Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

terça-feira, janeiro 29, 2013


Papas & sarrabulho

No ano da graça de 1982, congraçavam as contas nacionais: “a dívida externa portuguesa era ligeiramente superior a 770 milhões de contos no final do primeiro trimestre deste ano, (…), o que significa dever neste momento cada português, uns 77 contos ao estrangeiro” [1]. “Prevê-se que no conjunto do ano de 1982 a balança de transações correntes atinja um défice de 2,5 mil milhões de dólares (…). Três ‘modestos’ empréstimos foram entretanto pedidos ou autorizados: 21 milhões de contos junto de um consórcio de 10 bancos liderado pelo Banco Português do Atlântico; 1,3 milhões de contos para Sines, mediante contrato assinado em Paris há poucos dias com o Banco Worms; e 7 milhões de contos pedidos ao Conselho da Europa” [2]. Pedir não é vergonha [3]: a pedido do ministro da Administração Interna português, “Fernández Dopico, chefe da brigada antiterrorista da polícia governativa espanhola, foi o ‘especialista’ que se deslocou a Lisboa, no dia 13 de fevereiro último, na sequência de um telefonema feito às três da manhã por Ângelo Correia, para o seu homólogo espanhol, Juan José Rosón”. “Dopico, um dos mais populares polícias do país vizinho – conduziu as investigações que levaram à descoberta do paradeiro do pai de Julio Iglesias e dos seus sequestradores [4] – é o braço direito do chefe do Comando Unificado de Luta Antiterrorista, Manuel Ballesteros, o polícia mais temido de Espanha”. O insone Ângelo Correia [5], destemido visionário de insurreições invisíveis, ajuntava os melhores espíritos da sua geração: segunda-feira 12 de abril “deverá chegar a Lisboa outro polícia espanhol, este para dar um curso de antiterrorismo a agentes da Polícia Judiciária. Este curso, que reunirá 40 agentes vai funcionar numa quinta perto de Loures e nele estarão incluídos alguns elementos que tiveram ligações com a ex-PIDE/DGS. (…). Depois do curso a brigada será instalada na rua José Malhoa, num edifício novo”.
No outro canto do pasto, a raison d’être dos cursos para polícias, polícias ladinos, protetores da calmaria social para os seus negócios, também se apinhava para o assalto bancário ao país [6]. “Os antigos grupos económicos que dominavam a banca antes do 25 de abril reorganizam-se no estrangeiro e criam as suas próprias redes bancárias. O caso do grupo Espírito Santo parece ser o mais significativo. Não é contudo o único! Os Mellos, por exemplo, são acusados em certos meios bancários de controlarem a gestão do relacionamento externo do Banco Totta & Açores, através de familiares e homens da sua confiança, colocados em Londres e Nova Iorque, e até na própria direção de estrangeiro da sede. No caso do grupo Espírito Santo, a sua atividade desenvolve-se atualmente na Europa e na América através de uma vasta rede bancária de que fazem parte nomeadamente a Société Bancaire de Paris, a Compagnie Financière Espírito Santo, em Lausana (Suiça), o Biscayne Bank em Miami e o Banco Inter-Atlântico de Investimento, no Rio de Janeiro”. O vice-governador do Banco de Portugal, dr. Loureiro Borges, encarregado da coordenação bancária, honestiza-os perante as vigilantes Comissões de Trabalhadores: “andam a sonhar com ladrões”, “se eles querem mandar para cá dinheiro porque é que havemos de os impedir? Só porque o grupo Espírito Santo lá está metido? Isso não são razões objetivas, nem jurídicas! Nós não temos nada que ver com quem são os donos desse banco! Não nos interessa se eles são os Espírito Santos ou os vizinhos do lado. Querem para cá mandar dinheiro e isso basta. O caso não tem a dimensão de uma pulga. O Espírito Santo já foi um papão mas já não é” [7].
Para o povo papar é… “a bica passa a custar 12$50, quando servida à mesa, e 10$00 se servida ao balcão, por determinação de uma portaria do ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, rubricada por Basílio Horta e publicada no Diário da República, com data de 6 [de abril]. Esta portaria entra imediatamente em vigor e determina, também, aumentos generalizados nos serviços de cafetaria e restaurantes que vão desde o galão (15$00) ao copo de leite (10$00 e 11$50, consoante a categoria dos estabelecimentos), à torrada (20$00 e 21$50), ao prego (40$00 e 42$50) e ao cachorro (20$50 e 22$50)”. Sexta-feira dia 23, o ministro reforça os aumentos. “O preço do pão vai aumentar entre 26,9 e 29,4% (…). As carcaças sofrem uma redução de peso, passando de 50 para 45 gramas, enquanto os pães de 250 gramas passam a ser produzidos com 240. (…). Basílio Horta anunciou igualmente a criação de um novo regime de preços para alguns bens essenciais que, na sua opinião, se traduzirá num maior controlo dos preços. (…) ficando assim sujeitos a esse regime o pão, o arroz, o açúcar, o leite, os medicamentos, as ervilhas congeladas, a cafetaria, os adubos, as carnes de bovino e a maçã”. Segunda-feira dia 26, “o quilo de carne de lombo sem osso, verde ou congelado, passa a custar cerca de seis notas de cem (590 escudos), e o da vazia (também sem osso) 530$00, seja de bovino adulto ou de novilho, fresco ou congelado. (…). A fralda, o peito, o rabo, a aba delgada, a aba das costelas, o prego do peito e o rabo, tudo carne de 3ª categoria, passa a custar 250 escudos o quilo, sem osso e 180 com osso. O quilo da língua sobe para 290 escudos, o de rim para 280$00”. Quarta-feira, 4 de agosto, “o preço da carne de bovino foi descongelado, por portaria publicada hoje no Diário da República pelo que as tabelas em vigor desde abril vão saltar, já amanhã, correspondendo os aumentos a percentagens variando entre os 10 e os 12%. Isto menos de 24 horas depois de o ministro Basílio Horta garantir que os preços dos bens essenciais não iam subir” [8].
Outros bens essenciais: “cocaína em Portugal de cinco a nove contos por grama. Menos conhecida e menos divulgada do que a heroína, a cocaína tem o seu mercado fixo em Portugal (a Judiciária tinha referenciados 1 413 consumidores). Mas, devido à política seguida pelas redes que a colocam nos países seus principais consumidores, nós somos sobretudo um ‘lugar de passagem’ para este pó branco que conquistou os jovens quadros e executivos americanos e se instalou na RFA, França, Suiça, Itália. (…). Nos EUA, o ano passado, uma onça de cocaína pura (28,35 g) ou vendida como tal, custaria aos jovens executivos ou quadros de empresas que são os seus consumidores preferenciais 2 200 dólares (cerca de 154 000 escudos), quer dizer, cinco vezes mais que uma onça de oiro”. O ciclo vicioso português era outro: “os jovens heroinizados portugueses de hoje começaram por roubar à mãe os comprimidos que ela tomava para dormir – e depois fizeram um vertiginoso caminho até ao ‘cavalo’, queimando etapas e, na mais grave das hipóteses, assaltando a farmácia do seu bairro em momentos de crise dependente. Os jovens heroinizados portugueses começaram por drunfos (medicamentos antidepressivos, neurolépticos, soníferos) ou anfetaminas (para estudarem para os seus exames) e depois, no dia em que falhou o assalto à farmácia, houve um amigo que lhes disse: ‘não, hoje não tenho drunfos para ti, mas tenho um chuto’. E experimentaram”. “Hoje em dia, em Portugal, a ‘heroa limpa’, misturada mas não ‘marada’, custa entre 12 000 e 16 000 escudos o grama” [9].
Em 1982, no centro do discurso económico do FMI estavam arcaísmos como “ajustamento”, “desemprego”, “segundo semestre”, que em 2013 nem linguistas nem economistas sabem o que significa. “O Fundo Monetário Internacional considera no seu relatório anual que a situação económica mundial continua a ser ‘preocupante’, mas que a luta ‘difícil’ contra a inflação que já proporcionou ‘certos progressos’, deve ser mantida firmemente. A inflação é ‘ainda demasiado elevada na maioria dos países’, constata o FMI advertindo os 146 países membros desta instituição internacional contra a tentação do recurso ‘fora de tempo a políticas expansionistas’. Defendendo a ‘paciência’ e a ‘prudência’, o Fundo Monetário reafirma a necessidade de se ‘prosseguir políticas globais de ajustamento’, nos países industrializados e em desenvolvimento, e isto ‘apesar das pressões causadas pelas tensões sociais e políticas decorrentes de um nível elevado de desemprego’. O Fundo mostra-se muito prudente no tocante às perspetivas de recuperação. ‘Poderá começar um modesto reequilíbrio no segundo semestre de 1982’[10].
Na cidade do Porto “era já sábado, 1.º de maio, 0:10, quando se ouviu o primeiro tiro. Depois outro e muitos mais à mistura com cassetetadas sobre quem quer que fosse e onde quer que estivesse nas imediações da sala de visitas desta velha urbe. Os corpos foram tombando, as fugas, desabridas sucederam-se, as pedradas também, e as ambulâncias entraram num louco rodopio. A baixa do Porto, da avenida dos Aliados até à praça da Liberdade, era uma zona sitiada. Foi um pandemónio até às duas da madrugada. A ordem era limpar tudo e todos. Fossem crianças, velhos ou mulheres. Os jornalistas, mais uma vez, se não fugissem também levavam. ‘Esse cartão não vale nada’ – disseram alguns polícias ameaçadoramente”. Morreram duas pessoas baleadas, Pedro Sarmento Vieira, 24 anos, e Mário Emílio Gonçalves, 17 anos. “Resultado do 1.º de maio mais sangrento de que há memória: dois mortos, alguns feridos graves e quase uma centena de feridos ligeiros, com marcas na cabeça, nas pernas, nas costas. Com pedras, foram atingidos alguns polícias: cinco registados no Santo António, um no S. João”. Ao fim da tarde do dia 2, o presidente da República Ramalho Eanes garantia a certeza habitual: “não vai ficar com certeza na gaveta”, o inquérito da Procuradoria-Geral da República; e “visitou os dois feridos que se encontram internados no Hospital de Santo António do Porto: Maria Emília e João Carlos. O presidente inteirou-se do estado deles, quis saber como foram as coisas e prometeu enviar livros para o João Carlos. (…). Maria Emília Silva Soares, 26 anos, por sua vez, contou ao PR que estava em camisa de noite quando foi atingida [no abdómen, por de bala 9 mm da Polícia de Intervenção do ministro Ângelo Correia] junto à sua residência, na travessa de S. Sebastião, 61-2.º, um pouco acima da rua do Corpo da Guarda. Estava preocupada com o atraso do marido, que tinha ido ao futebol, desceu à porta, juntou-se aos vizinhos que ali estavam mirando os acontecimentos que se desenrolavam dezenas de metros abaixo. ‘ A gente nem à beira de casa está bem’ – desabafa ela”. O Comando Distrital do Porto da PSP justificou num comunicado a origem do sarrabulho: “um grupo de indivíduos, empunhando bandeiras da CGTP-IN, tentou invadir o recinto da festa com o intuito evidente de assaltar o palco”.
Na terça-feira 29 de junho, um elemento da Polícia de Intervenção é entrevistado pelo Diário de Lisboa: “é difícil dizer, é claro que não estou de acordo que haja mortes. Mas para quem se encontra de fora, às vezes, é tudo muito mais simples. A nossa intervenção no Porto foi muito complicada. Quando chegámos ao local, havia uma grande confusão. Gente caída no chão, agressões, correrias, agentes do Porto um bocado desnorteados, civis de pistola na mão”; não seriam bófias à paisana? “Talvez… mas isso não lhe sei dizer”; qual a missão? “Bom. Geralmente aquilo que fazemos é dispersar os focos de perturbação. Por assim dizer, limpamos o terreno. Sei que nem toda a gente compreende que é preciso fazer isso. Mas é necessário”; há exageros nessas limpezas? “Exageros? Imagine-se com uma farda vestida, cumprindo uma ordem superior. Se alguém se recusa a acatar as diretivas de ordem pública, que saída lhe resta senão a do emprego da força?”; “diálogo? Depois de recebermos ordens para varrer o terreno? Deixe-me rir. Vê-se mesmo que nunca andou metido nestas alhadas”; “ora, ora… a Constituição. O que eu sei é que temos instruções para não entrar em paleios com os civis. Recebemos ordens e cumprimo-las. Não pode ser de outra forma”; “mas veja: quem é que matou as duas pessoas no Porto? Vieram logo dizer que foi a Polícia de Intervenção. Eu estou convencido que não fomos nós. Houve dois dos nossos que fizeram fogo, mas confessaram-no numa reunião com o nosso comandante. Disseram: ‘sim senhor. Fizemos fogo, mas só para proteger as carrinhas, fogo para o ar”.
Na segunda-feira 7 de junho, o adido comercial da embaixada da Turquia, Erkut Akbay, 39 anos, é morto pelas 13:00 horas em Linda-a-Velha, com cinco tiros 9 mm na cabeça e pescoço, no interior do Peugeot 504, azul metálico, matrícula CD-15-55. A sua esposa Nadide ferida com quatro balas ficou em coma no hospital S. José. “Na operação, reivindicada telefonicamente para as agências da France Press em Paris e em Lisboa, pelo Comando dos Justiceiros do Genocídio Arménio, teriam participado dois homens, sendo um o autor dos disparos (ainda jovem, trajando calça e casaco de modelo safari, de cor azul e com um panamá branco na cabeça) e outro, colocado à distância, igualmente jovem, moreno, de bigode e de fato de treino castanho. (…). O agressor, que com as mãos envolvidas num saco de plástico, empunhava duas pistolas Browning, uma das quais deixou abandonada no local, foi visto a fugir ‘em jeito de maratonista’ na direção de Linda-a-Velha”. Ângelo Correia, o duro ministro da Administração Interna: “lamenta profundamente o ocorrido” e serenou a pátria: “isto não significa que o terrorismo internacional tenha chegado a Portugal, pois foi o trabalho de um grupo particular contra um alvo específico”. Este atentado justificava os seus planos para a criação de uma polícia antiterrorista.  
Domingo 15 de agosto, pelas 21:30 na avenida da Liberdade explodem duas bombas. Uma, no n.º 192-A, nos escritórios da Lufthansa, a outra no n.º 244, nos da Air France. “O engenho que rebentou na Air France afetou ainda o segundo andar do edifício onde funciona a secção de Emigração da Embaixada da Austrália e a entrada da boîte Cova da Onça. (…). De acordo com a brigada de Minas e Armadilhas, as cargas utilizadas, constituídas, cada uma delas, por 1,5 kg de TNT ou explosivo plástico, foram colocadas nas plataformas entre os pilares e as montras dos escritórios”. Tomou conta da ocorrência uma das pupilas dos duros olhos do ministro Ângelo, a Direção Central Contra o Banditismo.
No ano de 82, entre patuscadas, guardas da PSP e guardas prisionais organizam-se em sindicatos. “Tendo em vista a criação de uma organização sindical-profissional que englobe os 18 000 efetivos da PSP, criou-se no passado sábado [26 de junho] uma comissão de 12 elementos, no decorrer de um almoço que reuniu mais de 200 agentes da PSP, que iniciará uma ação de esclarecimento junto da população, através de panfletos, e a nível interno dos próprios agentes. Entretanto, foi ontem [27 de junho] formado o Sindicato Nacional dos Guardas Prisionais numa assembleia, em Coimbra, que reuniu mais de trezentos participantes”.
Sexta-feira 7 de maio a “indústria de santinhos entrou no sprint papal. Artesãos e pequenos industriais da arte sacra de características mais populares estão a dar tudo por tudo para não perderem o comboio da vinda de João Paulo II a Portugal”. “A diferença entre as criações portuguesas e o que de similar se faz no estrangeiro é flagrante. Entre nós, a fabricação de toda a gama de produtos é deixada maioritariamente à iniciativa dos comerciantes, considerados individualmente. Com a agravante de tudo ou quase tudo ser feito em cima da hora e muito em cima do joelho. O aparecimento tardio dos pratos com decalcomanias, dos bustos em cimento ou plástico, das t-shirts ou dos galhardetes não se deve exclusivamente a esse facto. Cada comerciante ou industrial tratou de si e tenta chegar ao mercado na melhor altura: tempo para vender mas sem dar tempo a que a concorrência lhe copie as ideias. (…). O caso dos porta-chaves: aí se junta a componente importada do Japão, que é a parte de suporte. Junta-se-lhe o esmalte desejado, que no caso será a imagem de João Paulo II e/ou as armas do Vaticano feito numa outra unidade. A fábrica, no caso, incorpora a mão-de-obra. E assim o produto chega ao mercado. (…). A par da produção privada de material, a Comissão Nacional encarregada de organizar a visita do Papa concretizou várias iniciativas, desde uma medalha nacional, com tiragem limitada e distribuição pública reduzida [por 800$00], aos posters e autocolantes”.
