusta com o baeta, porque tem metade do pêlo, devia pagar metade da tarifa. É um dado aceite que as coisas são assim, deste modo as expectativas não saem goradas, nem a reclamação perturba a paz na barbearia. Também nas democracias fortes, saudáveis, pleonásticas, democracias democráticas, de partido único (ou dois que são a mesma coisa) sabe-se que o dinheiro a sério não está no exercício activo da política mas no após. Ao descer do poleiro, o estadista encontra as portas escancaradas das empresas privadas (ou públicas), acenando-lhe com tachos de consultoria, administração, gestão ou simples presença física (ou espiritual). Denunciar a corrupção numa democracia democrática é semear ventos mas não colher tempestades. Desvia a atenção dos verdadeiros problemas, entretém os jornalistas e… abre inquéritos de conclusão previsível. Agrada a convicção popular de que “isto é uma cambada de ladrões” e mais nada. “Goggle Eye” (dos The Nashville Teens uma banda de Surrey).

O bastonário da Ordem dos Advogados vestiu a armadura do paladino dos puros para brandir notícias requentadas nos televisores. “Houve um ministro que atribuiu, por concessão, um importante serviço público a uma empresa privada. Hoje esse ministro é presidente dessa empresa; um membro do governo que adjudicava obras públicas a certas empresas de construção e está hoje numa dessas empresas” – acusa ele. Agitam-se as águas. O Procurador-Geral toca o clarim. Vem aí mais um inquérito (com sorte, dois ou três). Urra! Urra! Os licenciados em Direito do Ministério Público justificam a sua razão de ser. E, pela boca do bastonário dos advogados, conversas de café, são “declarações políticas”. Todos concordam que a expressão “declarações políticas” é um expediente desembaraçado para não nomear culpados. “Glad All Over” (dos The Dave Clark Five, a única banda da época que rivalizava, em sucesso, com os Beatles).

A moda de bater na corrupção vem das altas instâncias. O benfazejo Banco Mundial, através do seu director dos Programas Globais, Daniel Kaufmann, alerta: a corrupção atinge sobretudo as famílias mais pobres, pagando mais impostos do que deviam e, ainda por cima, têm de gastar parte dos seus magros rendimentos em subornos para aceder aos serviços públicos. Com tanta gente de gabarito a proteger os menos favorecidos apetece ser-se pobre para ter a sua afeição. “Baby I Need Your Loving” (dos The Fourmost. Através do seu manager Brian Epstein tocavam canções da dupla Lennon-McCartney, consideradas impróprias para os Beatles, como “Hello Little Girl”).

Meter a mão no saco, quando se exerce um cargo público, é completamente démodé. Tony Blair, um dirigente moderno da Europa moderna, estava careca de saber este axioma da Teoria Política. Desde que abandonou a Downing Street chove-lhe dinheiro no regaço. Finório, recebe em libras e não nos medíocres euros, este ano tem mais 7 milhões de moeda inglesa na conta bancária, desembolsados pela Zurich Insurance. A companhia de seguros Suiça contratou-o como consultor em alterações climáticas. Estão a planear as futuras tramóias para escapar às indemnizações e precisam de informações concretas sobre furacões, secas, inundações, para escrever as letras minúsculas no rodapé das apólices, e acharam que o fazedor da paz no Médio Oriente, cumpriria com sucesso mais esta tarefa. Blair também recebeu 5.8 milhões de libras de adiantamento pelas suas memórias. O banco JP Morgan Chase dá-lhe 500 000 libras por consultoria. O Washington Speakers Bureau Inc. pagou-lhe 500 000 libras por uma tournée mundial, levando a sua voz aos sedentos de palavras ricas e sábias. “Keep on Running” (dos The Spencer Davis Group, banda de beat music oriunda de Birmingham. Os irmãos Steve e Muff Winwood partiram para formar os Traffic).

14 Comments:

  • At 10:15 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Uma ínfima amostra do pop britânico do início dos anos 60.

    E também um exemplo do trabalho de Sísifo. Gastei quase três horas a postar esta coisa, e em poucos minutos os links serão bloqueados, para defender os sagrados lucros da indústria discográfia.

     
  • At 4:10 da tarde, Blogger Armando Rocheteau said…

    Vale sempre a pena o trabalho que tens. Keep on going!

     
  • At 4:37 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não podes perder os Animals. Os vídeoclips da década de 60 estão um mimo. Já não se realizam coisas assim, com os músicos movendo-se no estúdio e a câmara atrás.

    E acho que o esquema dos vasos comunicantes mostra bem como as "crises" na Bolsa são consequência da esperteza dos banqueiros de querer ganhar dinheiro sobre dinheiro. E vivem num mundo de hipótese de dinheiro e não riqueza a sério. Como essas notícias na Société Générale. Fraude de 4 biliões? Deve ser hipótese do Banco ganhar 4 biliões.

