Drogaria Portugal &Lta
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Meia-tigela, tigela cheia ou tigela e meia? “Meia-tigela” – retorquiria o bloguista e primeiro-ministro despedido, Santana Lopes*. Enquanto os dois ansiados submarinos, Tridente e Arpão, não aparcarem no Tejo, por Potamos e as Oceanides das loiras defensados**, a tigela não está cheia. Sobra prá tigela e meia. Portugal nunca entrou em recessão epistemológica, os indígenas sobalçam a tabuada do management encefálico: Deus não pensa como Euclides ou Riemann***: pensa português! Essa de Queiroz: “já estamos em competição, já estamos no Mundial”, acusa líderes de passo em frente, que extravasam a tigela, dirigentes, como fluidos sob pressão, as moléculas colidem com mais frequência, aumentando a temperatura do: empenhamento. Durante a pressão das pressões, o Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, suflava: “ninguém se atreve a pressionar-me”. Durante a pressão para salvar a economia, o Candidato a primeiro-ministro, Passos Coelho, reguingava: “a Caixa Geral de Depósitos privatizada seria mais transparente”. Despressurizado, a maior figura da cultura nacional, a proa e o bico, José Castelo Branco, trinfou: “era um drama quando partia um unha”.
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* Em 2008, num comício de campanha para presidente do PSD, em Monte Gordo , aludindo ao primeiro-ministro José Sócrates: “este socialista ‘de meia-tigela’ – perdoem-me a expressão mas é mesmo assim – tirou as reformas, tirou o emprego, castigou os mais fracos e anda todo contente e ainda se ri quando eu lhe digo que há pessoas com fome no País, como aconteceu esta semana na Assembleia da República ”.
** Do inquérito científico: quantas loiras são necessárias para afundar um submarino? Duas!... uma bate à porta e a outra abre.
*** Aldous Huxley: “aprendemos que nada é simples e racional, excepto o que nós próprios inventámos; que Deus não pensa como Euclides nem como Riemann”, em “Views of Holland”.
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Líderes habemus! Encher a tigela é outra conversa. Propaga-se um corriqueiro desabafo: “fim de mês. Recebi apenas de ordenado 60 escudos. O patrão parece que está a chuchar comigo” – não é um operador de call center ou uma colaboradora de store, no break para coffee e tobacco, mas o adolescente David Mourão-Ferreira, acrimónias da luta de classes desafogando nas suas “Memórias de um Mau Estudante”. O vindouro poeta, insigne por fazer um Picasso a Penélope e a outras icárias e descasadas Marias*, aos 12 anos, numa Agenda Para Algibeira, 1939, da Livraria Barata rabiscava: “vou começar este diário ao menos enquanto estou a escrever nele não me ocupo dos estudos (…) o pai ainda tem esperanças em eu ser doutor, coitado. Hei-de ser um carroceiro, como o pai diz, mas que importa, ao menos não estudo”. Esta aversão ao banco de escola fermentou: “o pai hoje de manhã zanga-se muito comigo e diz que me vai pôr como caixeiro numa drogaria. Que importa. Assim já tenho mais liberdade. Adeus aborrecidos exercícios de matemática e monótonas traduções de francês”.
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* Pilar Mourão-Ferreira, ex-aluna e segunda mulher: “foi meu professor no primeiro ano e depois fomos viver juntos” – explicou que “ele parecia que tinha, assim, um imã, novas, velhas, isto quando digo velhas é velhas mesmo”. Francisco Simões, escultor, autor dos desenhos nas várias capas de “Um Amor Feliz” (1986): – o alto ponto da cultura lusa da década de 80, com escândalo e homilia de condenação numa missa em Braga: confirma esse magnetismo sexual: “depois de cada aparecimento de David na televisão choviam cartas, algumas delas que traziam fotografias das próprias autoras das cartas em atitudes e em posições deveras insólitas”.
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E, David trocou as traduções pelo trabalho: “fui hoje pela primeira vez à drogaria. O trabalho é puxado mas não faço traduções”, encolhendo ombros ao título de “doutor”. Quebrada a inocência, no costado, ele implora o regresso ao colégio, arrependido: “tenho vergonha das minhas acções passadas, mas espero que não hei-de de ter das futuras. Não rasgo este diário porque ele pode vir a ser exemplo a muitos rapazes”. Certificado liceal na parede, o pai destinava-o ao estudo do Direito, Agostinho da Silva demoveu-o, aconselhando Literatura. Não se doutorou: doutoraram-no, por obra feita, tal como ao padre Manuel Antunes: e viveu uma vida de esteta, não como Crowley, porque não enroscava o frasco*; aclarou Urbano Tavares Rodrigues: “tinha um fascínio pela homossexualidade feminina, de facto, o que eu me lembro dele dizer da homossexualidade masculina, é que eles estavam a perder o melhor da vida”.