Mais empreendedores são os carteiristas. Quarta-feira dia 5 “oito dias antes da chegada de João Paulo II a Fátima, os carteiristas já rondam a vila – referiram responsáveis pela organização da visita ao Santuário das Aparições. ‘Os carteiristas já começaram a sua peregrinação a Fátima. Até em Aljustrel, onde estão as casas dos videntes, foram recentemente detetados’, disse ontem em conferência de imprensa, o secretário do Santuário, Francisco Oliveira. ‘Não venham para cá com muito dinheiro. Tragam algum, mas não tragam muito’”. Os carteiristas sempre foram filhos de Deus. “Em qualquer grande peregrinação – escrevia, em 1977, o reitor do Santuário ao então ministro da Administração Interna, Costa Brás – são às dezenas as carteiras que entregam no posto de acolhimento do Santuário – vazias, claro está”
Quarta-feira 12 de maio “João Paulo II chegou ao aeroporto da Portela às 13:30 dirigindo-se, após os cumprimentos protocolares, [“sinto neste momento a necessidade de exprimir o meu mais alto apreço e render preito às tradições cristãs desta terra abençoada” – diria ele ao presidente da República], em cortejo automóvel até à Sé Patriarcal e igreja de Santo António. A seguir, cerca das 15:30, o Papa ruma para o palácio de Belém, onde será recebido pelo presidente Ramalho Eanes. Duas horas depois, o Santo Padre recebe na embaixada da Santa Sé em Lisboa o primeiro-ministro e outras individualidades oficiais [“ao encontrar-me com tão seleta representação de Portugal quereria assegurar-vos a maior estima pela alta missão de que estão revestidos ao serviço do bem comum de toda a nação” – disse o Santo Padre perante aqueles que subirão a dívida portuguesa para cima dos mil milhões de contos, no final desse ano]. A partida para Fátima está prevista para as 19 horas, mas o helicóptero inicialmente previsto poderá ser substituído por outro meio de transporte devido ao mau tempo que continua a fazer-se sentir”. São Pedro condescendeu. “Fátima, 20 horas e cinco minutos: os helicópteros aterram no campo de futebol, caiadinho de amarelo à espera de receber de mão beijada o nome de Campo João Paulo II. A multidão é imensa (…). Letreiros e estandartes: milhares. ‘Amo-te’, ‘Viva o Papa’, ‘Universidade Católica faz peregrinação a pé’. Também dizem da Polónia, pedem medianeiro para as Malvinas, falam de Pão e Paz no Mundo. A ‘Totus tuus’ corre de fio a pavio o Santuário. E o clamor torna-se impressionante, ensurdecedor, quando o Papa chega junto da Cruz Alta. Vem num jipe branco: há milhares de lenços brancos, flores, frases de entusiasmo. João Paulo percorre o pequeno caminho até ao Seminário, recolhe-se um pouco e só depois enceta a viagem até à Capelinha das Aparições, que perdeu toda a original traça rústica e parece uma montra da galeria Gulbenkian”.
“Só um homem de negro procura cada vez mais aproximar-se de João Paulo – escreve Neves de Sousa. Olho para o relógio: exatamente 22 e 45. Caminha-se para o altar-mor. O agente Ramalhete (da segurança) tenta afastar um padre que à viva força, quer chegar junto do ‘jipão’ que transporta o Papa, ao lado de D. António Ribeiro e do bispo de Leiria, todos semisubmersos por trinta outros homens da segurança, portugueses e italianos. Ramalhete começa a marcar o padre, rapaz ainda, olhos negros, cabelo muito preto, ar asiático. (…). O Papa começa a subir os degraus para o altar-mor. É ao centro que avança. Subitamente, há um vulto negro que se estatela, no penúltimo degrau. Pequeno, muito leve rumor, a multidão sem nada perceber, imaginando apenas que um padre sofrera um colapso, que a emoção era muita. De chofre, porém, o vulto negro dá um salto e começa a gritar: fala do Vaticano II, do Concílio, não se entende bem onde quer chegar. Tudo num ápice: quando aparece no chão, tem em cima o subchefe Moura, que quando ergue do degrau o padre tem a mão direita ensanguentada. O padre continua a gritar, sempre em espanhol. O Papa, que quando viu um sacerdote tombado voltara atrás para o ajudar a erguer, não entende o que se passa a dois metros. Só o agente Azevedo sabe bem: foi ele quem, com o pé direito, rasteirou o padre, provocando a primeira queda. Azevedo empurra imediatamente o Papa, mas ainda tivera tempo para pontapear uma bolsa onde o colega Moura mergulhou a mão: sai de lá com sangue”. Na bolsa estava uma baioneta de 37 cm de uma espingarda Mauser de 1914 e o padre era Juan Hernandez Krohn, espanhol, 32 anos: “utilizei um sabre porque não queria atingir o coração da Igreja com uma arma de fogo”. O padre Feytor Pinto julgou-o: “aquele sujeito é um fanático. Falou da situação da central polaca Solidariedade, da situação dos católicos na Polónia, do comunismo internacional, das excessivas aberturas da Igreja após o Concílio Vaticano II”. Num comunicado a PJ abcendeu-o: “os dados já recolhidos apontam, neste momento, no sentido de se tratar de uma ação isolada com motivação eventualmente religiosa, porventura relacionada com a formação eclesiástica recebida por aquele padre no seminário de Ecône, na Suiça, fundado por monsenhor Lefèbvre. Sabe-se que o detido havia anteriormente concluído a licenciatura em economia e em direito”. Monsenhor Lefèbvre lavou os polegares: “desde que é padre causou-nos muitas dificuldades e aborrecimentos… Já não faz parte da fraternidade há cerca de dois anos” [11].
A compaixão católica frechou os romeiros. “‘Se fosse eu que mandasse – dizia na noite do dia 12 um peregrino de Viseu – fazia a esse malandro o mesmo que ele queria fazer ao Papa’. Uma mulher de uma aldeia de Aveiro achava pelo contrário que o agressor do Papa não devia ser condenado ‘à morte’ mas sim ‘castigado aos poucos e poucos’: ‘punha-se uma gota de álcool em cada unha dos pés e das mãos e depois pegava-lhe fogo’”.
Sexta-feira, 14, “o helicóptero que transportava o Papa aterrou esta manhã no Terreiro do Paço, em Vila Viçosa (…). A recebê-lo o calor indesmentível de quantos, alentejanos ou espanhóis, acederam ao convite para virem ver o responsável da Igreja, em pleno Alentejo, um local que é considerado um dos maiores centros marianos portugueses. ‘Ide vós também para a minha vinha e tereis o salário que for justo’ – eis o mote para as palavras que o Papa aqui pronunciou esta manhã (…). O Papa aprofundava ainda mais a sua análise das questões relacionadas com o salário justo. ‘Neste ponto é imperativo reconhecer o lugar privilegiado de quem trabalha a terra, quer se trate de agricultores proprietários ou de simples trabalhadores não proprietários’”. Pelas 17:00 horas celebrava missa no parque Eduardo VII. “Foi o maior acto de culto até hoje celebrado em Lisboa: centenas de milhares de pessoas ouviram o Papa falar da ‘gesta do Portugal missionário’, lembrar que ‘para chegar ao bem é preciso passar pela renúncia’, que Deus deu ao Pontífice máximo da sua Igreja ‘a graça de amar muito os jovens’. ‘Gostaria de falar convosco. De olhos nos olhos, de coração a coração. Falar com cada um: mas o reino de Deus está próximo’”. Sábado, 15, “o mau tempo que persiste em toda a faixa do litoral norte de Portugal alterou o timing da visita do Papa ao centro e norte do país. Obrigado pelas más condições climatéricas a andar de comboio, e não de helicóptero como inicialmente previsto, João Paulo II viu o seu programa substancialmente atrasado. O atraso verificado corre o risco de impedir o Santo Padre de estar às 23 horas em Roma, onde, segundo uma fonte eclesiástica, ‘tem impreterivelmente de estar para assunto importante’. João Paulo II, que se dirigiu esta manhã aos estudantes de Coimbra com um ‘Olá Malta!’, antes de proferir na universidade um discurso essencialmente voltado para a cultura, [“entre as várias culturas, ocupa um lugar de honra a Cultura portuguesa. Uma cultura plurissecular, rica, com características bem precisas que a distinguem claramente da dos outros povos. Ela exprime o próprio modo dos portugueses de estar no mundo, a sua própria conceção de vida e o seu sentido religioso da existência”]. Seguiu depois para o Sameiro, na serra do Pilar, onde o aguardavam desde as primeiras horas de hoje milhares de peregrinos, na sua maioria espanhóis. Depois do Sameiro, João Paulo II dirigir-se-á ao Porto onde, na praça Humberto Delgado, deverá proferir um discurso consagrado aos trabalhadores industriais. Da praça Humberto Delgado, o Papa irá diretamente para o aeroporto de Pedras Rubras onde embarcará no avião que o levará de regresso a Roma”: “brota-me do mais íntimo da alma esta súplica: desça sobre todos os portugueses a bênção de Deus que lhes seja portadora de dons abundantes de luz, de alegria e de paz” – despediu-se o Papa, num ano de muito sarrabulho.
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[1] O salário mínimo era de 10 700 escudos. Em 2012, o salário mínimo sendo 485 euros cada cabeça da nação portuguesa deve 20 mil euros.
[2] “Cada português teria de trabalhar cinco meses gratuitamente para liquidar as contas externas do país, atendendo ao montante da dívida do Estado para com a banca e a finança internacionais (que está a ultrapassar, rapidamente, os 770 milhões de contos) e o salário médio nacional (que é da ordem dos 15 mil escudos). Mesmo assim, seria necessário que durante esse tempo todo aquele trabalho fosse voltado para as exportações e no período de quarentena nacional se fechasse a torneira das importações que dia a dia não cessa de alargar as contas públicas e ameaça mergulhar o país numa situação catastrófica, se não mesmo de bancarrota”. A governação foi de excelência e, 30 anos depois, cada português deverá só 18,3 mil euros ao estrangeiro, isto é, apenas 13 meses de trabalho.
[3] Se a mão não estiver estendida. No futuro (2012), o primeiro-ministro Passos Coelho: “uma nação que tem amor-próprio não anda de mão estendida nem a lamentar-se”.
[4] Os bófias são pardos todo o dia e o jornalista confundi-os. O valentaço libertador foi o coordenador e supervisor dos interrogadores do etarra José Arregui, morto após vários dias de tortura: “certos homens de Ballesteros, comigo como supervisor e coordenador, participaram no interrogatório do assassino José Ignacio Arregui”, Joaquín Domingo Martorell: “Julio Iglesias manteve contactos comigo sempre que vinha a Espanha. Agora, depois de muita consideração, decidi pedir a minha licença temporária da polícia e mudar-me para os EUA para trabalhar nos seus negócios”.
[5] Chuva dourada verter-se-á sobre Ângelo Correia no futuro (2012). Maltratado pelo Estado que lhe paga uma esquelética pensão de 2 200 euros por serviços prestados, pela força braçal eleva-se a 32º mais poderoso da economia, pela força vocal carimba sociologia: “é suposto na democracia escolherem-se os melhores, vamos supor que eu sou bom – não é verdade – sou chamado para uma área do Governo onde eu pratico a minha vida profissional, quando eu sair ‘tou impedido durante seis anos de lá voltar, o que é que eu vou fazer?”. (…). “Mas quais conflitos de interesses?! Porque é que a gente à partida há de pensar que um cidadão que vai p’o Governo vai olhar p’o seu interesse, não p’a pátria”. E avisa: “um dia aparece um populista demagogo que ganha eleições que o nosso risco não é, o nosso risco não é o autoritarismo, o nosso risco não é um golpe militar, longe disso, os militares são os primeiros amantes da paz e da democracia, nós hoje estamos numa democracia e temos de defender os nossos militares”, no programa “Olhos nos olhos”, tvi24.
[6] Foi um fartar de folhagem publicitária: “Banco Nacional Ultramarino pessoas experientes para pessoas exigentes”; - “primeira conta BPA o futuro acontece”; - “Banco Português do Atlântico uma questão de estilo”; - “Crédito Predial Português um banco com respostas”; - “Nova Rede grupo BCP por si até onde for preciso”; - “Banco Comercial Português dinheiro que pensa”; - “Banco Fonsecas & Burnay dedicado a si”. No futuro (2012) os clientes retribuirão a simpatia e atenção: o BCP será resgatado com 3 500 milhões de euros; o BPI com 1 500 milhões; o Banif com 1 100 milhões; e a C G D, banco do Estado para sentar colegas dos partidos políticos, com 1 650 milhões. No entanto, outros países ainda serão bancáveis: Millennium Angola
[7] Como todos, o dr. Borges tinha visão de futuro. “Reforçou a sua argumentação com as posições de insuspeitos professores americanos e canadianos, a tendência a nível mundial é para a tomada de controlo de toda a atividade bancária por parte dos Estados. Seja diretamente por via de nacionalizações ou indiretamente pelo reforço do papel das autoridades monetárias nacionais. Deste modo, e em sua opinião, não está longe o dia em que a atividade bancária esteja incluída no setor público em quase todo o mundo”.
[8] No futuro (2013) os portugueses enfardar-se-ão de carne de cavalo: hambúrgueres de cavalo 0,30 € / unid.; guisar ou estufar com osso 1,99 € / kg; carne para estufar 2,99€ / kg; carne picada de cavalo 2,99€ / kg; bife de cavalo 5,98€ / kg. 
[9] Os preços atuais são em conta: cavalo, uma quarta, 15 €; coca, já em base, 10 €. “Quarta” é o calão para um quarto de grama, no final da década de 80 custará 2 500$00, nos tempos de maior concorrência entre empreendedores do pó comprava-se quartas com meio grama.
[10] No futuro debate-se a bondade do FMI. Augusto Santos Silva, ministro da Defesa do Governo de José Sócrates, na campanha eleitoral de Manuel Alegre (2011): “é que o projeto político da direita portuguesa é um projeto de cedência, é um projeto de resignação, é um projecto que saliva com a simples possibilidade de retirar proventos partidários imediatos de uma eventual entrada do FMI em Portugal. Quem os viu ontem (aplausos), quem os ouviu ontem, quem os viu ontem, tão animados com essa possibilidade de retirar proventos partidários imediatos, de acontecer, eventualmente, esse seria um problema sério para Portugal, percebe bem que em cada momento estão disponíveis para pôr interesses partidários acima do interesse nacional”. Passos Coelho, em 2010, ainda candidato a primeiro-ministro: “trabalharei com o FMI, se for essa a forma de ajudar o país. Para isso é que Portugal faz parte do FMI”. “De mim não ouvirão frases como: daqui não saio nem à bomba, nada desse género, não quero cá ficar como semente”. “Estamos como o Churchill, a seguir à guerra, disse que tudo o que tinha para oferecer era sangue, suor e lágrimas”. “Foram precisos quase 15 anos de despreocupação absoluta, vai-nos demorar cinco ou seis a tirar o corpo da pancada”. Santos Silva, o pensador do Governo Sócrates, responde: “houve ali um sinal de alguma imaturidade política, perdoe-me a expressão, até dá a ideia de uma certa necessidade de chegar ao poder a todo o custo e a todo o preço. Mas os tempos não são de ansiedade nem de imaturidade, admitir sequer, como possibilidade, a entrada do FMI em Portugal, é pôr em causa, no dia seguinte à aprovação do Orçamento de Estado, a nossa capacidade de cumprir esse Orçamento”. Paulo Rangel, eurodeputado, homem viajado nas capitais, afinca (2012): “e essa credibilidade externa de Portugal está mais do que afirmada, apesar de em Portugal haver todos estes movimentos, toda esta contestação, eu posso lhe dizer que os Governos europeus, os líderes europeus, têm um profundo, digamos, respeito e acreditam muito! nos esforços que está a fazer o Governo português, não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. O prestígio de Portugal hoje, e do primeiro-ministro, do ministro das Finanças, é enorme. Portanto, isso é um capital muito grande, mas justamente a partir do momento em que temos esse capital, acho que o devemos usar agora! com as novas circunstâncias, nova política do BCE, nova visão do FMI, para tentarmos, enfim, pudermos encontrar pressupostos que a praaaazo, não é amanhã, não é depois de amanhã, não é porventura ainda em 2012, possam minimizar algumas…”.
[11] Condenado ao bloguismo: "Periodista Digital".