     
  • At 11:42 da tarde, Blogger Loy said…

    parei brevemente a leitura apenas para comentar:
    "A coisa resultava. Em 307 a.C. face ao avanço dos exércitos de Siracusa os sacerdotes ordenaram o sacrifício de 300 crianças e inexplicavelmente os soldados inimigos retiraram-se"

    hhahahahhaha
    soldados inimigos espertos!

    retomo a leitura

     
  • At 11:45 da tarde, Blogger Loy said…

    outra pausa (seu texto devia ter paradas para comentarios a cada paragrafo)

    " e até consegue ter relações sexuais com a Rebecca De Mornay, no Metro, sem ser perturbado pela música do Phil Collins."

    hhhahhahahahhaha

     
  • At 8:33 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Sobre os cartagineses, os historiadores não estão de acordo, se eles na realidade praticavam sacrifícios humanos. Os gregos diziam que sim. Mas os gregos eram os americanos da altura, e diziam mal dos povos de que não gostavam, e não se inibiam nas mentiras. A História da Humanidade tem sido uma repetição do mesmo. Por usarmos tecnologia diferente é que parece que somos mais espertos que os outros (do passado).

    Sexo no Metro é fácil, mesmo com pessoas olhando, agora com música de Phil Collins, não acredito que algum homem consiga. No Metro ou noutro lado qualquer.

     
  • At 10:51 da manhã, Blogger SAM said…

    "Em Cartago sacrificava-se seres humanos aos deuses Baal Hammon e Tanit para mudar o destino humano. (A coisa resultava. Em 307 a.C. face ao avanço dos exércitos de Siracusa os sacerdotes ordenaram o sacrifício de 300 crianças e inexplicavelmente os soldados inimigos retiraram-se). Hoje em dia somos mais ponderados. O sangue só é vertido para implantar a Liberdade e a Democracia."

    Brilhante !

     
  • At 11:31 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Sem sacrifícios a sociedade não fica bonita. É tal e qual como o corpo humano. No pain no gain.

     
  • At 5:54 da tarde, Blogger Patrícia C. Carvalho said…

    Olá Táxi!
    Ao ler: "a corrupção atinge sobretudo as famílias mais pobres, pagando mais impostos do que deviam e, ainda por cima, têm de gastar parte dos seus magros rendimentos em subornos para aceder aos serviços públicos." Fiquei a pensar sobre a desigualde que assola o globo, em especial a America Latina, onde a pobreza e a miseria nao mais sensibiliza e se torna parte integrante da cidade...
    Entao me veio a cabeça a musica de Chico Science e Naçao Zumbi " A cidade" que fala exatamente sobre a exploração socil!! O clipe está em: http://www.youtube.com/watch?v=qfZfxC8bSTQ&feature=related
    Vale a pena assitir!!
    Inté mais!

     
  • At 6:20 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não conhecia o Chico Science. Aqui fica a letra da música. Bem boa.

    A Cidade
    Nação Zumbi

    Composição: Chico Science

    O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas
    Que cresceram com a força de pedreiros suicidas
    Cavaleiros circulam vigiando as pessoas
    Não importa se são ruins, nem importa se são boas
    E a cidade se apresenta centro das ambições
    Para mendigos ou ricos e outras armações
    Coletivos, automóveis, motos e metrôs
    Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs

    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce
    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce

    A cidade se encontra prostituída
    Por aqueles que a usaram em busca de saída
    Ilusora de pessoas de outros lugares
    A cidade e sua fama vai além dos mares
    No meio da esperteza internacional
    A cidade até que não está tão mal
    E a situação sempre mais ou menos
    Sempre uns com mais e outros com menos

    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce
    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce

    Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu
    Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu
    Pra a gente sair da lama e enfrentar os urubu

    Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu
    Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu
    Pra a gente sair da lama e enfrentar os urubu

    Num dia de sol Recife acordou
    Com a mesma fedentina do dia anterior

    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce
    A cidade não pára, a cidade só cresce
    O de cima sobe e o de baixo desce

    Tenho de fazer um post com música brasileira mas temo que estou muito desactualizado sobre o que se faz por aí. Tirando o funk, pouco conheço.

    Na Europa a riqueza dos políticos surge quando abandonam o poleiro. o peixe graúdo tem tachos nas instituições internacionais, o miúdo, nas empresas.

    Não roubam descaradamente quando estão no poder, estabelecem amizades frutíferas. Um amigo no lugar certo vale mais que uma fortuna.

     
  • At 12:04 da manhã, Blogger Patrícia C. Carvalho said…

    Ao contrário da Europa, aqui os políticos roubam escancaradamente... Por exemplo, o presidente que sofreu impeachment em 1990, foi eleito como Senador na eleição passada...
    Infelizmente a memória do povo brasileira é muita fraca, pois, nessas horas, o estomago fala mais, já que a troca de votos por cesta básica é algo comum por aqui.
    Olha, adorei a idéia de um post com musica brasileira. Apesar de venderem uma imagem estereotipada Brasil: pais do funk, samba e dançarinas, nós temos musica de boa qualidade por aqui!
    Raul Seixas, Legião Urbana e Chico Buarque são uma boa!!
    Caso precise de ajuda estou por aqui!!
    Inté mais

     
  • At 3:32 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    iuiuuu! a Tobacco Road! :D

     
  • At 11:04 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Meti as duas versões de Tabacco Road para comparar. Eric Burdon tinha um vozeirão. Aqui são os New Animals.

    Estou outra vez com problemas de acesso à net. Isto está bonito. Grande porra! Vou ter de escrever um mail a sério à empresa.

     
  • At 8:21 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Desta vez fiquei mesmo sem net. Tem que vir um engenheiro em clicks e bits descobrir onde está a avaria. Nem escrever posso, pois tenho a maior parte dos apontamentos em links em páginas word. Espero que para a semana que vem a ligação esteja restabelecida. Bye.

     

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