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* Aleister Crowley: “depois de ter pensado numa carreira diplomática, preferiu uma vida de esteta abastado” com “quatro centros de interesse: viagens, alpinismo, literatura e ocultismo. A eles juntou uma vida amorosa intensa, com parceiros femininos e masculinos, apesar do seu casamento com Rose Kelly, em 1903” , Prefácio, em “O Livro da Lei”.
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No volume do conteúdo das tigelas, o prebendado businessman Belmiro de Azevedo, como builder de work, tem compras no cartório e filosofia empresarial bebível. Afirmou ele: “o país precisa é que de facto se crie riqueza, sejamos competitivos, gastarmos o dinheiro bem gasto, empregos razoáveis, baratos, para empregar mais, se não, qualquer dia temos problemas complicados de natureza social e um país não se governa sem coesão social”. Parece que está a chuchar connosco mas não. Na crista da crise financeira (americana), os políticos tiveram os seus 30 cm de fama*, saltaram debaixo das secretárias: “olhem pra nós! Quem prescrevia menos Estado enganou-se! Somos imprescindíveis. Vamos salvar os países da bancarrota remendando a Banca rota, com a massa dos contribuintes”. O breve sonho morreu no sobressalto da realidade. Cavaco Silva, Presidente da República e economista de escola, expõe em termos técnicos: “eu sei muito bem que às vezes os mercados, que os especuladores, filam num país e atacam-no fortemente para, por essa via, conseguir lucros extraordinários”. Depois da falência do Comunismo**, não há “o beijo das filhas do proletário”, nem opção de outro regime que não Capitalismo, e neste os beijos dos mercados controlam os Estados: o cidadão está condenado ao “azevedismo”, “empregos razoáveis, baratos”; tal como os “infinitos localizados”, os electrões ou os buracos negros, os vencimentos elevados são uma “singularidade”, noticiada pelo Diário de Notícias : “António Mexia foi mais bem pago que Steve Jobs”.
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* No tempo, não no espaço. Isto é, não significa que se lhes acometeu por detrás um homem valido – (na corte de Nicolau II rumorejava-se que os 30 cm do pénis de Rasputine seriam a causa suficiente da influência do “monge louco” sobre o czar e a czarina). Neste caso, trinta centímetros é a distância percorrida pela luz num nanossegundo. Andy Warhol enganou-se na duração da fama distribuída por cada um: 15 minutos são uma eternidade, todos se contentam com a milésima parte da milésima parte do segundo.
** Milhares de livros escoaram as causas do fim do Comunismo: estrangulamento da iniciativa privada, o travão da burocracia, a falta de liberdade de expressão, ditadura violenta, a guerra de Osama bin Laden no Afeganistão contra os russos e até Ronald Reagan. A causa é muito mais simples. O Comunismo é regime para anjos e não para humanos, compromete os cidadãos numa existência solidária, altruísta, honesta: o governante não conspiraria contra os eleitores, o gestor não inventaria esquemas de lucro fácil, o banqueiro não desviaria o dinheiro para o offshore, o trabalhador não mandriaria, o padre não pecaria… … o vizinho cederia o ramo de salsa à vizinha.
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Uma drogaria ilimitada, trabalhar por meia tigela de arroz, propõem os empresários. Os políticos retraem-se para a sua função natural: cobrar impostos, que sem um plano, sem uma ideia que seja, para aplicar esse dinheiro, não vale a pena. Na última vez de dinheiro a sério no território, no século XVIII, quando as naus descarregavam o ouro do Brasil, os dirigentes tinham um objectivo visionário: construir igrejas e paços de morgadetes; as primeiras, para no século XXI, os seus descendentes rezarem pela equipa de futebol; os segundos, para as Câmaras Municipais terem sedes apalaçadas. Com elites tigela e meia, Portugal é mesmo “o país que se segue”, talvez não fosse má ideia escrever testamento …
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… Quando a economia da Islândia morreu, o seu último desejo foi que as suas cinzas fossem espalhadas por toda a Europa.