na sala de cinema

 “Emanuelle fuga dall’inferno” (1983): “Emanuelle, uma repórter, está demasiado perto de denunciar um funcionário corrupto e é presa sob falsas acusações. Na cadeia, as presidiárias são constantemente humilhadas e torturadas pelas guardas. Prisioneiras excessivamente boazinhas enfiam-lhes a cabeça debaixo de água enquanto as outras são obrigadas a ver. Emanuelle encontra uma inimiga na demente Albina que ‘controla a prisão’. Para deleite da diretora, Emanuelle e Albina são forçadas a lutar uma com a outra com facas. O mau torna-se pior quando quatro homens, aguardando execução, escapam e dominam a prisão”. Para rentabilização de meios, investimento e corpos nus, em simultâneo, com o mesmo casting, foi rodado “Violenza in un carcere femminile”: “Emanuelle entra na prisão sob disfarce para expor funcionários corruptos que brutalizam as presas. Emanuelle está chocada com os horrores e humilhações a que as prisioneiras são submetidas, mas quando a sua verdadeira identidade é descoberta, ela recebe o mesmo tratamento”. A atriz Laura Gemser, nascida em Java, Indonésia, de descendência hindu, satisfazia uma necessidade de mercado: o gosto cinéfilo europeu por carne preta, mormente despoletado pelo erótico sucesso da ítalo-eritreia Zeudi Araya, miss Etiópia 1969, filha de um político da Eritreia e sobrinha de um diplomata em Roma, o esplendor sobre o corpo de “La ragazza dalla pelle di luna” (1972), com a atriz ítalo-sérvia Beba Lončar e filmado nas Seychelles ou “La ragazza fuoristrada” (1973), onde também canta para a banda sonora [1]. Laura Gemser despira-se pela boa causa dos mercados em “Black Emanuelle” (1975): filme que “segue uma aventura erótica de Mae Jordan, uma hedonista jornalista de investigação e fotógrafa, viajante do mundo, conhecida pelos seus leitores como Emanuelle”, um dos “emes” é suprimido por questões de copyright [2]. Gemser fora massagista na Emmanuelle com dois “emes”, “Emmanuelle 2” (1975), com Silvia Krystel. Os mercados não dormem, produzem riqueza todos os segundos, e a atriz israelita Shulamith Lasri deu o corpo ao celulóide para “Black Emanuelle 2” (1976). Ulteriormente a repórter e fotojornalista globe-trotter Emanuelle vasculhará o mundo pela câmara depravada de Joe D’Amato; primeiro, com classe: “Emanuelle in Bangkok / Emanuelle nera - Orient Reportage” (1976) para uma reportagem sobre os ritos sexuais orientais com banda sonora de Nico Fidenco; depois, com badalhoquice: “Emanuelle in America” (1977): “de câmara a tiracolo, expondo o ventre perverso da sociedade, uma orgia de cada vez. Segue-as de um harém da classe alta, para se misturar com a aristocracia veneziana, uma espécie de spa para senhoras ricas, e finalmente depara-se com uma rede de filmes snuff”; nos estábulos do ricaço Eric van Darren (Lars Bloch), Emanuelle e outras convivas de uma festa ecfráctica espreitam uma mulher (Maria Renata Franco) a masturbar Pedro, – tudo normal na arquitetura de Deus da mão feminina para os cabos: da vassoura, da faca e do falo, não fosse Pedro… um cavalo; com banda sonora de Nico Fidenco; “Emanuelle Around the World / Emanuelle - Perché violenza alle donne?” (1977): “é convidada para a Índia, para escrever um artigo sobre o guru Shanti, o homem que reivindica ter conseguido o orgasmo perfeito. Uma vez lá, envolve-se numa variedade de actos sexuais, incluindo um com o guru, ela desmente a sua teoria. Então, vai para Hong Kong para investigar o tráfico de mulheres. Quando regressa à America, junta-se com a colega repórter Cora Norman (Karin Schubert) e ambas bisbilhotam uma pista de homens a contrabandear mulheres para o Médio Oriente”; num ginásio, Chang disciplina as novas escravas sexuais, uma é montada por um pastor alemão, outra pela introdução de uma cobra na vagina; com banda sonora de Nico Fidenco; “Emanuelle and the Last Cannibals / Emanuelle e gli ultimi cannibali” (1977) “ao trabalhar infiltrada num hospital psiquiátrico, Emanuelle depara-se com uma rapariga que parece ter sido criada por uma tribo de canibais amazónicos. Intrigada, Emanuelle e amigos viajam ao interior profundo da selva amazónica, onde descobrem que a extinta tribo de canibais está ainda muito viva e Emanuelle e a sua comitiva não são visitantes bem-vindos”; sangue, castração, violação, canibalismo, desmembramento, com banda sonora de Nico Fidenco; “Suor Emanuelle” (1977) “renunciando ao seu passado pecaminoso, Emanuelle entrou para um convento e tem-se dedicado a uma vida de obrigações. Entra a Monika Catsabriaga (Mónica Zanchi), filha de um abastado barão, inconformista e adepta do amor livre. Emanuelle é encarregada de manter a Monika na linha, mas quando o espírito selvagem da jovem traz de volta memórias do seu passado sensual, Emanuelle começa a questionar a sua própria identidade religiosa e sexual”; “Emanuelle and the White Slave Trade / La vida della prostituzione” (1978) “ao tentar entrevistar um evasivo gangster, a fotojornalista Emanuelle repara num homem a empurrar uma rapariga numa cadeira de rodas através do aeroporto. Mais tarde, noutro país, vê o mesmo homem e a rapariga em pé e a andar. Intrigada, faz um pouco de investigação e descobre uma organização lidando com a compra e venda de mulheres jovens. Ela infiltra-se na organização mas descobre que sair novamente pode custar-lhe a carreira e a sua vida”; com banda sonora de Nico Fidenco; “Emanuelle’s Daughter: Queen of Sados / I mavri Emmanouella” (1980), com Livia Russo: “depois de anos de abuso nas mãos do marido, Emanuelle está num ponto de rotura. Contrata um assassino para matá-lo, mas quando ela pensa que os seus problemas terminaram, o assassino chantageia-a. Enquanto o sócio do seu marido tenta provar a sua culpa e o assassino continua a ameaçá-la, Emanuelle luta para manter limpo o seu nome, e impedir a ingénua enteada de 14 anos de se enredar na teia de perigo que ela criou”; “Divine Emanuelle: Love Camp / Die Todesgöttin des Liebescamps” (1981), com Simone Brahmann: “a filha de um senador americano é arrastada, para um culto de amor livre hippie chamado Filhos da Luz, pelo namorado loiro da líder do culto, uma misteriosa e bela asiática. O culto revela-se não ser bem uma comunidade de amor livre como pretende”. “Emanuelle: Queen of the Desert / La belva dalle calda pelle” (1982) “no início, vemos Sheila (Emanuelle para fins comerciais), atraindo um soldado para uma armadilha e matá-lo. Então ela conhece quatro dos seus camaradas e melosamente oferece-se para os guiar até à fronteira. Não sabemos que país é (aparentemente africano mas, na verdade, filmado na ilha de Chipre), nem por quem lutam os soldados ou por que estão perdidos”. Laura Gemser comprazeu os mercados com outros filmes como: “Eva Nera” (1976); “El periscopio / Malizia erotica” (1979), com Bárbara Rey; “Erotic Nights of the Living Dead / Le notti erotiche dei morti viventi” (1980), com Dirce Funari; “Amore sporco” (1988), com Valentine Demy…
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[1] No mercado de carnes, uma outra cor variega a paleta da liberdade de escolha, uma Emanuelle amarela: “Il mondo dei sensi di Emy Wong” (1977), estreado dia 22 de outubro de 1980 no Odeon, com Chai Lee e a inocente ítalo-húngara Ilona Staller. Casta deputada do parlamento italiano (eleita em 1987 com 20 000 votos) e cândida atriz de “L’ingenua” (1975) ou de “La liceale” (1975) com a espantosa Gloria Guida, cujo 1,70 m, 56 kg, 86-60-86, foi o corpo quente das comédias italianas dos anos 70: – “La minorenne” (1974); “La ragazzina” (1974); “Quella età maliziosa” (1975); “La novizia” (1975); “Scandalo in famiglia” (1976); “L’affittacamere” (1976); “Avere vent'anni” (1978); “La liceale, il diavolo e l'acquasanta” (1979); “L'infermiera di notte” (1979); e cantora. – Entretanto, Ilona Staller prosseguiu mais grossa carreira na arte cinematográfica, chamavam-lhe… Cicciolina. (“Em setembro de 2011, foi revelado que Staller era beneficiária e receberia uma pensão anual de 39 000 euros do Estado italiano, como resultado dos seus cinco anos no parlamento do país. Reagindo à controvérsia suscitada pela notícia, a ex-estrela porno, que começou a receber a pensão em novembro de 2011, quando completou 60 anos, afirmou: ‘eu ganhei-a e estou muito orgulhosa disso’”).
[2] Outras despirão a camisola pelos dois “emes” como Monique Gabrielle, americana, 1,68 m, 59 kg, 86-60-86, Pet do Mês da Penthouse de dezembro 1982, em “Emmanuelle 5” (1987); Natalie Uher, austríaca, 1,78 m, 89-73-92, playmate do Playboy alemão de setembro 1984, em “Emmanuelle 6” (1988), filmado na Venezuela; ou na série “Emmanuelle The Private Collection” (2004-06), a compositora, cantora e modelo holandesa, olhos azuis, cabelo loiro claro, 1,78 m, 90-63-89, Natasja Vermeer.  

no aparelho de televisão

Homens da segurança” (1988) série televisiva de nacional estrepitante ação vivida por dois seguranças de um hotel na península de Tróia. Um gorducho, durão, Carlos Jorge, o Cajó, (Nicolau Breyner), escarninho da autoridade, obediente ao dever, o outro, Filipe Sarmento (Tozé Martinho), apessoado, playboy, um James Bond, como lhe alcunha o bófia local, o subinspetor Humberto Fernandes (Morais e Castro). Com a melhor atriz portuguesa, Manuela Marle, argumento de Manuel Arouca, o melhor autor português, os seus diálogos são rubenfonsequianos [1], brutalistas. Filipe: “mas afinal quem é que paga a conta?”, Luísa (Manuela Marle): “quem é que paga? então, pagamos a meias”, Filipe: “a meias? Mas foi você que me convidou para jantar, afinal, é ou não é uma mulher independente?”, Luísa: “sou independente mas não sou parva”, Filipe: “então se não é parva, dê-me um beijinho que eu pago o jantar” / Filipe: “para dizer a verdade, nunca gostei muito de estudar, sabe?”, Luísa: “não? Então gosta de quê?” (os dois na praia, acontece marmelada, ele por cima, ela, de bela nádega, com os pés enterrados na areia) / Luísa: “que é que você está à procura?”, Filipe: “não, nada, é que, vi-a a falar com aqueles e pensei…”, Luísa: “aaaai, o menino é ciumento, não lhe conhecia essa faceta” / Luísa: “você quer sais de fruto?”, Cajó: “isso não, faz muito barulho” / Vítor Mesquita (Henrique Santana): “antigamente, as senhoras perfumavam-se com requinte, com gosto, educação. Olha, tocavam piano, falavam francês, ah ah não! Olha, mon dieu, tinham chique, como dizia o Eça, chique, e depois sabiam escolher os seus confidentes a dedo. Hoje qualquer rapariga confessa os seus problemas existenciais a qualquer garotilho no metropolitano e até mais baixo que o metropolitano … agora, assim, é que não servem. Uma mulher que numa casa de jantar começa ali catadupas de lágrimas para a sopa, lágrimas na sopa, oh oh são umas histéricas, umas histéricas” / Luísa: “claro que passei! Foi a nota melhor de todas. 15, Filipe, 15 a sucessões”, Filipe: “que bom, hã? ‘tá a ver, isso é que foi estudar, valeu a pena”, Luísa: “ah! até não estudei assim muito”, Filipe: “não? então?”, Luísa: “usei minissaia” / Sofia Moreira (Teresa Clode): “mas você ‘tá em Direito ou ‘tá em Psicologia?”, Luísa: não. Como eu disse há pouco, eu estou a tirar o curso de Direito, só que você não se pode esquecer de uma coisa muito importante, é que eu já estou neste hotel há mais de três anos, é a experiência”, Sofia: “oh, então deve conhecer muito bem o comportamento de uma mulher em férias”, Luísa: “se conheço” / Filipe: “não bebo whisky, nunca … só bebo vinho do Porto” / Sara (Carla Matta): “mas tu já viste o caso de jogadores que se deram mal lá fora? Sei lá, o Chalana, o Gomes, o Oliveira”, Chico (Gonçalo Garnel): “eu sou profissional, se me pagarem” / Filipe: “sabe que no caso do Eusébio registaram-no com o nome de Rute?”, Tomás Mendonça, diretor do hotel (Baptista Fernandes): “o Eusébio, Rute? ah ah ah essa é boa, eu não percebo nada de futebol e eu não sabia” / Vítor Mesquita, subdiretor do hotel, a quem apelidaram Mon Dieu por ter sido emigrante na Suiça: “você seu gordalhufo do charuto, charutos baratos e repelentes e mal cheirosos, fique sabendo, quando não está cá o diretor sou eu que tenho de tomar conta do hotel” / Cajó: “o Mon Dieu apareceu aí há bocado, apontei-lhe a pistola, até começou a falar português”. “Festa é Festa” (sábado, 16 de outubro, 1982 – sábado, 25 de junho, 1983), estreou espetacular, com Baby Consuelo / Pepeu Gomes e o pitedo na plateia numa histeria extrema com os Duran Duran [2]. O programa intercalava música e humor. Uma das rábulas, de Maria Vieira como o chinesinho Faz Chi Chi, aborrecia a embaixada chinesa em Lisboa. A populaça, numa época ainda de reduzida comunidade chinesa em Portugal, gritava-lhes “Faz Chi Chi!” quando se cruzava com um, e nem o embaixador escapava. Após reclamação oficial, a personagem foi cancelada.
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[1] Rubem Fonseca, no livro “Feliz Ano Novo”: “O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci”.
[2] Na véspera dos seus primeiros concertos em Portugal, Porto 17 de outubro, pavilhão Infante de Sagres, Lisboa dias 18 e 19, pavilhão Dramático de Cascais, bilhete 450$00. Na época, os seus fãs pátrios eram fortemente conotados com larilas, de rímel, camisas de folhos ou blusões com fechos éclair, no trajeto para Cascais, sofriam insultos da malta mais camionista.

na aparelhagem stereo

António Manuel Ribeiro [1], um gatilho da síndrome de Clérambault – ou erotomania em Portugal, seu adónico espelho despoletou um delírio erótico fantasioso numa admiradora [2], – guitarrista e vocalista dos UHF, invoca ruas sem regresso: “esta rua do Carmo é manancial de coisas bonitas, não é? por que a ‘Rua do Carmo’ começa por ser escrita quando eu andava a estudar no liceu D. João de Castro e eu tinha de vir aqui todos os dias, ou fosse na ida para as aulas ou no regresso, eu tinha de passar pela velha Custódio Cardoso Pereira, loja de música que hoje já não existe, a discoteca Melodia também não existe e a Valentim de Carvalho também não existe, e que desapareceram com o fogo”. – Em 1988 o incêndio do Chiado coordenou duas portugalidades. Uma, um exemplo, a outra, uma causa. É um exemplo da inteligência paralela nacional, urbanistas da Câmara de Lisboa embelezaram a rua do Carmo com candeeiros, canteiros, muros e bancos para aprazimento turístico, esqueceram-se dos carros dos bombeiros, quando o Grandella inflamou-se, não havia espaço para eles. E causou o efeito bicicleta, isto é, pedalou para a frente o centro da cultura musical ardendo os arquivos da Valentim de Carvalho e encerrando a discoteca do Carmo. Hoje, a rua, poluída pelo fado regurgitado pelo ex-carro dos chocolates, lambe-se gelados Santini.
Lausperene! O futuro cultural nacional está assegurado com o concorrente do primeiro Big Brother (2000) Marco Borges; futuro musical: “Encontrei”: “olha… er er er… liderou. E esse foi, de facto, o único motivo pelo qual eu deixei de cantar, porque eu como fã assumido dos U2, quando vi que estava à frente de Bono Vox, liguei-lhe inclusive, e disse-lhe: Bono, eu vou-te ser sincero, nunca pensei que isto acabasse desta forma. Garanto que eu nunca mais vou cantar e retirei-me e cumpri a minha promessa”; e futuro livreiro: “já passaram 10 anos, não é? e agora vai sair um livro que a Marta está a escrever, um livro, e acho que passados 10 anos, nós todos recordamos e já passou o tempo suficiente pra nós abordarmos tudo o que vivemos lá dentro, tudo o que se passou lá dentro. Eu acho sinceramente foi, reforço, pá, foi uma aventura fantástica” (programa 5 para a meia noite c/ Luís Filipe Borges).
O estado no sítio, no:
Ku de Judas, 1983, Alvalade, escola secundária padre António Vieira, vocalista João Pedro Almendra: “no princípio dos Ku de Judas, por volta de 1983... o Serpa tocava guitarra, eu tocava baixo e o Bago D’Uva estava na bateria. Mas isso mudou com a entrada dos outros elementos: João Ribas (guitarra) e o Carlos Aguilar (bateria)”; o nome deriva de o Bago D’Uva ter de ir a casa de uma tia na Marteleira, Lourinhã, que ficava no… cu de Judas Anarkia em Portugal” ◙ “Violemos o Presidente”. Continuidade: João Ribas funda os Censurados e está n’ “a génese dos Tara Perdida remonta ao ano de 1995 - mais precisamente ao dia 10 de junho de 1995. Foi exatamente no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, que os músicos se juntaram pela primeira vez no bairro de Alvalade” (site). João Pedro Almendra em 1987 sai para os Peste & Sida: - “a Paulinha é uma miúda que existe. É uma amiga pessoal, que conheci através de umas bandas e que parou muito em Alvalade. Era muito gira: tinha o cabelo preto, olhos verdes e era simpática. Foi uma brincadeira que acabou por tornar-se num mitozinho. Foi a Paulinha como podia ter sido outro nome. Representa um bocado aqueles amores perdidos. Calhou naquele caso haver ali uma espécie de paixão platónica por ela”; em 2003 Almendra funda os Punk Sinatra. Fernando Serpa morreu em agosto de 2010. ♪ Crise Total, 1983, Algueirão, Manolo (voz), Rui Ramos (guitarra), Paulo Ampola (baixo) e João Filipe (bateria), em 1984 são banda revelação no 1º Concurso do Rock Rendez Vous Assassinos no poder” (1984) ◙ “Queremos anarquia” (1996) ◙ “A crise continua” (1996). Continuidade: Rui Ramos está nos Rolls Rockers, esteve nos Profilaxia e nos Feijão Freud. Paulo Pereira (“Ampola”), um dos fundadores dos Censurados é sargento na Marinha. João Felipe emigrou para o Canadá, regressou à banda em 1995, vive nos Açores. Xico, (voz) ex-Subcaos, na banda entre 95-97, funda os The No-Counts Doctrine Of Mayhem. ♪ Subcaos, Lisboa, verão, 1991, “Francisco Dias (aka Xico), João Abrantes, Rui Abrantes e Hugo Begucho, tendo-se esta formação mantido até à Primavera de 1993, altura em que, saindo Rui e Hugo, entrarão novos elementos, Diogo, Topê, Libelinha (ex-C.O.R.) e David. Em abril de 1992, o grupo grava e edita a sua primeira cassete intitulada ‘Genocídio’ e no ano seguinte aventuram-se numa tournée europeia e editam um split EP com os Hiatus, grupo crust belga que os acompanharaSugadores” ◙ “Metal Punk Death Squad” (2009) ♪  Corrosão Caótica, 1988, Benfica, Lisboa, Rui Lucena (bateria), Miguel “Zé Gato” (baixo), Penas (voz) e Cruche (guitarra), em 1989 com João Morais (guitarra) e Paulo “Piranha” (voz) ensaiavam na cave do Penas demoMais uma história de amor” (1990) ◙ apresentação no Johnny Guitar do EP “União e Okupação” (1992), refrão: “Ajude a polícia, bata-se você mesmo”. ♪ Grupo Parlamentar, banda do irmão de Kalú dos Xutos Na minha terra”. ♪ TiLT, Porto, chamaram-se Autocolantes, Aníbal Ferreira (voz), João Antero (guitarra solo), Paulo Fuentefria / Paulo Melo (teclas), Mário Luís (guitarra ritmo), Luís Filipe (baixo) e Rui Ferraz (bateria) Aqui neste país” ◙ “Bolinhas de sabão”. ♪ Speeds, Lisboa, finais de 70, João Braz (voz), Ricardo (guitarra solo), Pedro Oliveira (guitarra ritmo, harmónica), João Ejarque (baixo) e João José (bateria) Today Is Not A Good Day” (1980), 1º lugar no top do programa Rock em Stock: “nós lisboetas, temos uma dicção que não é fácil enquadrar-se no rock. Por enquanto vamos seguir os objetivos inicialmente propostos de cantar em inglês, embora já tenhamos na gaveta, qualquer coisa em português, mas a gaveta está bem fechada. Cantar em português seria uma experiência bastante aliciante. Gostávamos muito de cantar em português até porque gostaríamos de transmitir qualquer mensagem com as letras das nossas músicas, mas neste momento ainda não temos condições criadas para isso” (fotos). Continuidade: alguns membros formaram os Meninos do Coro Há revolta no zoo”. ♪ Vómito, 1986, Queluz, Zé Vilão (voz), Nuno Rafael (guitarra), João Miguel (baixo) João Leitão (bateria), gravaram duas demos: “30 minutos com…” (1988) e “Jequepote” (1989) Os putos da rua” (1988) ◙ “A pita da velha” (1989). Continuidade: Zé Vilão nos Peste & Sida.  Nuno Rafael nos Peste & Sida, Despe & Siga, diretor musical de Sérgio Godinho, dos Humanos, etc. ♪ Bastardos do Cardeal, 1982, Viseu, “Victor Vicente (bateria), Luís Vaz Patto (baixo e voz) e José Pedro Athayde (guitarra). Pouco tempo depois, ainda em Viseu, José Valor (guitarra) é admitido na banda, substituindo José Pedro Athayde que saíra para formar os Dead Dream Factory. Valor tinha uma velha guitarra portuguesa que não sabia tocar e com a qual se apresentou - devidamente eletrificada à sua maneira -, sendo talvez a melhor coisa que aconteceu, na altura, ao projeto, pois operou nela a transformação sonora que, nessa altura, se mostrava necessária, fazendo-a emergir duma adolescência que tardava em acabar”, em 1985 entra Luís Morgadinho (voz) Aranha”: “A aranha quer caçar / Preso na teia / Pensas escapar / Na teia que a ajudaste a montar / Sorris pra nova visão / Do presidente que impera / E que te diz que não” ◙ “O verme”. Continuidade: Zé Valor no Centro de Pesquisas Ruído Branco Ó Maria, vem cá”, nos Lucretia Divina Maria”; com Vaz Patto, mais Ângelo Almeida formam em 1990 os Major Alvega Transpirar”. ♪ Renegados de Boliqueime, 1993, Porto, Frágil (voz), Guerra (guitarra), Rui (baixo) e Giró (bateria): “o seu estilo é reminiscente do street punk / oi! britânico, com música agressiva e crítica, cultivando uma filosofia niilista e de apologia do álcool e das drogas” Troco Deus por uma cerveja”. Continuidade: Frágil, nos Motornoise Não” e nos Frágil and the Alcoholic Friends. Giro, nos Freedoom A morte não espera” e nos Dokuga Cicatriz”. Guerra, nos Motornoise e nos Ghosts of Port Royal Je suis un grand zombie”. ♪ Reposta Simples, 2003, ilha Terceira, Açores, Paulo Lemos (voz, baixo), João Pedro (guitarra) e João Tiago (bateria); Paulo: “nós temos a ideia de querer fazer algo, como ‘tava a dizer, do punk de intervenção social e queremos fazer algo, sobre a próxima revolução, que será deveras importante, seja uma revolução verde, ambiental. Tal como o nome próprio, o nome do EP, chamado Gaia, estamos a falar da mãe Terra e do ambiente e tudo o mais. Nós queremos demonstrar o efeito que o ser humano tem no planeta Terra e a destruição…” Revolução pessoal” (2005) ◙ “Sem cura” (2010). Menções punkhonrosas: Minas & Armadilhas S.A.R.L.: ”Minas e armadilhas / É só que quero / Minas e armadilhas / P'ra tudo rebentar / Minas e armadilhas / A minha luta / Minas e armadilhas / O meu conspirar”; vocalista Paulo Borges, um aluno de filosofia tergiversado em budista, Paulo Ramos (guitarra), Zé Eduardo (baixo) e Peter (bateria), sobram apenas fotos & relatos: 2 de maio de 1979, concerto no liceu D. Pedro V: “e entrou o segundo grupo, autêntico conjunto de minas e armadilhas para a sensibilidade musical, mas que conseguiu ser melhor que o anterior. Tocou foi um pouco demais, dado que as pessoas começaram a sentir a necessidade de ir arejar um pouco a meio da atuação”; em outubro de 79, na Sociedade Alunos de Apolo, João Cabeleira substituiu Paulo Ramos. ♪ Inkizição, 1988, Aveiro, The Fascist Inside Me” ◙ “Até que alguém se foda”. ♪ Skamioneta do Lixo, Lisboa, Aveztruz” (1996).
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[1] Áuspice: “o meu avô paterno tocava concertina e fazia bailes sozinho. Eu comecei a cantar na igreja, ao lado do meu pai, tenor de orfeão. Ia ver os saraus e cantava ao domingo na missa. Já tinha uma voz forte, chamavam-me o ‘homem grave’. Tinha 12 anos” (no jornal i).
[2] “Ela ficava à porta, ligava o alarme do carro. Sabia coisas da minha vida que remontam a 1989. Mandou-me 1900 mensagens, dizia que a minha vida ia ser um inferno, com ameaças de morte e castração com ácido sulfúrico”. Ana Cristina Fernandes, a perseguidora, foi condenada em 2010 a dois anos de pena suspensa e ao pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais, 15 mil euros ao popstar e 7,5 mil euros a Ana Seabra, sua namorada na data dos factos.