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[“Hypermusic Prologue, A Projective Opera in Seven Planes” – : libreto de Lisa Randall; música de Hèctor Parra; cenografia do artista plástico Matthew Ritchie. Uma ópera originada da maluquice, por este género musical, da física teórica americana Lisa Randall – autora do best-seller “Warped Passages” – e do fascínio do compositor espanhol Hèctor Parra pela Física Quântica: que, depois de ler o livro, cruzou-se com Randall em Berlim e pediu-lhe para escrever um libreto. Nos novos modelos cosmológicos, os belicosos e caprichosos deuses criadores do Universo substituem-se por partículas, pontos, linhas, curvaturas, ilimitado, finito e infinito: instrumentos teóricos construtores de paisagens estrambóticas, inóspitas, sobretudo, invisíveis, contudo, habitadas por humanos. Não humanos que alugam gueixas, fintam cornadas de touros ou “Uma Vaca Flatterzunge”, mas criaturas que experienciam hiperespaço. Estrutura dimensional*, irrealizável nos cenários de papelão da “Aida” ou “Nabuco”; na “Hypermusic Prologue”, duas personagens movimentam paixões entre projecções de vídeo: o barítono James Bobby interpreta o newtoniano, inserido em imagens industriais, representando o universo tetra-dimensional, enquanto que a soprano, Charlotte Ellett, partidária da física subatómica, é muitas vezes rodeada por projecções de formas cristalinas coloridas, insinuando a realidade expandida de uma quinta dimensão.
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* Na Teoria das Cordas deduziram-se modelos matemáticos de onze dimensões; as três dimensões, percepcionadas pelos órgãos dos sentidos – comprimento, largura, altura –, são apenas um aspecto da realidade. Lisa Randall teoriza sobre esta hipótese que pretende solucionar a contradição entre a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Geral, e é considerada um passo na Teoria do Tudo: a científica ambição de unificar a matéria e as forças conhecidas – gravidade, electromagnetismo, interacções fortes e fracas – num único sistema teórico matemático, que explicasse todos os fenómenos físicos: deduzidos de um único princípio].
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[Wanda Jackson – nascida dia 20 de Outubro de 1937 e ainda a espernear. O músico country Hank Thompson tropeçou nela quando, estudante de liceu (Capitol Hill High School), cantava na estação de rádio KLPR, da cidade de Oklahoma, em 1954, e convidou-a para uma sessão com a sua banda, his Brazos Valley Boys. Dessa cantoria, o dueto com Billy Gray, “You Can't Have My Love”, subiu ao 8º lugar do top country: apesar da caixa registadora tilintar, a editora de Thompson, a Capitol Records, recusa-lhe um contrato, “dolarizada” no empresarial argumento do produtor Ken Nelson: “gajas não vendem discos”. Wanda assina pela Decca Records vendendo o suficiente para ser entronizada “rainha do rockabilly”. Percorria ela a via country; em 1956, numa tournée com Elvis Presley, o futuro líder da máfia de Memphis, convence-a a mudar para um estilo musical que “ainda não tinha nome”, o rock ‘n’ roll: – (“Hard Headed Woman” ■ “Rock Your Baby” ■ “Funnel of Love” ■ “Fujiyama Mama”). Cristã-renascida desde a década de 70, fã de gospel, enjeita qualquer contradição entre Jesus e a rebeldia das letras do rock primordial. Quando este género musical desfalece ela regressa ao country. No ano passado Jack White (White Stripes) produziu-lhe um disco: – “You Know I'm No Good”, das 8:45 pm, bêbeda que nem um prado inglês, Amy Winehouse ■ “Shakin’ All Over”, da banda rock inglesa dos anos 60 Johnny Kidd & the Pirates.
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Na corte do rockabilly, bravos cavaleiros de brilhante armadura, desembainharam espadas, apeando sua gesta aos pés de donzelas: – o arauto saxofone de Roy Montrell convoca para o torneio ■ Mr. Cat Talk Lew Williams engancha o baile ■ antes conduzido pelo músico de blues, precursor do rock ‘n’ roll, Wynonie Harris ■ o bobo da corte Unknown Hinson ■ os revivalistas The Polecats dos anos 80 ■ os suaves Lone Justice da veludínea Maria McKee ■ todos pugnaram para que o rei, Deus verdadeiro, Lemmy Kilmister (Motörhead), protegesse a castidade das donzelas, sem lágrimas*, com The Head Cat ■ e o catafractário som vitorioso dos punks Dead Boys.
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* E… para não descriminar, também os donzéis. No século IV, recomendava o bispo a Santa Mónica, mãe de Santo Agostinho, solução para pear a depravação do valdevinos amado filho: “continue a rezar, pois é impossível que se perca um filho de tantas lágrimas”. No século XXI reza-se, no tears, por Saint Lu (banda da austríaca Luise Gruber)].