sexta-feira, janeiro 11, 2013


Corria o ano de 82

O ano corria, na poeira dos dias, um povo pulvéreo apachorrava-se nos entreforros orgulhosamente parado. Na sexta-feira, 12 de fevereiro, Greve Geral, enfatiotadas partes lutaram pelas estatísticas: “os que se diziam ‘livres’ [partidários do Governo AD] não poupavam os piropos em direção aos grevistas, sobretudo isolados. ‘Furar a greve, não obrigado’ exibia no peito uma jovem que alguns ‘livres’ provocavam ‘eu é que a furava toda’ (‘ainda ficas é com os cornos furados, ó facho!’, retorquiu a rapariga sem papas na língua). Outros, quando alguém recusava que lhe pusessem o autocolante, berravam excitados: ‘vai pra Rússia, ó comuna’”. Traulitada da cozida viram os pombos do Rossio: “faltavam sete minutos para as quatro quando uma desinteligência provocada, segundo o comando da PSP de Lisboa, pela passagem de um carro da AD [Aliança Democrática], e que envolveu, de acordo com testemunhas oculares um portador de uma máquina fotográfica, deu origem a tumultos. Os agentes da polícia destacados no local iniciaram uma ‘operação de limpeza’ da zona”, corada pelo ministro da Administração Interna, Ângelo Correia [1], enxugando num comunicado “os agitadores já identificados e detidos” que “promoveram” os agravos “de que resultaram ferimentos em pessoal da PSP e em cidadãos”. Esta greve geral, a primeira [2], liquidou-se, para os sindicalistas por uma vitória [3], 70% de adesão, para o Governo por uma derrota; o deputado Rui Pena (CDS): “ninguém mais se vai lembrar do 12 de fevereiro de 1982, porque a maioria dos trabalhadores recusou o fim de semana prolongado”.
Uma figura rosa não apadroou a greve, Mário Soares [4], secretário-geral do PS, pardos anelos encapotava para o seu futuro e desejava-se virgíneo de contágios com a CGTP ou o PCP – (além disso o PS tinha a sua central sindical, a UGT). Augurou-lhe negruras o sindicalista da CGTP José Luís Judas, antes de virar o cartão e alistar-se no PS: “é possível que ele esteja a tentar, com semelhantes atitudes, arranjar votos e apoios para vir a ser um dia presidente da República. Mas engana-se, pois jamais terá os votos da classe operária e dos trabalhadores”. Previsão branca, como em branco ficara a bomba estoirada no patamar da casa do secretário-geral da UGT, na avenida Afonso III, no Alto de S. João, Lisboa. Sábado, 6 de fevereiro, pelas 22:30, a vizinha Rosália Gonçalves, esbaforida, bateu à porta do sindicalista amarelo prevenindo-o da fuga de um indivíduo estranho, Torres Couto e a mulher chisparam-se esverdeados pelas escadas, e o engenho deflagra, “na fuga deixara a porta da sua casa aberta pelo que a explosão apenas provocou ligeiros danos materiais no interior da habitação” [5]. De responsáveis, declarou Torres Couto [6]: “jamais disse, ou diria, que este atentado teria sido da responsabilidade da CGTP ou de alguém do seu secretariado, ou até do PCP. Não sou idiota a esse ponto. O que eu disse, e repito, é que foi obra de quem se pretende aproveitar da greve para desestabilizar o regime”. As FP-25 [7] negam em comunicado “qualquer envolvimento nos atentados de que foram alvo o dirigente sindical Torres Couto e o industrial Montês”, no dia seguinte, em Cascais, e rejeitam “mais esta manobra policial e provocatória albardada pela direita com a cumplicidade ativa e oportunista do reformismo [epíteto com que era mimado o PCP, na época]” [8]. Os autores terão sido os Comandos Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental (CODECO).
Ângelo Correia persistia no sábado 13, durante 18 minutos na televisão, num “plano de subversão geral” encoberto na greve geral, desfilando exemplos: “uma outra acusação do ministro, que ‘configurou’ na RTP, referia-se a um caso de sabotagem numa fábrica de rações para gado [a Alprema], em Alcains. O ministro afirmava que se verificou sabotagem e que teria sido adicionado um produto tóxico. Afinal, tratar-se-ia de um erro na cadeia de produção e o produto não passava de sal de cozinha” [9]. O angelo-ministro obteve um grande sucesso policial. Quarta-feira, 17 de fevereiro o capitão Roby, alcunha de Jorge Veríssimo Monteiro, o homem que desafaimava o mulherio em Portugal e que a Justiça, por penúria de melhor juízo, condenara a sete anos e meio por burla, há três meses evadido do Linhó, é recapturado na pensão S. Francisco, na avenida da República, 48, Lisboa, “estava acompanhado por duas senhoras e passava o seu tempo a jogar cartas [à noite acostava-se com as ditas damas]; o seu anonimato era garantido por barbas e bigode falsos”. Disfarçara-se de advogado e jornalista, de nome Hernâni Santos, que estava “empenhado em escrever um artigo sobre os bastidores da AD”. – Neste ano, no fantasioso Carnaval carioca morriam mais de 120 pessoas, oito delas sob balas do Esquadrão da Morte. E Lisboa encarecia a hora da morte. Segunda-feira, 1 de março “o preço do talhão para uma sepultura perpétua nos cemitérios de Lisboa passou na segunda-feira de 24 para 50 contos. (…). Todas as taxas relativas aos cemitérios foram aumentadas abruptamente indo esses aumentos, nalguns casos, até quase 300 %. Neste caso encontram-se nomeadamente as taxas cobradas pela Câmara pela assistência às soldaduras efetuadas nas urnas dos jazigos e que passaram de 400 escudos em dias de semana para 1 500 escudos. (…). …a abertura de covas, cuja taxa sofreu um agravamento de cerca de 25%. Decisões desta natureza são habitualmente publicadas com dez dias de antecedência em editais camarários ou no diário municipal. Desta vez, o executivo de Nuno Krus Abecassis, limitou-se a comunicar telefonicamente as novas taxas para os funcionários dos cemitérios”.
Terça-feira, 2 de março, é data maior da vida parlamentar portuguesa. Feriado nacional deveria ser! O PCP apresenta pela boca da sua deputada Zita Seabra três projetos de lei: proteção da maternidade, planeamento familiar e interrupção voluntária da gravidez. A menção da cópula avoaçou os lençóis de linho da cama do CDS, Rui Pena: “uma família sem filhos é como um órgão sem função” e João Morgado: “o acto sexual é para ter filhos”. O deputado “Morgado, antes do 25 de abril diretor de Colónias Penais em Angola, hoje na bancada do CDS, tem precisamente a mesma noção de família da secretária de Estado, Teresa Costa Macedo”, ele é contra o sexo antes do casamento, “para aceitar isso eu tenho de aceitar a prostituição”, contra o aborto mesmo por violação, “porque no embrião, ainda assim, vem sangue da mãe”, contra a pílula “isso segundo a Lei Católica é pecado” e “eu pessoalmente não concordo com o divórcio”. Morgado especificou numa entrevista a católica usança dos órgãos sexuais, corrigiu, que não funcionavam só para fecundar sementes, que a Igreja também permitia a fuçanguice: “mas não disse que a Igreja Católica só permite o acto sexual para o nascimento de crianças. A Igreja Católica permite também o acto sexual com a finalidade dos cônjuges se realizarem. Com a finalidade do amor e de se realizarem paixões”. Não se safou, entretanto, de que a deputada Natália Correia lhe lesse um poema: “Já que o coito – diz Morgado – / Tem como fim cristalino, / Preciso e imaculado / Fazer menina ou menino; / E cada vez que o varão / Sexual petisco manduca, / Temos na procriação / Prova de que houve truca-truca”.
Segunda-feira, 15 de março, “o Grupo de Operações Especiais (GOE) da PSP treina-se intensivamente na quinta das Águas Livres, em Belas (Queluz), para poder entrar em ação em outubro próximo, segundo revelou ontem em Alijó, o ministro da Administração Interna Ângelo Correia [10]. (…). … destina-se ‘a combater os desvios dos aviões, raptos e o terrorismo internacional’. (…). … os elementos que integram o GOE usam farda azul – idêntica à utilizada pela Polícia de Intervenção – e boina verde-claro. Fazendo um pouco de história, poderemos dizer que o Grupo de Operações Especiais da PSP foi criado em 1977, quando era ministro da Administração Interna Costa Brás. O assunto manteve-se no entanto em ‘ponto morto’ até que, em fevereiro de 1979, o executivo de Mota Pinto reativou o processo aprovando a minuta da aquisição por 120 mil contos da quinta das Águas Livres, destinada ao GOE. Este veio a ser criado, no papel, em 24 de dezembro de 1979 quando Costa Brás regressou ao Governo e a eng.ª Maria de Lurdes Pintassilgo era primeira-ministra”. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito da léria não é por nós é por vós: “a segurança das pessoas e bens constitui indeclinável obrigação das sociedades democráticas” e “a liberdade de cada cidadão se afirmar nos seus direitos não pode estar ameaçada por surtos de violência perante os quais o Estado se veja impotente” – lia-se no preâmbulo do diploma. Sexta-feira, 19, “independentemente do GOE, uma nova ´’polícia dentro da polícia’ se divisa já, com caraterísticas que permitem aproximá-la de certos modelos de polícia política: trata-se da DCCB (Direção Central Contra o Banditismo), que poderá reclamar a investigação de praticamente todos os processos que lhe interessem. As suas atribuições vão desde os chamados crimes contra a segurança interior e exterior do Estado até aos assaltos a bancos e dependências congéneres, atentados bombistas, rapto e cárcere privado, desvio de aeronaves e crimes contra a vida, a integridade física e a liberdade das pessoas em geral e os agentes diplomáticos em particular. (…). Possuirá duas grandes secções, sendo uma de investigação e outra de vigilância. Será criada ainda uma unidade de tratamento de informação que deverá apoiar o trabalho de vigilância e de investigação”.
Quinta-feira, 18, “o primeiro-ministro português chegou esta tarde a Atenas para uma visita oficial de 24 horas. Segundo declarou Pinto Balsemão antes de partir, esta visita relaciona-se com o apoio da Grécia à adesão de Portugal à CEE e o estudo das repercussões da entrada daquele país no euromercado. (…). Hoje mesmo Balsemão encontrar-se-á com Papandreou e assistirá a um almoço oferecido pelo ministro grego dos Negócios Estrangeiros. À noite haverá uma receção na embaixada de Portugal” [11]. Sábado, 20, “o novo Código Penal atualmente em discussão no Conselho de Ministros, através de subtis alterações, deixa de consignar o crime de ‘ultraje ao pudor público’ e passa a referir apenas o ‘ultraje ao pudor de outrem’. Significa isto que o nudista só cai na alçada da lei quando, na praia, alguém se for queixar da sua nudez”. A Igreja Católica não desnuda a sua autorização através de um seu porta-voz: “é um problema de certa forma semelhante ao do aborto e do divórcio. Para a Igreja é ofensiva a exibição dos órgãos genitais pelo que a liberalização do nudismo nem sequer se põe como hipótese discutível”. Posição contra o tempo económico. Sexta-feira, 26, os portugueses tinham cada vez menos dinheiro para roupas: “as reservas de ouro do Estado português já não chegam para cobrir 75% da nossa dívida externa que ascende, neste momento, a 10 060 milhões de dólares (mais de 700 milhões de contos). (…). A dívida externa passou de 6 548 milhões de dólares em 1976 para 10 060 milhões em 1982, ou seja, um aumento de 48% em dois anos de gestão AD”.
Sábado, 3 de abril “a Grã-Bretanha cortou relações diplomáticas com a Argentina, e os jornais londrinos desta manhã fervilhavam de indignação imperial, atacando a primeira-ministra, a quem deixam de tratar por ‘dama de ferro’ para lhe chamarem ‘borboleta de pechisbeque’”. “As Forças Armadas argentinas lançaram na noite de quinta para sexta-feira um golpe de força nas ilhas Malvinas e controlam este arquipélago sob soberania britânica desde 1833”, decretando soberania argentina sobre as Malvinas e os arquipélagos desabitados das Georgias e Sanduiches do Sul. Segunda-feira, 5, a armada britânica abala para os mares do sul, 40 unidades, entre as quais dois porta-aviões, o Invencible e o Hermes, equipados com caças Harrier, vinte navios saem de Portsmouth e outros de Gibraltar. “Não foi fornecida qualquer indicação oficial sobre a missão”. “O ministro britânico da Defesa, John Nott, afirmou ontem que a Grã-bretanha estava pronta a ‘bater-se’, enquanto o presidente argentino, Leopold Galtieri, indicava por seu turno que o seu país utilizaria ‘todos os meios disponíveis para fazer frente’ a qualquer ataque militar”. Dois meses depois. Terça-feira, 15 de junho, “um cessar-fogo vigora nas Malvinas até às 14 horas, prazo durante o qual está a ser negociada a rendição dos sete mil argentinos ali estacionados. (…). Foi a primeira-ministra, sra. Margaret Thatcher [12], numa jubilosa comunicação à Câmara dos Comuns, quem confirmou estes factos”. Desgaste, do lado inglês, corpos: “pelo menos 228 mortos ou desaparecidos, incluindo 19 soldados, três pilotos de jactos e dois tripulantes de helicópteros perdidos em acidentes. Um piloto de jacto capturado, pelo menos 244 feridos”. Material: aviação: “oito caças Harrier de descolagem vertical e bombardeiros (cinco abatidos por fogo terrestre e três em acidentes), 11 helicópteros (cinco Sea King e dois Wessex perdidos em tempestades e acidentes, quatro Gazelle abatidos por fogo terrestre). Navios: contratorpedeiros Sheffield e Coventry, de 4 100 toneladas, fragatas Ardent e Antelope, de 3 250 toneladas, e o navio mercante requisitado Atlantic, de 14 954 toneladas. Seriamente danificados os navios de desembarque Sir Galahad e Sir Tristam. Dois contratorpedeiros, seis fragatas e dois barcos de desembarque danificados”. Do lado argentino, corpos: “pelo menos 82 mortos, 342 desaparecidos e 106 feridos, segundo números oficiais divulgados até 30 de maio”. Material: “aviação: 19 jactos e um helicóptero perdidos. Navios: o cruzador General Belgrano, cuja tripulação constitui a maior parte do número oficial de desaparecidos, um submarino classe Guppy, o navio fábrica de peixe Narwal, o barco patrulha Sobral e o navio tanque Isla de Los Estados, todos afundados” [13].
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[1] Ângelo Correia é, o Breitling Chronomat 01 Diamondworks lusitano, uma jóia de precisão no pulso do país. No futuro (2012), dirá sobre mentir para ganhar eleições: “eu não ia tão longe. Não é preciso mentir. É preciso, talvez, fazer outra coisa, que é não falar dalgumas coisas. Quer dizer, pra não mentir, não falar, porque se disser totalmente a verdade é mal compreendido. E Roma punia sempre e matava sempre os mensageiros que traziam as más notícias”. Sobre uma questão sociológica e psicológica: “houve uma mudança qualitativa nos últimos anos. Porque, antigamente, há 15, 20 anos, fazia-se uma estrada, um porto de pesca, mas nos últimos 10 anos, de repente, desatámos a fazer e a prometer e a fazer obras espantosas, porquê? Porque aconteceu uma segunda questão de natureza sociológica e psicológica. Na sociedade portuguesa, de repente, as pessoas julgaram, os portugueses julgaram, que aderindo Portugal ao euro e à União Europeia e ao euro nós íamos produzir o suficiente para sermos tão ricos como os alemães. Gastámos como os alemães, só que esqueceram-se de uma coisa. Nós, de facto, queríamos consumir como os ricos, mas produzíamos como os pobres. Estávamos mais próximos da produção, com Marrocos, do que com a Alemanha”, (no programa “Olhos nos olhos”, TVI24).
[2] A primeira, depois do 25 de abril de 1974, convocada apenas pela CGTP; a segunda, dia 11 de maio desse ano; a terceira, que foi a primeira convocada pelas duas centrais sindicais, CGTP e UGT, 28 de março de 1988; a quarta, 10 de dezembro de 2002; a quinta, 30 de maio de 2007, ambas convocadas apenas pela CGTP; a sexta, 24 de novembro de 2010, com as centrais sindicais outra vez amásias; a sétima, 14 de novembro de 2012, com as centrais sindicais desquitadas.
[3] Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, triunfador, na greve geral de 14 de novembro de 2012: “aí está ela! Resultou! Resultou em pleno! em Portugal e para demonstrarmos também ao Governo e à União Europeia que aqui há força! Que há coragem! Que aqui há dignidade! Que aqui acredita-se neste país! (…). Estamos perante uma das maiores greves gerais jamais realizadas em Portugal”.
[4] Mário Soares no futuro (2011) babará os seus: “Sócrates é fixe. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que eu acho que ele é mesmo fixe. E que ele pode resolver os problemas do Partido Socialista e do país”. Pernóstico, autoconvenceu-se que, no seu tempo, banazolas líderes é que eram magnificentes: “a Europa está a ser governada por uf! é desagradável dizer isto à frente de jornalistas, mas por medíocres. Medíocres. É o mais agradável que eu posso dizer… Berlusconi, ou o Sarkozy, ou essa senhora que é muito simpática e muito bonita”.
[5] A revolução século XXI far-se-á com bombas sexy. No Chile, Camila Vallejo, “She’s a Rebel”, 24 anos, licenciada em geografia pela faculdade de Arquitetura e Urbanismo, membro da Juventude Comunista, foi vice-presidente (retornou ao cigarro durante essa campanha eleitoral) da Federação de Estudantes da Universidade do Chile: “precisamos de organização coletiva e ação”, e foi uma inspiração no movimento estudantil chileno em 2011 que reclamava uma nímia heresia: educação gratuita. “Dezenas de universidades e centenas de escolas foram ocupadas durante meses. Anos letivos inteiros tiveram de ser cancelados. Cerca de 200 000 estudantes marcharam através de Santiago todas as semanas, cada marcha, um minicarnaval. A resposta da polícia foi muitas vezes brutal: gás lacrimogéneo e canhões de água”. O Estado, aparelho de classe, estraçalha com cacete e manipulação qualquer ameaça ao poder da classe dominante (conquanto os intelectuais portugueses sonharem com fios, Clara Ferreira Alves: “os polícias são povo”, - aquando do proscénio de pedrada contra a bófia em frente da Assembleia da República dia 14 de novembro de 2012). Camila: “para mim, que te apliquem choques elétricos nas mãos, no corpo, é uma forma de tortura”. Camila: “penso que essa ideia que estão a promover é muito importante, e tem um grande significado, em que questiona a profunda relação entre aqueles que estão a monopolizar o poder em diferentes áreas da nossa sociedade global, bem, todos os continentes que compõem o nosso planeta Terra, e que estão exercendo claramente um grau de domínio económico, cultural e mediático, o qual devemos combater. Todos merecemos uma retribuição justa pelo nosso trabalho, também precisamos de justiça em relação aos meios de produção, não simplesmente em relação à redistribuição, que é fundamental. Também precisamos de democratizar as bases do poder em todos os nossos países e os nossos continentes”. Camila: “politicamente, e aqui mais uma opinião da minha militância, de nós como comunistas, o que queremos é que, o que há a fazer hoje em dia é que o movimento [estudantil] consiga tomar a decisão de autorepresentar-se na esfera política, ou seja, que não vamos somente para as ruas exigir mudanças a quem sabemos está diametralmente em desacordo connosco, jamais vão fazer, porque se cedem, alteram os seus próprios interesses económicos, políticos, ideológicos, etc. e começar a disputar esse espaço”. Camila: “durante anos, os neoliberais têm tentado replicar ‘o sonho americano’ na América Latina, o que trouxe pobreza, desigualdade, falta de educação e miséria”. Camila, na delegação dos jovens comunistas chilenos, com Karol Cariola, presidente da Juventude Comunista, esteve em Genebra, (fevereiro 2012), na defesa da causa do povo mapuche e do modelo comunista chileno. – Na Colômbia, a revolução é… a Kalashnikov da camarada Alexandra: “En los cinco continentes / Los amos de las finanzas / Aprietan el cuello al pobre / Yo los enfrento con armas. / No me siento una heroína / Soy una mujer normal / Es mi consciencia y me anima / A enfrentarme al capital”. A camarada Alexandra i.e. Tanja Anamary Nijmeijer, 34 anos, holandesa, licenciada em filologia pela universidade de Groningen, fluente em inglês, espanhol, italiano, alemão, francês e holandês, desde 2002 é guerrilheira das FARC: “sinto-me realizada como guerrilheira e não sei o que teria sido de mim sem as FARC. Seria uma dona de casa, teria três filhos e estaria divorciada, mas não realizada”. Desde 5 de novembro (2012) está em Havana nas negociações para um processo de paz inquinado, porque as exigências da guerrilha são inaceitáveis para qualquer Governo democrático: “paz para nós é paz com pão, paz com tecto, paz com educação, paz com terra, enfim, paz com justiça social”. Como democrata, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, é um homem veraz: “o que referiu relativamente às bases militares. Na Colômbia não há bases militares dos Estados Unidos, isso é um sofisma, é uma invenção, não está correto. Nós tivemos colaboração dos Estados Unidos no combate ao tráfico de droga e ao terrorismo, muito útil, e que foi para nós muito importante, mas não há nenhuma base militar norte-americana. Isso não existe na Colômbia” (no programa “Sociedade das nações”, SIC Notícias, c/ Nuno Rogeiro).
[6] Torres Couto, no futuro (2012), sobre atiçar a carneirada: “se eu, como sindicalista, fosse um cidadão irresponsável, eu teria dado razão àquela frase terrível de Ortega y Gasset, quando ele diz que, a única coisa de que tem medo é das multidões manipuladas e desordenadas. Eu tenho consciência do significado dessa frase de Ortega y Gasset porque eu muitas vezes ‘tive à frente de multidões e eu levava-as para onde eu queria, se eu fosse irresponsável. Se eu fosse um incendiário. Se eu fosse uma pessoa com mau instinto, eu poderia ter aproveitado a capacidade que tinha de liderança de massas para as conduzir para becos sem saída”.
[7] Grupo de defesa popular, dia 20 de abril de 1980 anunciam-se com o rebentamento de 110 petardos por todo o país, contendo o “Manifesto ao Povo Trabalhador” que terminava com as palavras de ordem “contra a violência da burguesia, violência dos trabalhadores”, “pela revolução socialista”, “a luta continua”. Um dos fundadores, Luís Gobern Lopes, dito o “Anarquinho”: “o nosso objetivo era o enquadramento militar dos trabalhadores numa perspetiva defensiva, não com caráter de lançar a luta armada. Mas a dada altura o contexto alterou-se. As organizações que sejam organizações paramilitares ou militares têm muita dificuldade em ficar por aí, em acumular forças em termos estratégicos. Há sempre uns quantos que têm muito sangue na guelra e que querem é atuar. E depois perdem-se”.
[8] Terça-feira, 14 de maio de 1980, cerca das 11:00 horas, um carro com três mânfios, estacionado em contramão entre a travessa do Possolo e a das Almas, atrai a atenção do guarda da PSP Damião Nogueira Teixeira da Mota, de plantão na residência do ministro das Finanças Aníbal Cavaco Silva. Quando se arma em bisbilhoteiro, os indivíduos alegam avaria no carro, um deles, de caçadeira de canos serrados, dispara-lhe uma chumbada no peito. O guarda esconde-se na entrada de um prédio e os vadiotes fogem. O carro fora roubado na Costa da Caparica e a agência de notícias ANOP receberá um telefonema de um porta-voz das FP-25 reivindicando uma tentativa de rapto do ministro. Cavaco Silva não ia almoçar nesse dia a casa e a esposa, Maria, agigantou-se na sua importância, que talvez fosse ela a vítima, embora se inclinasse para o roubo: “o local é ermo e já não é a primeira vez que isto acontece. Ao próprio ministro (antes de ser ministro) já lhe roubaram o automóvel naquele sítio”.
[9] Ângelo Correia é um visionário de planície: “o dr. Vítor Gaspar é excelente, excelente. Tem um discurso interessantíssimo, tem um conhecimento excelso e profundo da economia e das finanças. Mas tem dois problemas: primeiro, é um executante prático dum programa, dum partido e duma coligação. Ou seja, a técnica, incluído as finanças, é a execução duma ideia política, o que está acima de tudo e que tem que estar presente na vida nacional por vários partidos são ideias políticas, e quem as tem é o primeiro-ministro. Quem as tem que conduzir. Logo, o ministro das Finanças é, em primeiro lugar, um executante e não um comandante. Comanda a sua área, mas não comanda a visão geral do país. Segundo lugar, eu acho que o dr. Gaspar tem um conhecimento enorme de Portugal, do passado, mas ultimamente esteve muitos anos fora, e muitos anos fora, é certo que em plateias e em palcos importantíssimos, onde o comum dos portugueses não chega, mas às vezes chega-se tão alto, tão alto que não se vê a planície”.
[10] No futuro (2012) Ângelo Correia será homem de pás, de ação, de conselho arganaz: “porque repare, a primeira fase do Governo foi ir aos impostos indiretos, agora vai aos impostos diretos. Depois disto não há a terceira opção, como tal tem que dar a bem, se não der, o que é que acontece? Bom, se não der, ele é chegar a conversar seriamente com a troika, e dizê-lo com toda a naturalidade: eu fiz tudo! aquilo que os senhores mandaram, eu fiz tudo, até fui mais longe daquilo que me comprometi com os senhores. Por razões morais e políticas, os senhores não podem acusar-me, a mim Passos Coelho, de não ter feito aquilo que me comprometi”.
[11] Francisco Pinto Balsemão no futuro (2012) concordará com o para mim não, para os outros: “acho que os serviços secretos são uma atividade necessária dentro de determinadas balizas e que Portugal, pelos vistos, tem os serviços secretos num estado de desorganização, pior que isso, de miséria moral, que muito me preocupa … penso que é indispensável uma imediata limpeza e um imediato esclarecimento sobre tudo o que se lá passa”. O superespião Jorge Silva Carvalho teria encomendado um relatório sobre ele. Elenca decadência: “deve-se a uma promiscuidade perigosa, completamente indesejada, entre poder económico e poder político, deve-se a uma falta de controlo por parte de quem tem constitucionalmente a obrigação de controlar, mas controlar mesmo, e deve-se também a este sentido geral de impunidade que infelizmente continua a existir em Portugal”.
[12] François Mitterrant descreveu-a como uma mulher com o olhar de Calígula e a boca de Marilyn Monroe. Elvis Costello, fucking sick, protestou-a em “Tramp the Dirt Down”. Margaret Thatcher, filha de pai protestante metodista, dono de duas mercearias, viveu por cima da loja maior. Quando ainda líder da oposição, em 1976, atirou duras diatribes contra a União Soviética, na resposta, no jornal Krasnaya Zvezda (Estrela Vermelha), o capitão Yuri Gavrilov apelidou-a de Dama de Ferro. A alcunha aferrou-se-lhe quando desaçaimada prosseguia tresloucadas políticas: “a sua filosofia política e políticas económicas enfatizavam a desregulação (particularmente do setor financeiro), mercados de trabalho flexíveis, privatização de empresas estatais e reduzir o poder e influência dos sindicatos”. Endireitou os dentes, alindou o corte de cabelo, desfez-se das blusas com laços espalhafatosos e treinou a voz para atenuar o irritante som estridente, foi Laurence Olivier quem lhe indicou um treinador da fala do Royal National Theatre. Trabalhadeira, dormia quatro horas por dia, dobrou o sindicato dos mineiros, amigada com Rupert Murdoch atacou o sindicato dos jornalistas da imprensa escrita, retirou o leite grátis na escola para maiores de sete anos… Ela tinha grande consideração por Cavaco Silva.
[13] Em Dezembro de 2012 os ingleses desclassificaram documentos da contenda. “A guerra custou a vida de 649 argentinos e 255 soldados britânicos, juntamente com três ilhéus idosos”. Telegrama de Thatcher, nunca enviado, para Galtieri: “com a sua experiência militar você não deve ter dúvidas quanto ao desfecho. Em poucos dias, a bandeira britânica estará outra vez esvoaçando em Port Stanley. Em poucos dias, também os seus olhos e os meus estarão a ler as listas de baixas. Do meu lado, o sofrimento será amenizado por saber que estes homens morreram pela liberdade, justiça e o Estado de direito. E do seu lado? Só você pode responder a essa pergunta”. O amigo Reagan, também condutor de impérios, recebeu carta de pedido de ajuda, assinada “calorosa estima pessoal, Margaret”: “escrevo para você em separado, porque acho que você é a única pessoa que vai entender o significado do que estou tentando dizer”. “Eu também acredito que a amizade entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha importa muito para o futuro do mundo livre”. A invasão das Malvinas era uma lança espetada no império britânico, só arrancada com a retirada dos argentinos; segundo uma nota oficial do seu gabinete: “a Grã-Bretanha não tinha perdido preciosas vidas na batalha nem enviou uma enorme força para entregar as ilhas da Rainha a um grupo de contacto. Como a Grã-Bretanha tinha ido para as ilhas sozinha, sem ajuda externa, ela não podia agora deixar que o invasor ganhasse com a sua agressão. A primeira-ministra pediu ao presidente [Reagan] para se colocar na sua posição. Ela perdeu valiosos navios britânicos e inestimáveis vidas britânicas. Ela tinha a certeza que o presidente teria agido da mesma forma se o Alasca tivesse sido igualmente ameaçado”.

na sala de cinema

Fruits of Passion” (1981), estreado dia 27 de agosto de 1982 no cinema Éden. Adaptação do romance erótico francês “Retour à Roissy” de Pauline Réage, sequela de “Histoire d’O”, c/ Isabelle Illiers (O), Klaus Kinski (Sir Stephen), Arielle Dombasle (Nathalie) [1]; Xangai, 1929, O ama um homem muito mais velho e muito rico, Sir Stephen, como totem do seu amor prostitui-se num lupanar onde sofre as piores sevícias sexuais, “um rapaz pobre vê-a e apaixona-se por ela. Para obter o dinheiro necessário para dormir com ela, ele junta-se à revolução. Além disso o filme mostra o destino de algumas das outras prostitutas”. “Prénom Carmen” (1983), estreia, 27 de dezembro 1985, na sala 3 do Quarteto; Jean-Luc Godard revoluciona le cinéma, se não sobre a contradição de Mao Zedong [2], com o grande salto em frente das tetas de Maruschka Detmers [3]: “a protagonista é Carmen X, membro de um grupo terrorista. Ela pede ao seu tio Jeannot, um realizador de cinema caduco (interpretado por Godard), se ele pode emprestar-lhe a sua casa de praia para fazer um filme com alguns amigos, mas, de facto, eles estão a planear roubar um banco. Durante o assalto ela apaixona-se por um segurança. O filme intercala entre, a fuga de Carmen com o guarda, a tentativa do seu tio de fazer um filme de regresso, e um quarteto de cordas a ensaiar Beethoven”.
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[1] A madame cantora de monsieur Bernard-Henri Lévy antes de a big life intelectual que os alojará numa mansão de 3 milhões de euros em Tânger. – Bernard é um escritor hotel 4 estrelas: “Deu o exemplo das mulheres belgas que só são assim tão ‘feias’ porque são ‘naturais’ – prova-o aquela cena horrível, anotada numa das suas folhas, onde se via ‘a mãe belga brincando com o filho na latrina e rindo-se para os vizinhos’; ou então, na mesma página, a imagem dessa rua com ‘as suas seis senhoras belgas a barrar a passagem, mijando, umas de pé, outras acocoradas, todas a fazer as necessidades’”, em “Os últimos dias de Charles Baudelaire”. Fino retratista camisa branca: “nesse momento fez-me pensar nos terroristas do 11 de setembro – Atta, Majed Moqed, Alhazmi, Khalid Almihdhar – cujos últimos prazeres neste mundo, descobertos pelo FBI, causaram a estupefação dos seus agentes: um encontro em Las Vegas; um flirt com uma puta mexicana; dez minutos num sex-shop; uma hora passada na rua principal de Beltsville, diante das vitrinas das lojas de artigos de roupa interior feminina”, em “Quem matou Daniel Pearl?”. E um cabeludo filósofo de funda citação, em “De la guerre en philosophie” Bernard morde Kant, “esse furioso do pensamento, esse enraivecido do conceito”, citando um banho de água fria de Jean-Baptiste Botul: “após a Segunda Guerra Mundial, na sua série de conferências para os neokantianos do Paraguai, que o seu herói era um falso abstrato, um puro espírito de pura aparência”. – Botul, autor de “La vie sexuelle d’Emmanuel Kant”, tem uma existência equivalente a Bernard como filósofo, não existe, é um escritor fictício aleitado pelo jornalista do Canard enchaîné, Frédéric Pagès: “quanto mais se fala de Botul mais ele existe. A questão complica-se de dia para dia. E penso que dentro de alguns séculos, graças a Bernard-Henri Lévy, estaremos todos de acordo, afirmando que Botul existiu”. – Outra figura fictícia já enraizada na Cultura é Joseph Crabtree.
[2] Mao Zedong, em “Sobre a contradição” (agosto, 1937): “Engels disse: ‘o movimento em si é uma contradição’. Lenine definiu a lei da unidade dos opostos como ‘o reconhecimento (descoberta) do contraditório, mutuamente excluído, tendências opostas em todos os fenómenos e processos da natureza (incluindo mente e sociedade)’. Estão estas ideias corretas? Sim, elas estão. A interdependência dos aspetos contraditórios presentes em todas as coisas e a luta entre estes aspetos determina a vida de todas as coisas e empurra o seu desenvolvimento para a frente. Não há nada que não contenha a contradição, sem a contradição nada existiria”.
[3] Proletária holandesa, de poucas roupas, com Jane Birkin em “La Pirate” (1984), ou a personagem Giulia Dozza: “quero uma história bonita”… Andrea Raimondi (Frederico Pitzalis): “no dia 3 de abril de 1917, proveniente da Suiça, Lenine chegou a S. Petersburgo. Na estação uma multidão incrível esperava à luz de tochas…”, crónica histórica que igniza para o fellatio no filme de Marco Bellocchio “Il diavolo in corpo” (1986).

no aparelho de televisão

A árvore dos Patafúrdios” (1984), exibida aos domingos de manhã na RTP 1 no ano de 85, série criada por João Paulo Cardoso, bonecos de Carlos Dias e Inês Guedes de Oliveira, textos de Sérgio Godinho e música de Jorge Constante Pereira: “Por incrível que pareça / Por incrível que pareça / Não há nada, não há nada / Que não nos aconteça / Oh sorte malvada / Que vida desgraçada / Ai ai ai ai / Ai ai ai ai”. Os Patafúrdios são aves com o sonho de voar, mas que não podem por excesso de peso de tanto comerem esparguete, são eles: Filipe Adão, o inventor, Vinte e Quatro, o versejador, Canelão, o agricultor de esparguete, Salomé, os seus filhos os Patafurdinhos, Eulália e o caixeiro-viajante Tomé seu apaixonado… e os bichos da maçã que são um coro chacoteador que também vive na árvore. “Os amigos de Gaspar” (19, outubro, 1986 - 12, março, 1989), da mesma equipa da Árvore dos Patafúrdios, textos João Paulo Seara Cardoso e Jorge Constante Pereira, bonecos Carlos Dias e Rui Anahory, música Jorge Constante Pereira, letras Sérgio Godinho. Gaspar, Clarinha, Romão, Marta, Balú, Farturas e o seu amigo muito especial o ouriço Manjerico, brincam com as invenções do Professor, policia-os o Guarda Serôdio: “o quê? quem se atreve a destruir um lugar público custosiamente mantido pela Câmara para benefício da qualidade de vida dos cidadões”, Clarinha: “cidadãos!”, Serôdio: “pois, e desses também e das cidadoas”, Clarinha: “cidadãs!”, Serôdio: “é o que eu digo, das cidadãs e dessa gente toda, e fique sabendo minha menina que este paraíso que aqui vê é fruto forço e duma grande despesa, onde o que ainda sai mais barato ainda é o salário deste pobre guarda”. Serôdio: “quando ao resto eu lembro-lhe que há leis. Há regras, há regulamentos e diretrivas. ‘Tá tudo no MCPP”, Clarinha: “no quê?”, Serôdio: “no MCPP, o Manual das Coisas Proibidas no Parque”. Um parque atolado na crise, Serôdio: “vocês não sabem que este parque foi reduzido a metade do que era?”, Romão: “e o que é que isso tem a ver com as galinhas?”, Serôdio: “ora tem a ver, pois claro que tem a ver. O meu salário também foi reduzido a metade. Hum, já era tão pouco. E agora tenho que olhar pela minha vida e ganhar o dinheiro com as galinhas. “História ao fim do dia” (1986-87), música de Carlos Alberto Moniz, uma ideia de Carlos Pinto Coelho, escrita por José Fanha; uma história era lida diariamente antes do Vitinho, primeiro por Serenella Andrade e Vera Roquette e depois por vários técnicos de educação e atores. Um prédio com janelas com o número de cada dia do mês aproximava-se, abria-se a janela do dia respetivo e um boneco introduzia o tema de uma história de 2 a 3 min escrita por autores portugueses como Maria Alberta Meneres, Alice Vieira… (antes de o seu livro de poesia para adultos “O que dói às aves”: “Aquele que o meu coração ama / não encontra em lado algum / o incenso que de meus olhos rompe / para ensinar a prender o corpo das mulheres / abandonadas fora de horas / às portas da cidade”, estar incluído no Plano Nacional de Leitura para o 2º ano. Os responsáveis do ministério incriminam um erro informático, que não, que é recomendado para alunos do secundário, mas não para o ensino básico).

na aparelhagem stereo

País de brandos curtumes, curte o avô e o bebé, curte o pai, curte a mãe, curte a tia de Belém, curte o jovem do crocodilo, curte o idoso senhorio e curte o rapaz podre. O choque de gerações em Portugal é almofadado por hipálage, os novos jarretam, os velhos novam. No programa de música ligeira “Piano Bar” (28, outubro, 1987 – 6, janeiro, 1988), filmado em vários bares, autoria e apresentação de Simone de Oliveira, transmitido na abertura da RTP 2 (cerca das 15:30). Em acolhedores botequins, atuações, como o duo Kutchi Kutchi (foram coros de Fernando Pereira, a Nucha e a Marité i.e. Maria León, voz dos Ravel), ou conversações como um Zé Pedro, de 31 anos, o copo de whisky na mesa posto, a anfitriã e o guitarrista dos Xutos & Pontapés parolam. Simone: “o que é que você imaginará que pode fazer daqui a 10 anos? vamos imaginar, as pessoas pensam fazer uma carreira” / Zé Pedro: “vou ser homem de negócios… acho que sim” (…) “por acaso há uma coisa que a gente gosta de fazer quando vamos em viagem, é rirmos, ‘tamos sempre a rir” (…) “não me importo e fico bem de gravata. Até ‘tou a pensar comprar um smoking este ano” / Simone: “eu acho que foi muito bom conversar consigo, até porque não, nunca tinha, nunca me tinha sentado a cavaquear um bocadinho consigo. Eu, que sou duma geração completamente diferente, dum mundo de cantigas completamente diferente, e eu penso que seria a nossa obrigação conhecer-vos um pouco melhor, como também me parece que seria vossa obrigação conhecer-nos a nós um bocadinho melhor” / Zé: “pois, ‘tá bem, eu tento, na medida do possível”. Atualmente, na pista de corridas da vida Zé Pedro está prestes a alcançar a Simone, na idade.
Os Faíscas, 1978, uma das primeiras bandas punk portuguesas: c/ Rocky Tango, 23 anos, guitarra e voz, i.e. “Rock Assassino” (era Paulo Pedro Gonçalves, dos Corpo Diplomático, Heróis do Mar, LX 90, Kick Out The Jams, Ovelha Negra), Dedos Tubarão, 17 anos, baixo e coros (era Pedro Ayres Magalhães dos Corpo Diplomático, Heróis do Mar, Madredeus, Resistência), Jorge Lee Finuras, 18 anos, guitarra, i.e. “Punhos de Renda” e Gato Dinamite i.e. “Flash Gordon”, 19 anos, bateria (era Emanuel Ramalho, baterista dos Corpo Diplomático, Street Kids, Rádio Macau, Delfins, João Pedro Pais). O seu road manager foi o Zé Pedro, e Zé Leonel, o crowd agitator, – que no meio do público, semeava caos para recolher distúrbios, em manobras de marketing punkísta –, antes de fundarem os Xutos & Pontapés [1] Faca na barriga / Radiodifusão” (1978) ♫ Aqui d’el Rock, Lisboa, bairro do Camboja, Alfredo Pereira (guitarrista, professor de filosofia), Fernando Gonçalves (baixista, desenhador) e JC Serra (baterista, servente de armazém) formavam o grupo de baile Osíris, com Óscar Martins (estudante de economia), como vocalista, metamorfoseiam-se num dos primeiros grupos punk portugueses. Estreiam-se como Aqui d’el Rock no Pavilhão do C.A.C.O. (Clube Atlético de Campo de Ourique), a 29 de abril de 1978, num concerto com os ELO, Hosanna e Perspectiva. Esse concerto regista uma histórica ação de guerrilha punk, os Faíscas assaltaram o palco, queriam tocar também, empurrões, confusão, diplomacia, ainda arranham dois ou três dos seus hits antes de se retirarem. Os Aqui d’el Rock foram a primeira parte do primeiro espectáculo punk com uma vedeta internacional, os Eddie & The Hot Rods, sexta-feira dia 7 de julho de 1978 no Coliseu dos Recreios, bilhete 150$00 Há que violentar o sistema” (1978) Eu não sei” (1979) ♫ Corpo Diplomático, Dedos Tubarão, Gato Dinamite e Rocky Tango mais Ultravioleta i.e. “Urubu” (Carlos Gonçalves), Choque Eléctrico (Rui Freire) e Carlos Maria Trindade são os Corpo Diplomático. Estreiam-se a 7 de julho de 1979 no comprimidíssimo concerto dos Tubes, em Cascais e estreiam também a new wave em Portugal. Gravam (1979) o primeiro single: lado A “A festa do Bruno” / lado B “Engrenagem”, de José Mário Branco, numa edição numerada e limitada. Nesse ano editam o LP “Música Moderna”, com uma capa cedida pela Associação de Amizade Portugal-China, produzido por João Henrique e António Sérgio, que não fez carreira diplomática na época e poucos o ouviram Televisão” (1979) Lisboa (quem quer comprar um Ferrari)” (1979) Kayatronic” (1979) ♫ Iodo, da margem sul, Rui Madeira (voz), Jorge Trindade (guitarras), António "Tó Pê" Pedro (baixo), Luís Cabral (teclas) e Alfredo Antunes (bateria), estrearam-se no Rock Rendez Vous [2] a 3 de fevereiro de 1981, a 26 de junho fazem a primeira parte do concerto de Iggy Pop no Pavilhão Dramático de Cascais Malta à porta” (1981), seu fugaz êxito: “eu sempre defendi isso, a volátil projeção do Iodo e outros grupos, pode ter sido causadora de mortes prematuras. Não houve espaços para amadurecimentos nem capacidade para gerir derrotas. Estávamos na casa dos vinte anos, onde todos os sonhos e ilusões ainda nos são permitidos. Por via da necessidade do mercado, muitos meninos saíram dos seus quartos onde cantarolavam os seus ídolos, e das suas garagens onde arranhavam uns temas, e são colocados em palcos, com PAs, iluminação, público, programas de TV, tops nas rádios, hotéis, carros alugados, fãs, etc. Isto deslumbra qualquer um, e dá a errada sensação de que tudo é fácil e possível”, diz Jorge TrindadeSemáforo, 1979, Amadora, os antigos FM, editaram um único single produzido por Júlio Isidro e Helena Cardinali Hoje há rock no liceu” (1982): Tózé Salomão (também ex-STS Paranoid) está no Mr. Blues e Manuel d’Albuquerque é vocalista e guitarrista dos Dr. SalazarStreet Kids, 1979, Cascais, os Plástico, Nuno Rebelo, Luís Ventura e Eduardo Pimentel, mudam de nome com a entrada de Nuno Canavarro e Flash Gordon (Emanuel Ramalho) em 1980; pretendiam um nome que lhes rotulasse o sentimento de si, jovens e urbanos, escapou-lhe a tradução do inglês: street kids significa afinal putos da rua, vadios. O primeiro single, “Let Me Do It”, nº 1 no top do programa Rock em Stock, foi produzido por Luís Filipe Barros. Tocam, no Pavilhão do Belenenses, as primeiras partes: dos Tangerine Dream em 1980 e, com os Ferro & Fogo, dos Classic Nouveaux em 1982 Propaganda” (1982): Nuno Rebelo substituiu Vítor Rua nos GNR, formou os Mler Ife Dada, produziu “Roda” (1986) de Anamar, ou “La Féria” (1986) dos Essa Entente; Luís Ventura é professor do liceu, colaborou no “L'amour va bien, merci” (1986) dos Mler Ife Dada, fundou os Lobo Meigo em 1987 que venceram o 6º Concurso do Rock Rendez Vous em 1989; Eduardo Pimentel é formado em Engenharia; Nuno Canavarro abandonou a carreira de arquiteto para se dedicar à música; Flash Gordon fez parte dos Rádio Macau, Nódoa Negra e Delfins ♫ Mata-Ratos, 1982, Oeiras, Jorge “Morte Lenta” Leal (voz), Pedro Coelho (guitarra), Pinela (baixo) e “Jó” Jorge Cristina (bateria), em 1988 penetram o vocalista Miguel Newton e o baixista Cascão, em 89 falham a final do 6º Concurso do Rock Rendez Vous, que não os impediu de ser uma furiosa longeva banda punk A minha sogra é um boi” (1989) Cona, cu e mamas” (1990) Napalm na rua Sésamo” (1995) Estou-me a cagar” (2004) ♫ M’As Foice, Coimbra, Sérgio Cardoso (guitarra), Alex Magno (guitarra), Nito (voz), Miguel Falcão (baixo), Toni Fortuna (coros e performance), “JêPê” João Paulo Camilo (performance) e João Paulo (bateria) É” (1989): Sérgio Cardoso esteve nos Tédio Boys, Tomtom Macoute, Foragidos da Placenta e está nos Wraygunn desde 99; Alex Magno esteve nos Lordose; Nito é baterista nos Tomtom Macoute; Miguel Falcão esteve nos Caffeine, é músico de jazz; Toni Fortuna era o vocalista dos Tédio Boys e está nos D3Ö; João Paulo Camilo esteve nos Primus Inter Pares e Carne de Porco, toca em grupos de baile; Cristina Sousa (guitarra) está nas Voodoo DollsCensurados, 1988, Lisboa, João Ribas (voz e guitarra), Orlando Cohen (guitarra), Fred Valsassina (baixo) e Samuel Palitos (bateria): “as letras, em português, eram simples e diretas, com refrãos que traduziam o sentimento da juventude da era cavaquista”Tu ó bófia” (1990) ♫ Cães Vadios, 1985, Porto, primeiro chamaram-se A Moral dos Idiotas, depois Os Cães, a Morte e o Desejo, Carlos Moura (voz), Guilherme Lucas (guitarra ritmo), Vítor Guedes (guitarra solo), Pedro Duarte (baixo) e Pi (bateria), com Calheiros na bateria gravam em Dezembro de 85 “Elvis – swing de uma noite de verão” para a compilação “Divergências” da etiqueta de João Peste e Ondina Pires, Ama Romanta: duplo LP que incluía Jorge Ferraz “Ó Foucault, o que é isso de chamarem Billy The Kid de menino assassino, não é Sara?” e uma entrevista sobre “as novas ditaduras culturais” com Paquete de Oliveira; em 1992 fazem a primeira parte dos três concertos dos suíços Young Gods em Lisboa, Coimbra e Porto Cão vadio” (1987) Boca de fogo” (1991) ♫ Capitão Fantasma, 1988, ensaiavam no sótão do Bar Oceano, Jorge Bruto (voz), Óscar gomes (guitarra), Jorge Metralha (baixo) e Tiago Sério (bateria) Hu uá uá” (1992) Tudo à estalada” (2007).
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[1] Zé Pedro: “eu tinha chegado de um inter-rail em 77 onde tinha assistido a um festival de punk [Mont de Marsan, em França]. Foram dois dias e penso mesmo que só não terá tido os Pistols. Teve os Clash, Damned, a primeira actuação dos Police, Dr. Feelgood, Bijou, que, era uma sonoridade mais mod parecida com The Jam, entre outros. Aquilo teve uma vibração espantosa, que me agitou, e quando cheguei a Portugal quis arranjar, se é que assim o posso dizer, aliados. Na altura houve um concurso da Música & Som (revista de música) no Belenenses, onde estiveram os Arte & Ofício, os Psico, uma banda de rock psicadélico, que era o que estava a dar, uma vez que ainda não tinha cá surgido o punk. E nesse festival surgiram os Faíscas. Eu quando soube que iam lá tocar os Faíscas, primeira banda punk nacional, tive de ir. Seríamos cerca de dez a vinte pessoas que estavam ali pelos Faíscas. Acabámos por nos conhecer todos e eu tornei-me muito amigo do Pedro Ayres. Os Xutos surgiram depois. Porque Os Faíscas tocavam na minha garagem e um pouco pelo facto do Pedro Ayres me estar sempre a picar para eu ter uma banda. No dia da última actuação dos Faíscas, em 13 de janeiro de 79, o Pedro Ayres volta a incitar-me para passar o testemunho”.
[2] O nº 175 da rua da Beneficência, no bairro do Rego, projetou fitas como Cine Bélgica (1928), Cinema Universitário (1968) e Cinema Universal (1973), até que Mário Guia, baterista dos Ekos, lhe marcou o destino de sala de música ao vivo, uma espécie de Londres no Rego, com um sistema de som JBL a 4 vias. O Rock Rendez Vous foi inaugurado dia 18 de dezembro de 1980 com um concerto do Rui Veloso e encerrou a 27 de julho de 1990. Entre um ponto e outro muita sarrafada distribuíram os seguranças pimpões aos putos eletrizados, muita banda conhecida, desconhecida, regional, estrangeira, ressoou nas paredes e orelhas emparedadas, António Sérgio, na fase “Lança-chamas”, aqueceu os palcos com as tardes do Falcão Metálico, os vizinhos reclamaram dos tomates do mal que lhes apoquentava a tranquilidade do Rego, fechou em 1983 logo reabriu sob pressão das massas do rock. Em 30 de novembro de 1984, a Dansa do Som, a editora de Mário Guia, publica “Promise” dos Gene Loves Jezebel. Com a intenção de gravar um disco ao vivo os Xutos & Pontapés desencaixotam-se por dois concertos, dia 31 de julho e 1 de agosto de 1986 (publicado em 2000). No 2 de junho de 1989, numa verbena dos Mão Morta, Adolfo Luxúria Canibal, esturricou e espetou uma faca na perna. O Rock Rendez Vous finou-se em 1990, foi demolido e renasceu como uma… pastelaria Galão 2.